A sensação de abandono permeia cada um dos 25 mil metros quadrados do maior colégio público de Caxias do Sul, o Instituto de Educação Cristóvão de Mendonza, no bairro Cinquentenário. Um passeio rápido pelo gigantesco prédio, erguido na década de 1960 pelo governo do Estado, dá uma amostra dos péssimo estado de conservação do imóvel. Enquanto crianças e jovens passam pelos corredores escorregadios dos três pavilhões, os professores ensinam com ajuda do improviso. Não há auditório para celebrar a formação dos alunos e, nas quadras ou espaços externos em que é possível aproveitar os dias ensolarados, há lugares em que o chão está cedendo. No lado de dentro, há salas em que o preto do mofo, agravado por infiltrações, colore paredes e torna difícil o simples ato de respirar.
A falta de manutenção é evidente: a última obra que o Cristóvão passou ocorreu em meados de 2001, quando as redes hidráulica e elétrica passaram por reforma. Desde 2011, a diretora Fabiana Simonaggio e a comunidade escolar do Cristóvão aguardam a promessa de que a instituição receberia obras profundas com verbas do governo federal, transformando-a em escola de primeiro mundo: o extinto Plano de Necessidades de Obras (PNO).
– Às vezes, a gente pensa que derrubar a estrutura e erguer outra seria vantagem. É muito triste ver a escola assim – desabafa uma funcionária.
São tantos cronogramas de obras apresentados que as professoras têm na ponta da língua números, metragens e orçamentos. A promessa mais recente, firmada após as tumultuadas ocupações de 2016 em colégios de todo Estado, é de que em julho deste ano uma sequência importante de obras sairia do papel. O edital deve ser lançado só no final daquele mês.
– Eu já fui mais otimista – resume a diretora Fabiana.
– Eu não, Fabi. Tenho fé que vamos conseguir, que ainda vamos ter o prédio bonito de novo – afirma, esperançosa, Miria da Silva, que responde pelos setores administrativo e financeiro.
Assinado em 23 de junho de 2016, o documento é um termo de acordo para a desocupação do Instituto Cristóvão de Mendonza. Em seis páginas, representantes de alunos, da direção, do Ministério Público e da Procuradoria do Estado assinam prazos, compromissos e descrições sobre o que, de forma estrutural, o Cristóvão precisa.
Paralelamente a isso, uma força-tarefa formada por 50 funcionários do Estado que integram a Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão tem atuado diretamente no setor de Obras da Secretaria Estadual de Educação. A meta é iniciar obras como a do Cristóvão com urgência para não perder recursos já garantidos do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird).
Na prática, são necessários R$ 30 milhões para todas as reformas no Cristóvão. O dinheiro está garantido, garante a secretária-adjunta de Planejamento Governança e Gestão, Melissa Custodio. Mas as obras precisam começar até fevereiro de 2019 para que os recursos do Bird não se percam.
– O Cristóvão é uma das cinco escolas no Estado que terão estas obras. É um dos maiores investimentos necessários. Nossa força-tarefa tem foco em entregar o maior número possível de obras em menor tempo possível. É o que iremos fazer – garante Melissa.
Cronograma está atrasado novamente
Ao ser lançado pelo governo estadual em 2011, o Plano Nacional de Obras (PNO) previa a recuperação de quase 400 escolas. Porém, a falta de técnicos que elaborassem e executassem os projetos, além de verbas escassas para contrapartida, reduziram drasticamente a quantidade de beneficiados.
O Cristóvão seguiu no pacote porque o projeto estava em fase avançada. As obras que devem sair do papel vão custar cerca de R$ 30 milhões. O cronograma do serviço foi reiterado no termo de acordo durante as ocupações de estudantes, em 2016. Em julho, seguindo o cronograma inicial, as melhorias já estariam até prontas. Segundo a titular da 4ª Coordenadoria Regional de Educação (4ª CRE), Janice Moraes, a licitação deve começar no próximo mês e levar, no mínimo, 40 dias para se encerrar.
– É tudo muito burocrático. Recebi nesta semana a informação que finalmente temos a liberação de um entrave com a RGE, para construir uma subestação. Isto levou bastante tempo. Então, comemoramos que este passo já foi dado – avalia Janice.
A 4ªCRE admite as más condições do prédio, e garante que as tão sonhadas obras não ficarão apenas no papel.
– A gente sabe da realidade e não ignora isso de forma alguma. Mas tudo que envolve dinheiro público é difícil. Mas eu quero que tu coloque aí: eu me nego a acreditar que as obras não vão acontecer. Elas vão sair. Vão mesmo – defende.
O Ministério Público, por meio da Promotoria de Educação, acompanha o caso.
– Os projetos estão tramitando nos órgãos públicos para aprovação: RGE, prefeitura... Depois disso, seguirá o expediente para licitação da empresa que realizará a obra – detalha a promotora Simone Martini.
Jean Carbonera, o advogado que representou os alunos nas ocupações e que assinou o termo de acordo em 2016, diz que cabe ao Ministério Público fiscalizar o andamento da obra.
– É um exemplo lamentável do não cumprimento da palavra do Estado. E acreditamos que é possível verificar, a fundo, se há outra parte do prédio que está insustentável e sem condições de receber alunos. Se naquela época estava lamentável, imagina agora– afirma.
Auditório segue interditado
Uma pilha de cadeiras, mesas, entulhos e outros itens está posicionada em frente à porta do auditório do Cristóvão. Foi a medida encontrada pela direção para impedir que alguém entre no espaço. Faz mais de um ano, inclusive, que sequer a diretora vai lá. Interditado desde julho de 2013, o maior auditório de Caxias do Sul não tem sequer previsão de desinterdição.
A prerrogativa é que nenhuma obra pode ser executada ali sem que o colégio passe pelo conjunto completo de reformas. Enquanto isso, as 1.007 cadeiras de madeira que estão distribuídas em um salão acarpetado seguem vazias e empoeiradas. Os bombeiros fecharam o espaço por falta de segurança.
As saídas de emergência são ineficazes, há problemas na fiação elétrica e o carpete que cobre paredes também precisa ser substituído. Falta sinalização de emergência, e a pintura do teto está descascada. Na época da interdição, o investimento orçado era de quase R$ 54 mil.
A escola reuniu esta verba, ex-alunos e demais membros da comunidade ofereceram ajuda para o reparo, mas não houve autorização para a execução da obra por parte do Estado. Afinal, este não é o único espaço que precisa, com urgência, de melhorias.
– Desde aquele dia que os bombeiros entraram e nos disseram que iriam interditar, nunca mais pudemos fazer nada. Recebemos diversos grupos de pessoas da comunidade que queriam ajudar, ser voluntários, mas não pudemos aceitar nada. É frustrante fazer as atividades de dia das mães, por exemplo, no ginásio – lembra a diretora Fabiane Simonaggio.