No início da pandemia, algumas previsões indicavam que já estaríamos livres desse mal antes mesmo do ano acabar. Pois, com o perdão do clichê, então é Natal e até a chegada do Papai Noel está tendo de ser repensada. Entre as tantas mudanças trazidas por um avassalador 2020, está a convivência com a ameaça do vírus que, vale ressaltar, ainda circula por aí, paralela à sensação de esperança, que costuma se manifestar ainda mais em datas como o Natal. Não é surpresa que um dos pedidos mais requisitados ao Bom Velhinho seja, claro, uma vacina:
— 90% (das crianças) pedem que acabe o vírus, que a gente volte à vida normal de novo — diz Jaime Sebold Junior, 53, atuante como Papai Noel desde 2012.
Funcionário público no Departamento de Trânsito e Mobilidade Urbana de Nova Hartz, Jaime é o profissional por trás dos atendimentos virtuais no Shopping Villagio Caxias neste ano. Para ele, a tecnologia diminui o calor do contato das crianças, mas, por outro lado, permite usar a imaginação e multiplicar a presença do personagem: Jaime também faz aparições holográficas em shoppings de Tubarão e Chapecó, em Santa Catarina, na capital de São Paulo e em outros três municípios paulistas.
— Nunca fiz esse trabalho dessa maneira. É bem diferente. O nosso povo é muito caloroso, quer aquele abraço, chegar perto, tocar, pegar na barba pra ver se é de verdade. Agora, do outro lado da tela, as crianças perguntam "por que tu não tá aqui?", dizem "queria sentar no teu colo"... Imagina como é pra mim. É difícil nesse sentido — relata o profissional.
Por meio de um totem com imagem e som instalado no shopping, as famílias encontram o Papai Noel que, para não estragar a magia da gurizada, diz que fala lá do Polo Norte. Os encontros ocorrem até dia 24 de dezembro e podem ser agendados via aplicativo. Apesar da vontade de estar mais perto, as crianças com quem Jaime conversa estão aceitando bem o atendimento por estarem acostumadas às plataformas digitais, segundo ele. Mas nem só os pequenos estranham o novo formato da interação:
— Todo mundo foca muito na criança, mas esquece do adulto e do idoso que voltam a ser criança. Os adultos estão mais indignados que as crianças. Tu não vive o Natal só na infância, tu vive o Natal a vida inteira — afirma.
Para driblar o distanciamento, a saída é o humor. Nas interações com Jaime, Valentinas viram Polentinas e Luizas são confundidas com Heloísa, Magazine Luiza e até Tia Marisa. Além dos trocadilhos, o intérprete faz piada com os pais. Quando encontra crianças malcriadas, pergunta com bom humor: "mas isso não é genético e hereditário?"
— A gente leva pra esse lado pra compensar a falta do abraço. Isso dá muito certo, as pessoas às vezes chegam aqui tristes e saem dando risada — comenta.
Até o trenó segue normas de segurança
Mesmo em 2020, o espírito natalino não morre. É o que enxerga Edson Lazzaretti, 52 anos, que trabalha como Papai Noel desde 2014. No domingo (20), ele vai percorrer os bairros Esplanada, Reolon e Mariani, em Caxias do Sul, a bordo de um trenó filantrópico. O tradicional aceno vai ter que ser um pouco mais de longe neste ano, mas vai ter entrega de presentes e de balas, devidamente embaladas em saquinhos individuais.
Gerente de uma empresa e dono de uma clínica, Edson foi o Papai Noel no Natal do Magnabosco no ano passado e, neste ano, está trabalhando em Gramado, substituindo um dos atores que faz parte do grupo de risco da covid-19. Durante o Natal Luz, conversa com as crianças de dentro de uma casa; elas ficam do lado de fora, separadas dele por um vidro. Edson também sai de trenó com a trupe de Natal, passeando pela Avenida Borges de Medeiros. Funcionários acompanham o percurso, garantindo que não haverá contato com o público. É uma missão que exige cuidados por parte de todos, como lembra o ator:
— As crianças não entendem que não pode ter a aproximação. Para algumas famílias, é comum não ter máscara e nem álcool gel. Será que todos se cuidam? Não é paranoia, é um cuidado, não só comigo, mas com minha família. As crianças, às vezes, querem só um abraço, mas tu não pode dar nessa pandemia.
Nesta sexta-feira (18), Edson também participou de uma ação voltada àqueles que passam a data em hospitais. A Unimed realiza videochamadas para que crianças e adultos internados possam compartilhar seus pedidos com o Bom Velhinho.
— Ser Papai Noel não é simplesmente botar uma roupa vermelha e deixar a barba branca. É uma magia por trás. O Natal é uma data em que me parece que o coração das pessoas se abre, se torna mais vulnerável. Tudo acontece nessa época — acredita Edson.
Preocupação é maior para quem está no grupo de risco
Para o metalúrgico aposentado Rubens Rodrigues, a pandemia representa não apenas a perda de oportunidades de trabalho. Aos 68 anos, o intérprete de Papai Noel há três décadas divide com muitos outros colegas da categoria um medo ainda maior do contágio por covid-19, em razão de estarem no grupo de risco da doença. Em 2010, ele se tornou o Papai Noel do Bourbon Shopping San Pellegrino e saiu em 2018, quando o local foi comprado pelo Grupo Zaffari. De lá pra cá, realizou alguns eventos e aparições em véspera de Natal nas casas, trabalhando, inclusive, em hospitais com os Médicos do Sorriso. Neste ano, por razões óbvias, os encontros com pacientes foram suspensos.
— A pandemia não é só pra nós, é pra todos. Pegou toda a humanidade de surpresa. Em novembro e dezembro, não fiz (evento em) nenhuma empresa. Cinquenta Papais Noéis que fazem o encontro anual na Aldeia do Papai Noel, em Gramado e, neste ano, também foi cancelado. Eu creio que a maioria dos shoppings não contratou profissionais. Não adianta a gente ser contratado, ficar dentro de uma redoma e não poder dar um abraço numa criança. Elas não vão se contentar com um tchauzinho e uma foto de longe, por isso os próprios shoppings não estão contratando.
Segundo uma pesquisa da Associação Brasileira de Shoppings Centers (Abrasce), 43% dos associados pretendiam promover o encontro com o Papai Noel de forma virtual. Outros 14% dos shoppings planejavam um intérprete isolado do público ou um boneco dele e 19% não pensavam em contratar profissionais.
Rubens também vai estrear os atendimentos virtuais neste Natal. Com uma videochamada marcada para o dia 23, ele espera agradar as pessoinhas do outro lado da tela. Se depender do carisma, a conversa vai ser boa. Ao final desta entrevista, encerrou a ligação desejando um Feliz Natal, com direito a ho ho ho, para a alegria da repórter, e o desejo de muita saúde para 2021.
Que assim seja, Papai Noel.