Os 30 anos da coleta seletiva em Caxias do Sul, comemorados neste domingo (15), traçam dois cenários distintos atualmente: a evolução em processos, como o pioneirismo no sistema mecanizado realizado com a implantação dos contêineres em 2007, e os desafios financeiros e problemas pontuais da Codeca, como carência na frota e redução de resíduos destinados às associações de recicladores na pandemia.
Mas, voltando no tempo e na história da empresa, cabe recordar que o primeiro bairro contemplado com o serviço foi o Santa Catarina, seguido, posteriormente, pelo São José e Universitário, conforme lembra a diretora do Instituto de Saneamento Ambiental da Universidade de Caxias do Sul, Vania Schneider, que foi uma das idealizadoras do processo na cidade.
— Nos três bairros, fui pessoalmente conversar com todos os alunos, professores e lideranças, entregando panfletos de porta em porta para explicar para os moradores. Foi uma coisa que fizemos no peito e na raça porque nem todo mundo acreditava. Surpreendentemente, a resposta da população foi maravilhosa —recorda Vania, que palestra nesta segunda-feira (16) sobre o tema na reunião-almoço da CIC.
Três décadas se passaram desde o início da implantação da coleta seletiva e, hoje, os desafios da Codeca vão além de continuar educando a população: a pandemia de coronavírus levou mais catadores informais às ruas, o que se reflete na redução de materiais recicláveis que chegam as 12 associações conveniadas ao município. No mesmo passo, a empresa enfrenta problemas recorrentes com a frota de caminhões, impactando também no desempenho e faturamento das associações e, consequentemente, na renda das famílias que dependem da reciclagem para sobreviver.
O presidente da Associação Centenário, Adroaldo Flores, conta que os últimos cinco meses foram desafiadores diante da escassez de resíduos na coleta seletiva.
— Não estávamos trabalhamos dois dias por semana, por falta de material, porque os caminhões não saíam para coletar. Mas as contas de aluguel, luz e água continuam iguais. Para se ter uma ideia, a partilha que se fazia com os associados, dava em torno R$ 1 mil, R$ 1,1 mil. Nesses últimos tempos, tem dado R$ 800 no máximo — lamenta o representante da associação.
O diretor operacional da Codeca, Rafael Tregansin, argumenta que os principais problemas enfrentados agora são a manutenção e a idade média da frota, tanto da coleta seletiva como da orgânica. Porém, a aquisição de novos veículos, que resolveria o problema, é algo que não deve ocorrer em curto prazo, segundo ele.
_ Nós temos uma grande concentração de caminhões no turno da manhã, que é onde mais enfrentamos dificuldades, porque a nossa oficina não trabalha no turno anterior, da madrugada. Então, por volta de 6h30min, quando sai a coleta, eventualmente tem um caminhão que não liga, um outro que chegou de madrugada com problema. Além disso, temos uma frota antiga, com 19 anos em média.
Soluções à vista
Uma reunião com a prefeitura e a Codeca na última quarta-feira trouxe mais esperança para os representantes das associações de reciclagem. O encontro foi organizado depois que o prefeito Adiló Didomenico visitou recicladoras na primeira semana do mês.
— Já começou a melhorar, depois dessa reunião que tivemos. Ontem (quinta-feira, dia 12) já saíram todos os caminhões. A gente ficou esperançoso — diz Adroaldo Flores.
Tregansin explica que uma das medidas que está em análise e foi apresentada às associações é a alteração de roteiro de coletas, o que diminuiria o problema de falta de caminhões para transportar os resíduos recicláveis.
— Nós também estamos com planejamento para manutenção corretiva e preventiva em andamento, mas é algo que vai surtindo efeito gradualmente — informa o diretor operacional da companhia.
"Os resíduos acompanham as questões econômicas"
Conforme o supervisor do departamento de limpeza urbana da área de coleta da Codeca, Gilvane Lima, entre 2018 e 2019 recolhia-se em média 90 toneladas de resíduos seletivos por dia. Neste ano, ele estima que o número caiu para um patamar entre 64 toneladas e 70 toneladas diárias, o que acredita ser resultado da pandemia. A redução impacta no abastecimento e lucro das associações de recicladores.
— Os resíduos acompanham as questões econômicas. Quando a economia está bem, aumenta a geração e, por consequência, aumenta a quantidade de resíduos recicláveis. Outro fator que vem a reboque é o número de catadores. Se a economia está bem, as pessoas estão empregadas e não estão nas ruas. Porém, quando a economia fica pior, muito mais gente vai para a rua e surge, então, o impacto na coleta seletiva, porque essas pessoas retiram a parte mais nobre do resíduo, com maior valor agregado, como alumínio, pet, papelão —explica a diretora do Instituto de Saneamento Ambiental da Universidade de Caxias do Sul, Vania Elisabete Schneider.
O impacto dos catadores informais, aliado à falta de conscientização da população na hora de separar os resíduos, é sentido em outro ponto da cadeia, nas associações de recicladores:
— Acaba que os resíduos chegam com uma péssima qualidade nas centrais de triagem. O resíduo já vem depurado. Outra questão é que a população não faz a segregação correta, o que gera o que chamamos de rejeito. No fim, é um material que se torna muito empobrecido — aponta Vania.
Caminhos para uma coleta mais tecnológica e sustentável
Para o professor Rafael de Lucena Perini, do Centro Universitário da Serra Gaúcha, o futuro da coleta seletiva em Caxias do Sul está atrelado à tecnologia e às inovações já usadas em outros países da Europa e nos Estados Unidos. São propostas, simples ou mais elaboradas, que podem servir de exemplo e se transformar em soluções para a gestão de recursos públicos e, claro, em prol do meio ambiente.
Embora haja muitos desafios a serem vencidos, tanto financeiro como culturalmente, o professor aponta que pode ser considerado um avanço Caxias do Sul contar com um processo de separação do lixo seletivo há 30 anos — os dados do Índice de Sustentabilidade da Limpeza Urbana apontam que quase metade dos municípios brasileiros (49,9%) pesquisados em 2020 ainda despeja resíduos em lixões (depósitos irregulares e ilegais).
Perini destaca que uma das tendências que podem ser adotadas por aqui é um nível de separação mais qualificada dos resíduos seletivos, desde que, obviamente, haja campanhas mais incisivas de conscientização e engajamento da população — não só em escolas, como em empresas do setor privado também.
— Hoje, a gente tem uma divisão no resíduo residencial apenas entre o orgânico e o seletivo. O próximo passo, que temos visto acontecer, é esse seletivo se dividir ainda mais, em metais, madeira, papel. O que já se vê na Europa, inclusive, é a divisão do vidro por cor. Outro ponto do amadurecimento da coleta seletiva está relacionado à mecanização total desse processo, considerando, claro, os problemas que a nossa cidade enfrenta — reflete o professor, que é administrador de empresas, com atuação e pesquisa em sustentabilidade, gestão ambiental e desenvolvimento de cidades.
Outra possibilidade futura apontada pelo pesquisador é a inserção de sistemas inteligentes no processo de coleta:
— Barcelona, por exemplo, criou um sistema com sensores que avisa quantos por cento da lixeira está cheia. Aí o caminhão vai ter uma rota otimizada, indo apenas onde é necessário. É uma redução de tempo, de combustível... É a tecnologia e a inovação auxiliando para a redução de custos — explica o docente.
"Eu dormia e sonhava com sininho tocando", lembra motorista da Codeca
Os primórdios da coleta seletiva em Caxias do Sul, em 1991, pouco lembram os atuais processos. Pelo menos é assim que define o motorista Alfredo Carlos Machado, que atua há 28 anos na companhia, sendo 13 deles dedicados à condução dos caminhões. Logo que o serviço foi implantado, para avisar a população que era o momento de descartar os resíduos seletivos, um sino era instalado no caminhão e tocava quando os coletores chegavam aos bairros.
Um trabalho, conforme recorda Machado, que exigia muito mais paciência e demandava mais tempo, pois os coletores ficavam esperando pela entrega dos moradores.
— Eu digo que mudou da água para o vinho. Bem no comecinho, tinha um sino de bronze que ficava do nosso lado, nos caminhões, e a gente dirigia e ia tocando o sino para avisar o pessoal. Era um processo mais lento, porque a gente ficava esperando o pessoal sair de casa e ir entregar. No fim do dia, eu dormia e sonhava com o sininho tocando — brinca Machado.
Para o supervisor do departamento de limpeza urbana da área de coleta da Codeca, Gilvane Lima, a modernização da frota trouxe condições mais adequadas de trabalho para os coletores.
— Quando eu comecei era um baú fechado. O lixo até poderia chegar um pouco melhor para as reciclagens, mas maltratava muitos os funcionários. Funcionava assim: dois funcionários jogavam o lixo e um tinha que fazer o que era chamado de "carga", que era pegar o lixo que caía ali perto e jogar na parte da frente (do baú). Dava muito acidente com vidros também. Hoje, com os caminhões compactadores e os mecanizados, facilitou muito para o funcionário — afirma Lima.
CONHEÇA MAIS SOBRE O PROCESSO
:: Em torno de 79 funcionários da Codeca atuam na coleta seletiva, divididos em quatro turnos de trabalho (manhã, tarde, noite e madrugada).
:: Entre 2018 e 2019, 90 toneladas de material seletivo eram recolhidas diariamente pela Codeca. Nos últimos meses, o montante chega a 70 toneladas por dia.
:: Nos bairros do perímetro urbano, a coleta seletiva ocorre duas vezes por semana, de segunda a sábado, conforme cronograma que pode ser acessado no site da Codeca.
:: As comunidades do interior são atendidas nas sextas-feiras, também conforme rotas traçadas previamente.
:: O material recolhido é repassado para 12 associações recicladoras que têm convênio com a prefeitura. Funciona assim: a Codeca realiza a coleta pela cidade e repassa para as associações, que são responsáveis pela triagem desse material.
:: No processo nas associações, são separados os rejeitos (restos orgânicos misturados ao seletivo) do material reciclável. Conforme convênio , a Codeca então faz o recolhimento desses rejeitos, que são depositados no Aterro Municipal Rincão das Flores.
COMO DESCARTAR CORRETAMENTE
O que é o lixo orgânico?
Restos de comida, folhas de árvore e outros materiais que entram em processo de decomposição facilmente. Podem ser transformados em adubo. Importante: papel higiênico, guardanapos e fraldas descartáveis vão sempre no lixo orgânico.
O que é resíduo seletivo?
São resíduos que não possuem origem biológica ou que foram produzidos pelo ser humano. São plásticos, metais, vidros e papéis. A maior parte desses resíduos é reciclável, mas há exceções.
Como devo embalar o lixo?
Embale o lixo orgânico em sacos escuros e o resíduo seletivo em sacos de cor clara.
Como embalar vidros?
Embale o vidro sempre com papel seco ou em caixas de papelão. Identifique o material, assim você evitará acidentes com coletores ou recicladores.
Devo lavar as embalagens de material seletivo?
Sim, desde que utilizando a água de forma racional. Os restos de resíduos orgânicos que ficam impregnados nas embalagens apodrecem e, além de retirar o valor comercial, causam mau cheiro e atraem ratos e insetos às Associações de Recicladores. Uma recomendação da professora Vania Schneider é, na impossibilidade de usar água, utilizar um guardanapo para tirar a maior parte dos resíduos em embalagens de iogurte, molho de tomate, etc.
Quais os danos da destinação incorreta do lixo?
Lixo jogado na rua provoca entupimento de bocas de lobo, o que ocasiona alagamentos. Queimar o lixo libera gases tóxicos na atmosfera, o que pode causar problemas de saúde. Também contribui para o aquecimento do planeta. A destinação incorreta também pode atrair animais que provocam doenças, como leptospirose, febre tifoide e verminoses.
Fonte: Codeca.