A outra ponta do projeto Acolher, em Vacaria, é estruturar uma casa de passagem para receber mulheres ameaçadas por maridos e namorados agressivos. O endereço funciona desde dezembro de 2017, de forma provisória, e não é revelado por razões de segurança. Atualmente, as vítimas recebem atendimento com doações da comunidade. Há um projeto orçado em R$ 296 mil para adquirir o mobiliário e prestar o atendimento pleno. O serviço representa um grande avanço, uma vez que a Vacaria não tinha uma referência para acolher e esconder mulheres que corriam risco de assassinato, caso de Marisa dos Santos Maciel citada na primeira parte desta reportagem.
— Não havia para onde mandar as mulheres. O que acontecia? Elas retornavam para casa onde estava o agressor que elas haviam denunciado. Foi o caso da Marisa, que acabou sendo dispensada na delegacia onde registrou a ocorrência porque não havia essa alternativa — lembra a promotora Bianca de Araújo.
Com proposta diferente, a outra casa de acolhimento atende na Rua Ramiro Barcelos. O espaço coordenado pela Cáritas atende a mulheres e homens encaminhados pela promotoria com ações de assistência social, terapia familiar, saúde alternativa, visando oficinas de estudos, reflexão e artesanato.
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Articulação na prática
A aproximação entre os diferentes setores que lidam com a violência doméstica é outra correção de rumo em Vacaria. O MP conseguiu estabelecer diálogo mais direto entre a Delegacia da Mulher, a Patrulha Maria da Penha e a Coordenadoria da Mulher, entre outros serviços voltados às vítimas da violência. Os integrantes perceberam que trocar informações com menos solenidade e com maior rapidez pelo WhatsApp traz resultados mais práticos do que simplesmente esperar pelo envio de ofícios.
— No próprio grupo do WhatsApp, já ficamos sabendo se algo grave está acontecendo e quais encaminhamentos serão dados. Não havia esse diálogo, era mais burocrático. Agora, em 10 ou 15 dias a vítima já estará sendo ouvida no MP — aponta a promotora.
Bianca cita o caso de uma mãe que foi parar no hospital por espancamento, há cerca de dois meses. Descobriu-se que o filho dela esperava há anos por uma cirurgia. Hoje, o menino já está operado e a mulher conseguiu tirar os bens de casa. O autor da surra ficou preso 45 dias e está sendo processado.
Foi ao traçar o perfil da mulher agredida que os integrantes do Acolher bateram de frente com a barreira do silêncio em torno da violência doméstica, o que não seria anormal para uma sociedade nitidamente estruturada no patriarcalismo.
— Sabia que toda vez que ia tocar no assunto alguém estaria pensando "lá vem a chata falar de novo sobre mulheres". Mas, a partir do momento que você vai numa escola e crianças falam sobre o tema, percebe que está quebrando essa visão — diz Bianca.
A opinião é compartilhada pela presidente do Conselho dos Direitos da Mulher, Maria Gil:
— Falo pelo Conselho, que existia, mas não estava presente ou se mantinha articulado. Houve um despertar para essa união na cidade, estamos evoluindo.
Rosângela Ramos Graciano, coordenadora do Centro de Referência de Atendimento à Mulher, serviço mantido pelo município, vê uma maior ligação entre os serviços:
— As vítimas também estão falando mais, estão perdendo o medo de denunciar.
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