"Se você pudesse pedir só um alimento para a ceia de Natal, o que você gostaria de comer?" Foi essa a pergunta que crianças carentes de Caxias do Sul tiveram que responder em cartinhas para o Papai Noel. A ação faz parte de um projeto solidário desenvolvido pelo Grupo Escoteiro Saint Hilaire, juntamente com a Associação Maria Alice (AMA).
O ano de pandemia não impediu que o voluntariado e a solidariedade com o próximo fossem realizados pelos dois grupos. A funcionária pública e presidente do Saint Hilaire, Denise Bampi, 47 anos, explica que ações com comunidades pobres foram o foco principal neste ano.
— Mesmo a distância, a gente trabalhou a questão de pensar no próximo e de ter solidariedade com os jovens e adultos voluntários. Uma das principais ações foram as marmitas que a gente fez para a comunidade do Euzébio Beltrão de Queiroz. Desde o início da pandemia, servimos mais de 10 mil marmitas e milhares de cestas. Essa ação fez com que a gente conhecesse muitas outras necessidades e regiões. Um deles foi o projeto AMA, em que a idealizadora perdeu a filha e começou a fazer projetos com a comunidade para ajudar crianças — descreve Denise.
A ideia do alimento para a ceia de Natal surgiu após Denise e Jessica da Silva Zarnott, 28, idealizadora da AMA, conversarem sobre o planejamento de uma atividade para a data, visto que não daria para ser presencial por causa da pandemia.
— Ela comentou que gostaria de fazer uma ceia de Natal para as crianças. Ponderamos que se fôssemos fazer ceia de Natal ia ser para duas ou três crianças por causa do custo. Mas a gente podia pedir para elas um alimento que gostariam de comer na ceia — explica Denise.
Jessica conta que a AMA, com a parceria do grupo de escoteiros, poderá realizar os pedidos de crianças dos bairros Reolon, Mariani, Beltrão de Queiroz, além da meninada atendida na Escolinha de Jesus, no Centro de Auxílio às Pessoas com Câncer (CAPC) e na Associação de Amparo à Criança e ao Adolescente com Câncer da Serra Gaúcha (Domus).
— O objetivo maior dessa ação é que na noite de Natal essas crianças tenham uma ceia. Até porque muitas delas não sabem o que é uma ceia. A gente perguntava o que era uma ceia e elas não sabiam explicar porque nunca tiveram. O objetivo é que essas crianças possam sentar em uma mesa e olhar que tem alguma coisa que elas escolheram e gostam de comer. E não o que elas vivem no dia a dia, em que precisam comer o que tem. Isso não tem preço — relata Jéssica.
Para uma das lideranças do Beltrão de Queiroz e voluntária por anos na comunidade, Isabel Cristina Borges, 48, o projeto é uma novidade para as crianças, que estão acostumadas a escreverem cartinhas pedindo roupas ou brinquedos.
— As crianças receberam muito bem, elas estão super felizes. É muito emocionante ler todas as cartinhas, com pedidos dos mais inusitados aos mais simples possíveis. Todos voltados para a família, não só para eles mesmos. Alimentos que eles pudessem dividir. Até me perguntavam se, caso eles pedissem uma torta, ela era grande e se dava para a mãe pôr na mesa e todo mundo dividir — conta Isabel.
Isabel, que assim como os outros voluntários engajados na ação, leu as cartinhas escritas pelas crianças e revela qual foi a que mais lhe tocou.
— Foi uma em que a criança, com toda a humildade e aquele jeitinho maravilhoso de criança, pediu um churrasco de galinha. Me deixou bem emocionada porque a humildade e o carinho dessas crianças é maravilhoso. A espera deles perguntando para mim quando vão vir (os pedidos) e a felicidade quando eles vinham me trazer uma cartinha e perguntavam se o irmão ou o primo podiam participar também.
As entregas dos alimentos para as crianças já iniciaram na semana passada e seguem pelos próximos dias. Mediante a boa ajuda de doações pela comunidade, além do alimento solicitado, a criançada vai ganhar cestas básicas e também brinquedos.
Um pedido inusitado
Os alimentos solicitados pelas crianças nas cartinhas são bem variados. De torta a pizza. Desde chocolates até peru. Dentre os pedidos, um chamou a atenção dos voluntários. Foi o do pequeno Pedro Henrique Portel Rambo, sete.
Morador do bairro Planalto, ele é atendido pela Domus depois da família descobrir que ele tem leucemia linfoide aguda (LLA) do tipo B, em julho do ano passado. A mãe de Pedro, a dona de casa Bruna Portel Barbosa, 29, diz que, por causa das quimioterapias, o menino começou a ficar enjoado para comer e passou a gostar da comida que pediu na cartinha.
— Era uma tristeza fazer ele comer. Daí ele começou a comer sopinha. E era sempre a mesma coisa, de meio-dia, de tarde e de noite comia canjinha. Para dar uma variadinha, fiz para ele a sopa de agnoline e ele amou. Pensei que ele fosse enjoar, mas não. Então, quando a Domus pediu para escrever a cartinha, eu falei: “o que você quer comer na noite de Natal?” E o Pedro logo disse: “sopa de agnoline” — narra.
A mãe de Pedro até tentou convencê-lo de pedir outro alimento para o Bom Velhinho, mas não teve sucesso na tentativa. Depois de enviar a cartinha, Bruna até estava desacreditada de que o pedido do filho fosse atendido com a sopa.
— Pensei que elas não fossem fazer e, quando vi, chega a Denise e o Papai Noel com aquela bacia de sopa de agnoline. Nossa! Ele ficou muito faceiro e, depois que eles foram embora, ele já comeu. Não deu para esperar até o Natal — confidencia Bruna.
Claro que Pedro também precisava dar o seu depoimento sobre a comida que recebeu.
— A Mamãe Noel cozinha muito bem, nunca comi uma sopa tão gostosa em toda a minha vida — exclama o garoto, maravilhado.
Apesar da pandemia, 2020 foi um ano para ser comemorado mediante a boa evolução no tratamento de Pedro. Segundo a mãe, ele segue com procedimentos em casa e comparecendo ao hospital quinzenalmente para realizar exames.
— Quando começou a pandemia, ele entrou na manutenção, que é a remissão (fase em que as taxas sanguíneas estão dentro dos limites normais e não existem sinais ou sintomas da doença). Ele faz tratamento ainda, de casa, mas a gente já passou pela pior fase. Não é a cura ainda, mas graças a Deus ele está bem — complementa Bruna.