Desde que a empresa Agropecuária Serra Verde passou a reivindicar a propriedade de 80 lotes no loteamento Cidade Industrial, em Caxias do Sul, dezenas de moradores estão se mobilizando para não perder casas ou terrenos. Nesta terça-feira, cerca de 40 pessoas tentaram esclarecer dúvidas e prestar informações em uma audiência no Ministério Público (MP). O promotor de Justiça Ádrio Gelatti reúne documentação para entender a origem e a legalidade da disputa.
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A agropecuária garante ser dona de uma área equivalente a quatro campos de futebol, que teria sido negociada por terceiros sem o aval dos donos da empresa no final dos anos 1980. Muitas famílias garantem que já pagaram pela propriedade.
Além da investigação a cargo do MP, o advogado Rodrigo Wisintainer Balen estuda uma ação para proteger o interesse de oito famílias que lhe procuraram. Conforme o advogado, os documentos analisados mostram que os moradores são possuidores e não proprietários dos seus imóveis, o que exige a regularização fundiária dos lotes.
Contudo, segundo ele, a matrícula principal da área tem 55 páginas e diversas transferências ao longo dos anos. Na sua avaliação, não há documento que embase o direito da agropecuária em reivindicar ou vender novamente os terrenos em disputa.
- Asseguro que nenhum morador será tirado de lá, são terceiros de boa fé, vi contratos, estavam lá sem oposição de ninguém e de uma hora para outra a empresa apareceu. São duas discussões: a primeira é a ação da empresa contra a outra empresa que vendeu os terrenos, mas não nos interessa. A outra é a relação dos moradores com seu imóvel, a posse já se justifica, eles têm essa sensação, tem documentação - comenta Balen.
A advogada Alexandra Paese, representante da Agropecuária Serra Verde, diz que a ação reivindicando as propriedades tramita desde metade dos anos 1980. Segundo ela, os donos da área foram vítimas de falsificação de documentos. Por essa versão, uma mulher forjou assinaturas dos sócios e alterou o contrato social da agropecuária, concedendo poderes a si mesmo para negociar o pedaço de terra no Cidade Industrial. O suposto golpe envolveu outras pessoas, e virou alvo de ação judicial.
CONTRAPONTO
A reportagem tenta desde a segunda quinzena de outubro conversar com homens e mulheres envolvidos na venda dos terrenos no Cidade Industrial, conforme dados que constam em processos. O nome deles está preservado porque não há informações de que houve condenação por fraude.
ENTENDA
- No final dos anos 1980, uma área verde próxima do Km 72 da Rota do Sol (ERS-122) foi loteada irregularmente. Moradores compraram terrenos com contratos de gaveta. Na mesma época, um processo foi aberto na Justiça de Caxias do Sul questionando a propriedade da área. A disputa envolvia acusações mútuas de fraude. Não ficou claro quem foi o responsável pela venda dos lotes. Alguns moradores dizem que o dono da Agropecuária Serra Verde negociou os terrenos, mas ele sustentou na Justiça que a negociação foi concretizada por uma mulher mediante falsificação de documentos.
- Enquanto a decisão sobre a fraude não saiu, houve a regularização de alguns lotes comprados pelos novos moradores via Justiça, no qual se emitiu o número de matrícula no cartório de imóveis. Contudo, o cartório anotou uma observação nas escrituras de que havia uma matrícula principal, e que uma ação anulatória contra as novas matrículas tramitava na Justiça.
- Apesar disso, as negociações de lotes prosseguiram: muitas famílias compraram terrenos e ignoravam a disputa judicial. O processo transitou em julgado em 2013, e a decisão foi favorável pelo cancelamento das matrículas, tornando, em tese, sem efeito a propriedade dos atuais donos. A Justiça também entendeu que houve falsificação de documentos que facilitaram a venda irregular.
- Neste período, o loteamento Cidade Industrial cresceu no entorno dos lotes irregulares. As famílias construíram casas, abriram comércio e serviços. Agora, a Serra Verde quer os terrenos de volta ou que os moradores paguem novamente pelo pedaço de terra.