Um dos retratos mais marcantes do sucateamento da educação no Estado está em Caxias do Sul. Basta passar em frente ao Instituto Estadual de Educação (IEE) Cristóvão de Mendoza para perceber as marcas que o tempo, aliado à falta de manutenção, deixou nas estruturas do complexo escolar. A sensação de abandono está presente na maior parte dos 25 mil metros quadrados do maior colégio público de Caxias do Sul. Fica ainda mais evidente com o silêncio que ecoa nos corredores, já que, com a pandemia, a maior parte dos alunos segue sem frequentar as salas de aula.
Imponente, o prédio histórico, construído em 1961, passou pela última intervenção em 2001, quando as redes hidráulica e elétrica passaram por reforma. O colégio é reconhecido pelo ensino do Magistério e chegou a figurar como uma das principais referências em educação pública no Rio Grande do Sul. Tanto, que é difícil acreditar que o Cristóvão de Mendoza aguarda desde 2009 por reformas estruturais. Em 2012, o Estado, por meio do Programa de Necessidades de Obras (PNO), apontou a necessidade de revitalização da escola, o que até o momento não se concretizou.
Depois de firmar acordo com o Ministério Público (MP), o governo do Estado retomou o cronograma de obras para reformar o Instituto Estadual de Educação (IEE). Agora, a expectativa, de acordo com o MP, é que a reforma comece até maio de 2022 e seja finalizada em março de 2023. De acordo com a Secretaria Estadual de Obras Públicas e Habitação foram realizadas vistorias pelos técnicos do Departamento de Obras Públicas, com sede em Porto Alegre, e da 4ª Coordenadoria de Obras Públicas de Caxias do Sul para verificar os serviços que devem ser atendidos emergencialmente.
Diante disso, optou-se por dividir o trabalho entre duas equipes, sendo que a 4ª CROP, com o auxílio da Seção de Projetos Elétricos do DOP, está elaborando os elementos técnicos referentes às demandas classificadas como emergenciais. A equipe do DOP também está elaborando os elementos técnicos referentes às demandas planejadas. (confira abaixo)
O que diz o MP
A promotora Simone Martini, da Promotoria Regional de Educação, com sede em Caxias do Sul, explica que foram feitos encontros virtuais com a comunidade escolar. Depois dessas reuniões, foi aprovada uma nova proposta do governo do Estado, que reduziu a obra de R$ 30 milhões para cerca de R$ 20 milhões.
— A direção, o Grêmio Estudantil e o Conselho Escolar aceitaram a contraproposta do Estado que, na verdade, é a alteração de algumas obras dentro do Cristóvão. A obra inicial previa a retirada de todo o piso, a troca de todas as portas, mas aí fizeram uma nova avaliação e viram algumas coisas que precisavam ser feitas. Antes, eles deixariam o esqueleto e iam refazer tudo, mas foram feitas pequenas obras ao longo dos anos. Então, eles foram vendo que tem coisas que não precisam ser arrancadas e trocadas. Teve essa racionalização dos custos. A comunidade escolar aceitou porque não impacta na funcionalidade da escola — explica a promotora.
O acordo foi feito em uma audiência em 9 de março, onde o Estado, então perante o juízo, se comprometeu em cumprir a proposta apresentada, sendo que o documento foi homologado recentemente. O MP tem fiscalizado para acompanhar se os prazos do cronograma estão sendo cumpridos. Simone explica que foi preciso readequar os projetos iniciais porque a licitação já estava na rua quando o governo atual assumiu e, portanto, todos foram revisados, além dos orçamentos:
— Se tudo der certo na licitação, a contratação da empresa está prevista para maio de 2022 e são 300 dias de obras. Os projetos estão em andamento. A pandemia também atrapalhou porque os engenheiros não podiam fazer vistorias, mas toda a escola será reformulada. Poderá ter mais uma incidência de multa caso não seja cumprido de forma injustificada. Mas esperamos que dê tudo certo e as obras, enfim, comecem no ano que vem. Agora, eles têm que cumprir o que nos apresentaram. Os projetos estão em andamento. A ideia é liberar logo o auditório, mas todos os blocos estão com problemas. Inclusive, tem que construir uma estação de energia, porque a escola é grande e hoje não comporta ar condicionado e tudo o que precisa ter, por exemplo — explica ela.
História de abandono
Basta passar em frente ao prédio, dividido em blocos, que fica na Avenida Júlio de Castilhos, no bairro Cinquentenário, para perceber os sinais da falta de investimento ao longo dos anos. Não bastasse a falta de pintura e rachaduras, ao ingressar no colégio é ainda mais visível o impacto dos problemas acumulados ao longo dos anos. Para se ter uma ideia, há 30 anos o prédio não recebe reformas. O auditório, o ginásio e o antigo bar estão interditados. Nos corredores há rachaduras, infiltrações, o piso está afundando em alguns pontos, a pintura está desbotada, há canos e vidros quebrados e demais problemas que impactam no dia a dia. Há salas em que o mofo, agravado por infiltrações, colore paredes.
No auditório, o silêncio impera. O espaço está interditado desde julho de 2013 por problemas nas saídas de emergência, na fiação elétrica e no carpete. A porta de madeira está emperrada. Para abrir, é preciso paciência. Lá, um piano ocupa o palco como se fosse uma lembrança de todos os eventos, formaturas, encontros e peças de teatro que já deram vida àquele espaço. Nas paredes e no teto, as marcas do tempo se fazem presentes mais uma vez. Com a infiltração, a tinta está descascada em vários pontos. Há rachaduras e um buraco na parede. Os vidros estão rachados e as cadeiras precisam ser trocadas. A parte elétrica também precisa ser refeita.
No ginásio, a cena também é de abandono. São necessárias obras de manutenção de concreto armado na cobertura, esquadrias, impermeabilização e instalações elétricas. Além disso, é preciso um Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndios (PPCI), instalações hidrossanitárias e pluviais. As arquibancadas precisam de reformas e os vasos nos vestiários estão quebrados. Nos corredores, a sensação é a mesma. A cada passo, se percebe uma rachadura, falta de pintura, salas sem portas, banheiros com portas quebradas, infiltrações, piso afundando. No pátio, há pedaços de concreto que cederam das paredes e vidros quebrados.
A cozinha e o refeitório foram reformados com verbas provenientes da suplementação da conta da Autonomia. Antes dessa reforma, os alunos e professores conviviam com constantes alagamentos em dias chuvosos. O novo refeitório ocupa duas salas no segundo pavimento da edificação. Para a diretora do Cristóvão, Roseli Bergozza, essa foi uma vitória, em meio à espera pela reforma.
— A comunidade fica descrente porque desde 2012 equipes fazem medições e nada acontece. Estamos na torcida pela obra e gostaríamos muito que a obra saísse. Mas temos medo de nos frustrar.
Ela ressalta que as demandas mais importantes são o ginásio e o auditório, que comprometem até mesmo as atividades dos estudantes:
— É o maior auditório da cidade, cabem 1.016 pessoas. A reabertura dele poderia ser uma fonte de renda para conseguirmos realizar mais melhorias na escola. Se conseguirmos desinterditá-lo teremos como gerar recursos, o que seria bem importante para a escola. O ginásio também é importante porque podemos usar de forma eficaz esse espaço para práticas pedagógicas que foram interrompidas.
A diretora explica ainda que entre os problemas mais sérios estão a falta de manutenção dos banheiros, que também estão sem portas, e as janelas.
— A questão dos banheiros é séria e o que mais nos incomoda nesse momento. As janelas não fecham e, quando fecham, com o mínimo vento elas abrem. Temos um desgaste grande quando o tempo está para chuva. As janelas fixas são um problema e há também toda a questão hidráulica. Tem o afundamento do corredor do Bloco B, na direção, onde temos um valo, e uma série de problemas estruturais. Há também uma entrada de água na junção entre os blocos. Estamos pensando em fazer pequenos telhados para que os alunos e professores não se molhem —afirma.
Ela ressalta ainda que a questão estética também incomoda, porque aumenta a sensação de descaso.
— Causa um aspecto de desleixo, uma impressão de falta de cuidado. Esperamos muito que a escola volte a ser um lugar aprazível — espera.
O que será feito:
Serão atendidas emergencialmente:
- Reforma geral, recuperação estrutural e PPCI do bloco E (auditório);
- Reforma geral, recuperação estrutural e PPCI do bloco D (ginásio);
- Demolição e construção de novas passarelas de ligação entre os blocos A, B e C;
- Reforma elétrica dos blocos A, B e C, que inclui: sistema de proteção contra descargas atmosféricas, circuitos alimentadores principais, quadros de distribuição e instalações elétricas internas;
- Reforma do quadro geral de baixa tensão e construção de uma nova entrada de
energia do tipo subestação abrigada;
Serão atendidas como demanda planejada (fluxo normal de atendimento):
- Reforma geral dos blocos A, B e C;
- Reforço estrutural dos pilares do subsolo do bloco A.
- Reforma das instalações internas de CFTV, telefonia e cabeamento estruturado dos
blocos A, B e C;
- Construção do bloco F (refeitório e cozinha);
- Intervenções na área externa, incluindo as instalações de iluminação
Fonte: Secretaria Estadual de Obras
ETAPAS DE PROJETO DEMANDA PLANEJADA
Entenda o caso
A reforma do Cristóvão de Mendoza é uma promessa desde 2012, quando ela foi incluída no Plano de Necessidades de Obras. Sem saírem do papel, as intervenções voltaram a ser uma promessa em 2016. Estudantes fizeram a ocupação do prédio durante uma mobilização nacional e a saída deles ficou condicionada ao início de obras, com conclusão em 2017. O acordo foi firmado com auxílio do Ministério Público. No entanto, mais uma vez, nada aconteceu e o prédio continuou se deteriorando. As alegações do governo do Estado para o atraso foram entraves burocráticos. Em 2018, a licitação foi lançada. O processo licitatório acabou suspenso em 2019, antes da conclusão, por causa do decreto de contingenciamento de recursos do governo do Estado.