Foi no ano de três invernos que eu conheci a neve. Ela caía sutil sobre tudo que se punha entre a terra e o céu. Naquele ano fazia frio lá fora, mas o frio que me assustava estava dentro de mim. Eu estudava em Londres e, a partir daquela data, a minha vida mudaria. Bem, dizem que nas dificuldades é que crescemos. Dizem.
Em pleno inverno de janeiro eu havia chegado no hemisfério norte. Em pleno inverno de julho, eu estava no Brasil para fazer meu trabalho de conclusão. Concluam, pois, se não foi este um ano frio para quem não esperou a primavera florescer para retornar à casa além-mar, topando com um outono e encontrando outro inverno logo ali na esquina do tempo.
Mas voltemos aos tipos de frio. As roupas pesadas me protegiam do primeiro, ao passo que nenhuma largura de banda conseguia me afastar do segundo. Eu falava, comigo, e escrevia, para mim, com receio de aumentar a falta que faziam aqueles que estavam longe.
Como quando os dedos já arroxeados de frio tocam uma superfície quente e sentem dor, e contraem, sentia eu medo de me entregar à saudade de morar pela primeira vez fora de casa, fora de minha cidade natal, fora de meu continente.
O frio conserva, também dizem. Só que eu não o conservei. Apesar do tempo distante, foi voltar para o meu chão para tudo mudar. Eu chorei, ah, como chorei. Mas não de tristeza: era o gelo da solidão que derretia aquecido pelos meus.
Crônicas de inverno
Diogo Sallaberry: o ano de três invernos
Até setembro, aos sábados, jornalistas do Pioneiro contam histórias da sua relação com a estação
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