Integrando a lista de grupos prioritários na vacinação contra a covid-19, a população indígena que vive na Serra gaúcha está recebendo a imunização. No final da manhã desta segunda-feira (25), equipes da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) estiveram na comunidade Kaigang para aplicação de 40 doses da CoronaVac — provenientes do primeiro lote destinado ao município com total de 700 doses. Além do grupo de Farroupilha, na região, a Sesai também já atuou na imunização de três indígenas de Canela e se prepara para vacinar cerca de 90 que vivem acampados em Bento Gonçalves nesta sexta-feira (29).
A aldeia de Farroupilha fica no bairro Vicenza e contabiliza hoje 112 moradores. A ação ocorreu em um centro de convivência aberto, para evitar riscos de contágio, e teve início por volta das 11h30min. Um total de 80 doses foram reservadas para o grupo e a expectativa era de vacinar aproximadamente 70 moradores. De acordo com a Sesai, não recebem as doses menores de 18 anos e pessoas que apresentem sintomas da covid-19. Uma triagem individual também observou outras especifidades determinantes para a aplicação, como a situação de gestantes e lactantes.
Cacique foi o primeiro vacinado
Alexsander Ribeiro, 30 anos, cacique da comunidade, foi o primeiro a ser imunizado. Para ele, a primeira dose recebida nesta segunda-feira representa uma esperança de dias melhores a toda comunidade.
— A gente vive praticamente só de artesanato e não estamos podendo sair desde que começou a pandemia. Hoje, com a oportunidade de tomar a vacina, a esperança é de que nossa vida comece a normalizar, começando pela convivência aqui da comunidade, que também acabou ficando mais restrita. Podemos voltar a planejar coisas para a comunidade e para a família também — afirma o líder.
Segundo ele, com as atuais restrições de locomoção, a principal renda dos moradores têm sido do serviço prestado durante a vindima, em plantações próximas da aldeia. Ao longo de todo o período, as famílias também têm recebido cestas básicas fornecidas pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
População ainda tem receio
A aplicação da primeira dose no cacique não foi apenas uma forma dele usufruir da posição de liderança que ocupa na comunidade, mas também faz parte da mobilização de conscientização realizada por ele para que todas as pessoas aptas a serem imunizadas aderissem à vacinação, algo que representa mais proteção à toda aldeia.
— Alguns moradores mais idosos têm mais receio, mas eles vão acabar fazendo também — afirmou o cacique, pouco antes da chegada das equipes à localidade.
Mery Terezinha Farias, 48, foi uma das primeiras a se posicionar para aguardar a imunização. Natural de Charrua, ela vive na aldeia de Farroupilha há 15 anos e também resolveu aderir à imunização como forma de motivar os demais moradores.
— Eu também fico com um certo receio e meus filhos disseram para eu ser vacinada antes para ver se algo vai acontecer. Uma das minhas filhas até já teve covid-19 mas eu não peguei. Estamos passando bastante dificuldade e temos que nos preservar em nome de toda comunidade — afirma a moradora, que é hipertensa e vive junto de um dos filhos, de sete anos, e do marido, que tem 58.
Atendimento especializado atua para superar a desconfiança
De Porto Alegre para Farroupilha, deslocaram-se uma médica, um técnica de enfermagem, uma psicóloga e um profissional do setor de saneamento. O acompanhamento multidisciplinar do Sesai é parte da rotina da aldeia, que também ocorre no momento da imunização contra o coronavírus.
— Somos responsáveis pela atenção básica em saúde prestada a esta população que tem necessidades específicas, em função da sua cultura, modo de vida e organização — explica a psicóloga da equipe, Sabrina Della Vechia Scarabelot.
Ela conta que uma das principais barreiras para a imunização nas aldeias têm sido a desconfiança em relação à segurança da vacina.
— Trabalhamos muito com a escuta, porque nosso papel enquanto atendimento diferenciado em atenção básica é o de entender os motivos para esta desconfiança, assim como de outras dificuldades que possam estar enfrentando. A vacinação, portanto, não é apenas o ato de aplicar. É uma doença de fora, tudo muito novo ainda, mas os povos estão aderindo porque viram muitos familiares morrerem nessa pandemia — afirma a psicóloga.