Por volta do meio-dia, uma das únicas orlas do Litoral Norte a esvaziar é a de Arroio do Sal. É quando a maioria dos veranistas deixa a praia para ir almoçar, mantendo a tradição de fazer as refeições na hora certa e, preferencialmente, em casa. Esse é o jeitão dos gringos da Serra. Sem tirar nem pôr, é o jeitão dos gringos da praia. São eles que ocupam casas, hotéis e pousadas na alta temporada em Arroio do Sal. A prefeitura estima que 80% dos veranistas sejam de Caxias do Sul. O apelido do município não poderia ser outro: gringolândia. O sotaque, as fartas refeições regadas a vinho, o sucesso do sorvete de uva e as bandeiras do Ju e do Caxias exibidas nos telhados deixam claro quem manda ali.
Responda ao quiz e saiba se você conhece bem a Gringolândia
- Os caxienses chegam em Arroio do Sal e bronzeiam só embaixo do braço. É que ficam erguendo a mão para cumprimentar todo mundo, porque todos são de Caxias.
A piada é antiga, mas é repetida até pelo prefeito Luciano Pinto da Silva (PDT). A caxiense Arroio do Sal comandada por Silva é a maior praia do Litoral Norte. São 27 quilômetros de extensão, pontilhados por 57 balneários. Além de Areias Brancas, a praia mais popular, há outros pontos adotados pelos caxienses. Pérola, Rondinha e Figueirinha figuram entre os redutos gringos.
Ainda assim, avançando pela Interpraias, há balneários pequenos, com pouco mais de duas quadras, batizados com termos bastante familiares: praias Rota do Sol, Caxias do Sul, Bom Jesus... Nesses balneários menores, a distância entre guaritas de salva-vidas é maior. Há extensas faixas de areia completamente desprotegidas. Nem quiosques de comes e bebes há. A estrutura dessas prainhas também é precária, com poucos postos de saúde e serviços como farmácias e mercados. No entanto, a tranquilidade anula as dificuldades e une os veranistas.
- Nós nos sentimos em casa. Eu passo um mês em Caxias e o resto do ano aqui - revela o aposentado Realdo Roncada, 68 anos.
Conheça um pouco mais sobre os redutos ainda não tão desbravados da gringolândia, que também inclui Curumim, na vizinha Capão da Canoa.
Ninguém mora em Caxias do Sul
Parece ironia, mas o único balneário desabitado de Arroio do Sal foi batizado de Caxias do Sul. No mapa de Arroio, esse balneário é um traço tímido, quase imperceptível: duas quadras ocupadas por dunas e mato, sem um moradora sequer. Nem o prefeito Luciano Pinto da Silva sabe por que ninguém ergueu morada ali. Nem invasões, comuns em balneários ermos, não chegaram até Caxias do Sul. A prainha é uma ilha isolada em meio à movimentada e badalada gringolândia - e não lembra em nada a cidade que lhe dá nome.
- Só sei que em Caxias do Sul, na Serra, tem uva e muita indústria - comenta a atendente comercial Rejane Borges, 37 anos, natural de Três Cachoeiras, que se bronzeava nas areias da prainha.
Assim como Rejane, os banhistas que frequentam Caxias do Sul são naturais de Três Cachoeiras, Três Forquilhas e Itati. Eles vão até lá pela proximidade. Todos especulam sobre as razões da praia estar deserta de casas. O prefeito faz blague:
- Acho que é uma espécie de vingança dos caxienses. Eles pensam: vou até Arroio do Sal para ficar em Caxias? - diverte-se.
Sossego na Rota do Sol
Na praia Rota do Sol não há buzinas, buracos, trânsito intenso. Também não tem guarita, farmácia, posto de saúde. Em duas quadras de praia, há apenas um mercadinho, uma placa que dá nome ao balneário e algumas famílias veraneando. A minúscula Rota do Sol fica ao Sul de Arroio do Sal, na divisa com Capão da Canoa, a 15 minutos de Curumim. A Interpraias, que liga os balneários de Arroio, está em boas condições.
Diferentemente da praia Caxias do Sul, a Rota do Sol é sim reduto de moradores da Serra. E não é difícil perceber: por volta das 13h, todos já tinham almoçado na casa do casal farroupilhense Ilse Gross, 58 anos, e de Nilso Inacio Gross, 61. Na mesa, queijo e salame. Alguns dormitavam, outros observavam Gross moendo o aipim que trouxera de Farroupilha. O jantar seria polenta com peixe, combinação infalível tanto na Serra como na praia.
- Aqui é tão tranquilo... Dá pra deixar a casa aberta, ir pro mar sem pressa, não tem que viver tão preocupado como lá em Farroupilha. Aqui o jeito é sossegado - gabava-se Ilse.
Enquanto a família aproveitava a tarde quente, o vizinho Nitor Paim Hoffmann, 69 anos, chegava para a roda de conversa. Hoffmann trabalhou a vida toda como soldador na Randon, em Caxias. Distante da rotina de metalúrgico, só quer saber da vida praiana.
- Caxias já é cidade grande. Essa Rota do Sol aqui só me traz alegrias - encerra.
Sociedade Amigos de Caxias do Sul
A Sociedade Amigos de Areias Brancas (Saab) poderia até trocar de sigla: dos atuais 50 sócios, "apenas" 48 são caxienses. São homens com mais de 60 anos, naturais de Caxias e que adquiriram casa na praia há décadas. O grupo assistiu ao surgimento do clube, erguido por moradores de Arroio do Sal há pelo menos meio século, e o fechamento das portas há 24 anos por problemas administrativos. As paredes da sede chegaram a desmoronar, a estrutura ruiu. Sem a Saab, as tardes de carteado e bocha passaram a existir somente na memória dos aposentados de Caxias.
- Nosso clube era referência de esporte e boa convivência. Quando se transformou em boate, os idosos se afastaram e ficamos sem ter espaço aqui. Era triste olhar para as paredes no chão - lembra o líder da turma, Alcides Victorio Mezzomo, 79 anos.
Mas Mezzomo e os amigos decidiram que iriam reconstruir a história da sociedade mais tradicional de Arroio do Sal.
A convite do prefeito, Mezzomo, Natalino Sirena, 69, e Realdo Roncada, 68, localizaram 50 sócios-fundadores para investir no negócio. Gastaram R$ 250 mil para reerguer o prédio, em obra que levou seis meses. A história foi reerguida há 10 anos, e o esforço valeu a pena. Hoje a Saab sedia campeonatos gaúchos de bocha, oferece estrutura para centenas se reunirem e jogar carteado, tem sala para o Clube de Mães. O espaço fica aberto o dia inteiro e a manutenção é por conta, obviamente, dos caxienses. É um exemplo claro do espírito trabalhador do povo da Serra levado ao veraneio.
- Não digo que estávamos entrando em depressão sem a Saab, mas é como se fosse. Agora temos um ao outro, temos ocupação, temos mais uma família - ilustra Mezzomo.