Sem leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) nos hospitais da Serra, se torna cada vez mais frequente a morte de pacientes com covid-19 que aguardam pela liberação de uma vaga para tratamento intensivo. Nesta terça-feira (16), 41 pessoas estavam cadastradas na Central de Leitos de Caxias à espera de uma vaga na região.
No São João Bosco, em São Marcos, três morreram nos últimos dias à espera de leitos. Há 75 na instituição, mas o hospital é de pequeno porte e conta apenas com o Centro de Terapia Intensiva (CTI). Embora tratem pacientes graves de forma intensiva, UTI e CTI são diferentes. A CTI do hospital de São Marcos não tem suporte para todos os tipos de enfermidades. Ou seja, é um atendimento mais generalizado e não tão especializado quanto o de uma UTI. Dois dos pacientes aguardavam por leitos em rede privada, sendo que um conseguiu a vaga, mas não resistiu e morreu antes de ser transferido para outro hospital. Já um dos pacientes estava à espera de um leito pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ele também não resistiu às complicações da doença.
As vítimas são três homens. O primeiro registro ocorreu no dia 8 de março, com a morte de um idoso de 81 anos. Ele estava internado desde o dia 3 na instituição, em leito clínico. No dia 6 ele foi transferido para a Unidade de Cuidados Intermediários (UCI) enquanto aguardava por leito de UTI. O idoso morreu no dia 8. A segunda vítima tinha 71 anos. Ela estava internada desde o dia 1ª de março no São João Bosco. O homem foi transferido para a UCI no dia 9 e morreu três dias depois. No domingo (14) foi registrada mais uma morte por falta de leitos. Um homem de 45 anos estava internado na UCI desde o dia 8 de março e não resistiu à doença.
Na semana passada, de acordo com levantamento da reportagem, outros noves pacientes com covid-19 morreram nos últimos dias à espera por leitos de UTI na Serra . Os números podem ser ainda maiores porque nem todos os hospitais da Serra atenderam à solicitação do Pioneiro sobre mortes na fila do tratamento intensivo. Os casos mais recentes foram registrados em Veranópolis, Guaporé, Carlos Barbosa, Nova Prata e Nova Petrópolis, cidades que fazem parte da região de abrangência da 5ª Coordenadoria de Saúde (CRS). Em Serafina Corrêa, que integra a 6ª CRS, também foi registrada uma morte por falta de leito.
— Infelizmente já aconteceu de não conseguirmos transferir pacientes a tempo para uma leito de UTI porque não há vagas nos hospitais da região — lamenta o diretor da entidade, Rogério Soldatelli.
Ele conta que o hospital está operando com 80% da capacidade, sendo que na ala de covid-19 há 27 pacientes internados. O São João Bosco também está recebendo pacientes de cidades da Serra devido à lotação na região. São sete pacientes de fora da cidade, transferidos de Caxias do Sul e de Campestre da Serra.
— Já atendemos pessoas da região e estamos dando essa assistência com leitos que abrimos para retaguarda. Esses pacientes são mantidos em uma ala separada, que fica no segundo andar. Pretendemos manter essas vagas, mas sem comprometer os moradores de São Marcos, que também precisam de assistência — destaca Soldatelli.
O diretor desabafa:
— Faltam recursos. Estamos mantendo o hospital e gastando uma fortuna para isso. Ao mesmo tempo estamos perdendo vidas. Esse é o pior momento desde o começo da pandemia. Estou à frente do hospital há 39 anos e nunca vi nada parecido, nada assim, nem de perto. Sabe quando se fica sem chão? - questiona.
Ele garante que há espaço no hospital se os casos não se agravarem, mas aponta que pacientes infectados com covid-19 correm o risco de ter complicações. O diretor indigna-se:
— Até hoje não entendo porque no ano passado, quando se sabia do vírus, o governo não cancelou o Carnaval e os voos. Não tem que ter festas. Foi uma sucessão de erros e, agora, estamos vendo o resultado dentro dos hospitais.
O diretor afirma ainda que a situação é semelhante a dos demais hospitais da Serra e do próprio Estado. Ele frisa que há cada vez mais jovens ocupando leitos.
— A faixa etária mudou e os jovens de cerca de 40 anos estão se contaminando. Há muita gente nessa faixa etária e estão ocupando cada vez mais os hospitais. Não querem fechar indústria e comércio, mas tem que fechar sim. Isso é uma guerra e tem que barrar a circulação de pessoas, tem que ter toque de recolher porque a morte está ali na esquina — destaca.
Ele faz um apelo, principalmente aos mais jovens.
— Percam um ano de festas e aproveitem mais 80 anos de vida porque jovens também vão morrer de covid-19. Eles têm que colocar isso na cabeça. Eles saem à noite e se aglomeram, vão a aniversários e depois lotam o hospital porque o aniversariante ou um convidado contaminou os demais. É preciso consciência e atitude.
626 pessoas estão em isolamento em São Marcos
Ainda no ano passado, antes do primeiro paciente infectado, o município determinou toque de recolher à população durante a noite. Contudo, em 16 de abril, a prefeitura decidiu por decreto municipal autorizar a abertura do comércio com restrições, mesmo que o governador Eduardo Leite (PSDB) tivesse mantido a proibição para a Região Metropolitana da Serra gaúcha. Nas demais ocasiões, como em fevereiro deste ano, ocorreu o mesmo. São Marcos, assim como Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Farroupilha, Flores da Cunha, Vacaria e Carlos Barbosa adotaram medidas menos restritivas, com regras de bandeira vermelha durante a preta que está em vigor na Serra.
Com o aumento dos casos, São Marcos seguiu com o protocolo da bandeira preta nesta semana, monitorando a situação. O prefeito Evandro Kuwer (MDB) afirma que novas medidas serão avaliadas conforme for a classificação da próxima semana no distanciamento controlado.
— Os números aumentam a cada semana, e pretendemos reunir o Gabinete de Crise para avaliar o aumento dos valores da multa aplicada em aglomerações. Também vamos nos reunir com a Brigada Militar para intensificar ainda mais a fiscalização para que a gente consiga colocar tudo em funcionamento da melhor maneira possível.
Com cerca de 22 mil habitantes, São Marcos está com 162 casos ativos, ou seja, de pacientes diagnosticados com a doença. A cidade já registrou 22 mortes e 626 pessoas estão em isolamento. Entre eles, há casos positivos e suspeitos. A secretária de Saúde, Maristela Lunedo, afirma que este é o pior momento da pandemia.
— Há famílias inteiras positivando e, nas últimas semanas, os números estão duplicando. Percebemos que anteriormente as internações ocorriam em pessoas com mais idade e agora está acontecendo o agravamento em pessoas mais jovens. Algumas ainda têm resistência com relação à forma de prevenção, principalmente quando se refere a evitar aglomerações e o uso adequado de máscara.
Sobre a vacinação na cidade, ela afirma que foram aplicadas 1.658 doses no município. Destas, 1.145 receberam a primeira dose e 513 já tomaram as duas doses do imunizante.
— O ideal é que viessem mais doses, assim mais pessoas seriam imunizadas e poderia haver uma diminuição no número de casos e menos casos agravados — afirma ela.
A secretária faz um apelo à comunidade:
— Precisamos da ajuda de cada um. Gostaríamos que as pessoas pensassem que o agravamento da doença pode acontecer com a própria pessoa ou com alguém que ela ama. A luta contra a covid-19 deve ser coletiva.
Números na Serra
:: 23 pacientes de Caxias aguardam leito de UTI Covid-19.
:: 5 pacientes de Caxias esperam leito de UTI Clínica.
:: 27 pacientes de Caxias aguardam leito de enfermaria Covid-19.
:: 2 pacientes de Caxias estão à espera de vaga na enfermaria para outras doenças.
:: 18 pacientes de outros municípios aguardam leito de UTI Covid.
:: 15 pacientes de outros municípios esperam leito de enfermaria para tratar outras doenças.