Gisela Feiten, 42, está fazendo os preparativos finais para uma nova fase da vida. Em 2018, ela e a família trocarão o Brasil por Portugal. Entre os trâmites para viagem, estão diversas idas ao banco, para evitar contratempos no exterior. O processo, já normalmente exaustivo, teve um complicador para a professora: ela é cadeirante e teve sua entrada dificultada na agência na qual é cliente por não ter como comprovar, com documentos, que tem deficiência.
Gisela tem esclerose múltipla e usa a cadeira de rodas para se deslocar há pelo menos dois anos. Ela foi impedida de entrar na agência do Banco do Brasil do bairro São Pelegrino, em Caxias do Sul, em pelo menos três ocasiões. No caso, a entrada para esse tipo de público ocorre por uma portal lateral, pois não há como usar a porta giratória devido ao espaço reduzido.
— Eu sou cliente há vários anos. Agora deu de me pedirem um comprovante, uma identificação que diz que eu sou deficiente. Eu não tenho nada disso — relata.
Gisela diz que teve que ficar mais de uma hora esperando até que funcionários do banco conferissem seus documentos. A professora diz que fica constrangida por não poder acessar o serviço.
— Eles veem a minha identidade e o meu cartão (do banco). Não vejo a necessidade, não consigo mais passar por isso. Estão excluindo um cliente pela dificuldade de locomoção — lamenta.
O marido de Gisela, o empresário Valmir Feiten, 48, conta que a esposa chegou a sair do banco chorando em uma das ocasiões, após mais de uma hora de espera.
— Eu até fui até o carro pegar o documento de estacionamento (que possibilita o uso de vagas para pessoas com deficiência), mas não aceitaram. Ela saiu muito frustrada — lembra.
O caso vem à tona justamente durante a Semana da Acessibilidade, com o tema "Diferentes Vidas, Direitos Iguais!". A pedido do Pioneiro, Gisela e Valmir voltaram à agência na tarde de sexta-feira. Na ocasião, não foram impedidos de entrar: tiveram suas solicitações atendidas ainda no guichê de entrada. Antes de um dos funcionários atender o casal, porém, passaram-se pelo menos 20 minutos de indefinição.
Gisela, que havia solicitado a entrada na agência, esperava autorização da gerente para que uma porta normal, ao lado da porta giratória, fosse aberta, o que não aconteceu. Conforme Valmir, a locomoção com a esposa pela cidade já virou uma sequência de dificuldades.
— Eu não imaginava que era difícil assim. É só na pele para sentir, é calçada irregular, elevador que é pequeno demais... As vagas de estacionamento, o pessoal que não é deficiente ocupa e fala que "é só por cinco minutos". É isso que deixa sempre ocupada — enumera.
Medida de segurança
A gerente de relacionamento da agência, Ceide Mascarello, confirma que é necessário um comprovante da deficiências para que cadeirantes acessem o local.
— São normas que o banco obedece, que regem as instituições financeiras. Isso vem da Polícia Federal e do Banco Central — defende.
Ceide não soube, porém, especificar quais são as normas e nem qual é o documento que identifica as pessoas com deficiência. Ela diz, apenas, que a autorização para a utilização de vaga especial de estacionamento é considerado válido.
— Isso vai de cada município, ou no SUS mesmo. Quem tem marca-passo, por exemplo, faz um comprovante para poder entrar no banco. Já tivemos aqui em Caxias casos de assaltos em que usaram um falso cadeirante. É questão de segurança — diz.
A gerente afirma que a medida vale para todos os bancos. Gisela, no entanto, diz que não passou por situação semelhante em outras instituições. O Pioneiro acompanhou a professora até outra agência do Banco do Brasil, no Centro, onde ela entrou normalmente pela porta lateral.
O titular da Coordenadoria da Acessibilidade da prefeitura de Caxias diz que a medida da agência é ilegal.
— Qualquer pessoa com deficiência ou idoso tem prioridade e (os bancos) devem abrir a porta especial. Se o cadeirante está se aproximando, o guarda tem que abrir essa porta. Tem legislação que garante à pessoa com deficiência a locomoção com autonomia — explica Tibiriçá Maineri.
O direito é garantido pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.
O presidente do Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência, Ivan Froes, corrobora a opinião de Maineri. De acordo com Froes, o argumento da segurança não sustenta a medida da agência.
— Não justifica. Primeiro, não há documento que diga se a pessoa tem deficiência ou não. Segundo, essas normas de segurança são internas. Existem vários critérios para que o agente de segurança do banco verifique se a pessoa oferece algum risco para si ou para outros. E isso sem tocar na pessoa, eles são formados para isso, inclusive conversarmos com as empresas do ramo sobre isso — reforça.
Denúncias sobre a violação dos direitos da pessoa com deficiência podem ser encaminhadas à Coordenadoria da Acessibilidade por meio do Alô Caxias, no telefone 156, ou no Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência, pelo telefone (54) 3215-4320. Caso a irregularidade seja confirmada, as entidades encaminham o caso ao Ministério Público.