Não houve tempo para ressaca em São Francisco de Paula, na serra gaúcha. Um dia após cinco bairros do município serem destruídos por furioso vendaval, que causou uma morte e deixou 1,6 mil desabrigados, a segunda-feira amanheceu ensolarada. O céu azul contrasta com a nuvem negra em forma de funil que varreu casas e prédios na manhã de domingo. O clima está facilitando o trabalho de centenas de policiais, técnicos em rede elétrica, servidores de limpeza e voluntários que estão nas ruas para consertar os estragos e recolocar a vida nos eixos.
Principal alvo da intempérie, o bairro Santa Isabel recebe um mutirão. Centenas de pessoas estão em cima dos telhados fazendo consertos. Tamanha a quantidade de caminhões, tratores e lixo nas ruas, a circulação está prejudicada. Ruas foram bloqueadas para evitar o trânsito de curiosos. Com apoio de 14 municípios, os bombeiros estão com efetivo de 106 homens em São Francisco de Paula. Houve reforço de três caminhões com guincho para remoções pesadas que vieram de Passo Fundo, Bento Gonçalves e São Leopoldo.
– Estamos auxiliando na reconstrução e a prioridade é a identificação de postes e árvores que ainda podem cair. Estamos fazendo limpeza em áreas de difícil acesso e vamos ficar até quando for necessário – explicou Maurício Ferro, comandante de Operações do Corpo de Bombeiros.
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A prefeitura subiu de 270 para 400 a estimativa de casas destelhadas ou destruídas.
– Só nas residências, o prejuízo deve ficar em R$ 12 milhões. Isso sem contar a destruição do ginásio e os danos na escola do bairro Santa Isabel – relatou o prefeito Marcos Aguzzoli.
Nesta segunda-feira, ao meio-dia, ele fechava detalhes de um decreto de emergência que servirá como alternativa para a busca por recursos federais. Enquanto as autoridades atuam no bunker montado no centro da cidade, junto ao ginásio poliesportivo convertido em abrigo, as famílias se viravam nos bairros atingidos.
No Santa Isabel, o desempregado Michel Pereira de Mores, 27 anos, manuseava um pé de cabra na manhã desta segunda-feira para desmanchar o que restou da sua humilde casa de madeira. A moradia era elevada em relação ao solo em cerca de 40 centímetros, escorada por colunas de pedra. A brutalidade do vento fez a casa voar mais de um metro para a frente.
– Deu para sentir a casa em movimento e as coisas caindo em cima de nós – conta Moraes, que vive com a esposa e dois filhos. Todos eles estão provisoriamente na casa de um familiar. Ele acredita que, ao final do desmanche, pouca coisa poderá ser reaproveitada. – Não tenho dinheiro para reconstruir – lamenta.
Com a retomada em São Francisco de Paula, os materiais de construção passam a ser itens cada vez mais importantes. Famílias pobres perderam tudo e, agora, as doações de tábuas, tijolos e telhas serão fundamentais. A prefeitura está cadastrando pessoas que tiveram casas danificadas para, depois, fazer a entrega de insumos para as reedificações. Itens de higiene e alimentos também são bem-vindos, mas as doações de roupas não são mais necessárias.
No fundo do bairro Santa Isabel, em uma área com menos habitações e mais próxima do campo aberto, cerca de 30 pinheiros e araucárias tiveram as copas arrancadas. Os troncos quebraram ao meio. Um colchão parou no alto de uma árvore que resistiu e, logo atrás, uma das únicas paredes que restaram de uma casa de alvenaria expõe uma pintura do Homem Aranha, revelando o que já foi o quarto de um menino hoje desabrigado.
Douglas Schwaab Padilha, 10 anos, estava escorado na grade da casa do vizinho olhando fixamente para a residência da sua família. A parte frontal da casa de madeira azul caiu por inteiro, deixando os cômodos à vista. As paredes que sobraram estão inclinadas e o telhado não existe mais. Eles conseguiram salvar móveis e eletrodomésticos. Nos entulhos, apenas pertences esquecidos como um vidro de cebola em conserva e um quadro com a inscrição "Nesta casa reina a vontade de Deus". No antigo quarto de Douglas, ficou somente um adesivo fixado na janela: "São Chico é Grêmio". O pai de Douglas já estava trabalhando na roça na manhã desta segunda-feira, enquanto a mãe, que sofreu um ferimento na cabeça, descansava na casa de um parente.
– Estamos felizes porque muita gente está trabalhando. No domingo, depois das 22h, tinha gente aqui entregando água e quentinha. Estamos sendo bem atendidos – conta Geraldo Ribeiro, 72 anos, o vizinho que estava ali para dar apoio ao menino Douglas.
Do pátio de Ribeiro, podem ser avistadas duas casas próximas e a Igreja Sagrado Coração de Jesus, das quais não sobrou nada. Na via principal do Santa Isabel, a Rua Benjamin Constant, é intenso o trabalho de substituição de postes e troca de fiação da rede elétrica. Tratores e caminhões da prefeitura recolhem entulhos. Galhos e toras de árvores são levados a um local para serem reaproveitados, enquanto os entulhos sem chance de reutilização são carregados a outro destino. Há muito lixo nas ruas para ser removido.
– Em 2003, tivemos um caso semelhante que demoliu tudo. Mas agora foi mais forte. Estamos com dificuldade porque não consigo acessar as ruas mais estreitas – disse Veni de Brito, 59 anos, do alto de um trator do município.
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