Gabriele Piccoli é dona da Casa de Festas Don Claudino no bairro Nossa Senhora da Saúde. O espaço tem cinco salas e atendia uma média de 300 a 400 pessoas em um único final de semana antes da pandemia. A estrutura toda – parte física e de pessoal (cinco funcionários) – era voltada para a realização de eventos.
– Foi do 100 ao zero, porque estávamos em um ano muito bom, de bastante demanda e coisas bem legais para acontecer. De repente fomos para zero eventos, sem poder fazer nada, no início. Passamos dias bem desoladas porque não podíamos fazer festas e não sabíamos quando poderíamos retomar. Foi bem difícil – descreve a empresária.
Além das agendas para 2020, já havia marcações para este ano. Mas, com os cancelamentos e reagendamentos, para não demitir, as irmãs que tocam o negócio deram férias coletivas para a equipe por 30 dias. Mais do que isso, decidiram se reinventar diante do novo cenário.
– Precisamos tomar uma decisão: ou demitíamos toda a equipe ou inventávamos algo para manter o pessoal. Então, lançamos um produto que é o Armazém Don Claudino em Casa, que são nossos congelados. Foi uma alternativa para poder manter nossa equipe da cozinha e nos ajudar a manter a marca – conta Gabriele.
A ideia deu certo. Os pratos da culinária italiana caseira tiveram boa aceitação. O novo nicho proporcionou fluxo de caixa e, ainda, deu segurança aos clientes de que o empreendimento não fecharia as portas. A empresa também aderiu às medidas do governo de redução de salários. Mas refere que mesmo sem poder realizar eventos teve de pagar impostos como se estivesse operando.
Com a reabertura do restaurante de forma presencial aos usuários, em meados do ano passado, o espaço dispôs mesas ao ar livre, seguiu todos os protocolos de prevenção desenvolvidos para o setor e começou a receber o público que já estava cansado de ficar em casa. Foram os primeiros passos da retomada, que ainda enfrentaria uma sequência de bandeiras vermelhas no modelo de distanciamento controlado no final de ano.
– Se pensar no faturamento, é de chorar. Foi e está muito difícil. Mas não vou desistir. Passei pelo pior momento. E se pensar na marca, foi muito válido. Até nessa questão de podermos nos reinventar – declarou Gabriele.
Garçom recebeu ajuda de ex-empregador
Márcio Pereira dos Santos, 47 anos, começou a trabalhar como garçom em 1998 e se identificou com a profissão. Atuava em casas noturnas às sextas-feiras, aos sábados e aos domingos e, nos dias de semana, em festas. Sempre à noite. O trabalho se encaixava na rotina da família, já que durante o dia, Márcio cumpre a agenda do filho Anthony de Almeida dos Santos, sete, que tem transtorno do espectro autista e faz terapias e acompanhamento em fonoaudiologia. O trabalho cessou quando a pandemia de covid-19 provocou o fechamento de todos os pubs e boates da cidade e suspendeu os eventos.
– Tinha três eventos agendados na semana que fecharam tudo. Depois disso, cancelaram e não fiz mais nenhum. Fazia em residência também, mas ninguém fez mais. Trabalhava com carteira assinada em uma casa noturna desde quando ela abriu, em 2012, mas eles fecharam em abril (de 2020). Peguei seguro-desemprego que foi o que me ajudou – conta Márcio.
O garçom não conseguiu se enquadrar no auxílio emergencial do governo federal porque quando o programa foi lançado ele ainda tinha carteira assinada, depois, o benefício do seguro-desemprego e, por fim, quando o dinheiro do seguro acabou, já não era mais possível se inscrever no auxílio.
Com a perda do salário fixo e dos trabalhos como freelancer, Márcio usou a reserva que tinha juntado nos últimos anos e o valor da rescisão para manter a família em 2020. Além disso, se vira fazendo 'bicos' em restaurantes aos finais de semana à noite. Mesmo assim, não é sempre que consegue, já que esses estabelecimentos também estão com equipe reduzida. A mulher dele, Daiana de Almeida, 39, também trabalhava na área, com eventos infantis, foi demitida e ajudou com a parte do seguro dela. Os tratamentos do filho e medicamentos, os pais conseguem cobrir com o benefício que a criança recebe.
No momento de dificuldade, a ajuda veio de um cliente empresário e de outras pessoas com as quais trabalhou.
– Ele me ligou, combinamos de nos encontrar... Ele perguntou como estava me virando, me deu R$ 500 e disse: isso aqui é para te ajudar. Eu enchi os olhos d’água. Um outro pessoal, que eu prestava serviço, fez umas lives e me deu três ou quatro cestas básicas. Eles sabem que eu só faço isso e que foi o ramo mais afetado – contou o garçom.
Dono de empresa de cenografia faz fretes
Acostumado a montar os mais diversos cenários para casamentos, aniversários e formaturas, Flaviano Ernesto Weber, 40 anos, viu a fonte de renda da empresa de cenografia desaparecer junto com o início da pandemia de covid-19 em Caxias. Já no primeiro final de semana após o decreto municipal que cessou os eventos, em 16 de março do ano passado, ele perdeu cinco trabalhos e teve que devolver a parte dos pagamentos que havia recebido de forma antecipada. A agenda do ano inteiro foi cancelada.
Nos primeiros meses da suspensão dos eventos, Flaviano usou a reserva que tinha para pagar os três funcionários. Depois, com a ajuda do governo federal, que pagava parte dos salários, conseguiu mantê-los por mais três meses, período que durou a medida. Por fim, teve de demiti-los. Para arcar com as próprias despesas e o aluguel da sede da empresa, que negociou pela metade do valor, fez um empréstimo. O dinheiro acabou em novembro.
– Agora, não tenho valor nenhum. As vezes, faço bico de frete, para manter a família... Tenho dois filhos – lamenta.
O veículo que usava para transportar os cenários, passou a carregar pequenas mudanças. O serviço, ele conseguiu com um amigo que atua no ramo e passou para ele as cargas menores.
– Conseguia me defender um pouco. Só que, agora, o serviço parou para ele (amigo) também. Dava para pagar uma conta de luz atrasada, uma conta de água atrasada. Tenho financiamento da casa ainda – conta.
A mulher dele também estava sem emprego desde abril. No final de janeiro, ela conseguiu trabalho em uma escolinha, mas temporário. Recentemente, Flaviano colocou o carro de passeio da família à venda. Na última terça-feira conseguiu uma mudança de Caxias para Bagé e mandou fotos à reportagem.
– Tem casamentos que tem duas datas agendadas, uma para o meio do ano, outra para o final... E tem uns que nem cogitam. Talvez, vá ser só para o ano que vem. E vamos fazer o quê até lá? – questiona.
Negócio da família ganhou reforço
Com a parada do setor de eventos, a cerimonialista Marcele Pulita encontrou, "dentro de casa", a possibilidade de continuar trabalhando. Ela passou a ajudar o marido no bar e restaurante da família, o Bar do Luizinho, no bairro Santa Lúcia. No início, ele também enfrentou as restrições impostas pelo poder público, que permitia apenas venda por meio de tele-entrega. Como o ponto forte do negócio era o funcionamento do bar, à noite, o faturamento despencou cerca de 80%. Aos poucos, a abertura dos restaurantes foi permitida e a situação melhorou.
– Ajudava ele nos almoços e fomos vivendo assim, com apoio das famílias e os almoços do bar. Agora, que foi liberada a música ao vivo, isso também dá um gás. Nem perto do que precisamos, mas de poder retomar devagar. Mesmo que termine cedo, enxergamos uma luz no fim do túnel. Por muito tempo, não enxergamos. É desesperador. Para nós (dos eventos) foi muito difícil e continua sendo. Praticamente tudo já foi retomado, menos a nossa classe. E acho que vai demorar ainda para podermos nos restabelecer e não sei dizer quanto tempo para nos recuperarmos – relata Marcele.
De pronto, com o início da pandemia, 10 dos 14 eventos que Marcele tinha previsto para 2020 foram cancelados. Nos outros quatro, os clientes remarcaram, mas, ao chegar próximo das novas datas, dois desistiram porque a situação continuava grave. Ela comenta que os clientes temem o contágio.
Ao completar um ano desde o último evento, a cerimonialista aposta na vacinação para retomar as festas. Os dois casamentos que ainda estão nos projetos estão previstos para ocorrerem novembro e dezembro deste ano.
– Tínhamos uma expectativa de que no final do ano as coisas iriam melhorar, mas não aconteceu. Agora, minha expectativa é para o segundo semestre. Acho que esses sonhos precisam acontecer. Acabamos convivendo com as famílias, acompanhando o desejo delas de viver aquele momento. Acho que as pessoas não têm que deixar de realizar. Particularmente, estou muito confiante com a vacina. É a nossa esperança – ponderou.