No último capítulo da série sobre o Paradesporto Caxiense, o Pioneiro detalha os exemplos de como o esporte mudou a vida do canoísta Jair Cabral Aguiar e da jovem Bruna Dondé. São 42 anos de diferença entre os dois paratletas. Contudo, ambos têm similaridades, como a força de vontade para vencer. Nas duas histórias, o paradesporto foi o fio condutor para encontrar a felicidade.
Nascida com paralisia cerebral, Bruna , 16 anos, começou no paradesporto aos nove, em 2015. O despertar veio no Ginásio do Enxutão ao acompanhar uma partida de basquete. Um cadeirante foi até a mãe de Bruna e a convidou para participar de um projeto da Universidade de Caxias do Sul (UCS). A partir deste momento, a bola branca da bocha se tornou seu principal alvo. Nenhuma barreira foi capaz de suportar a força da família e a paixão de Bruna pela modalidade.
Em maio deste ano, Bruna conquistou o primeiro lugar no Campeonato Brasileiro de Bocha Paralímpica de jovens, na classe BC2, em Curitiba-PR. Para ela, se não fosse o esporte, estaria em casa vendo a vida passar pela janela. Mas, com a ajuda da família, a jovem decidiu ser protagonista da sua história.
— Eu gosto bastante da bocha. É legal, porque conheço pessoas e também vou para um monte de lugares. Se não, eu ia ficar em casa deitada. Viajar para fora do país é um sonho meu, competir fora. É o que eu mais gosto de fazer — contou Bruna Dondé.
O projeto de Bocha Paralímpica faz parte do programa Paradesporto e Lazer Inclusivo da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer de Caxias do Sul. A iniciativa oferta atividades às pessoas com deficiência (PcDs) desde 2014. Os alunos são atendidos periodicamente, em sala disponibilizada pela Universidade de Caxias do Sul. As aulas são gratuitas e supervisionadas. O treinador de Bruna é Tiago Frank. Para o professor, não será surpresa a jovem estar em uma Paralimpíada no futuro.
— Para chegar na Paralimpíada tem um ciclo, com a Paralimpíada Escolar ou etapas regionais. A Associação Nacional de Desportos para Deficientes (Ande) tem a tutela da bocha no Brasil para montar a seleção da modalidade. A Ande pensa em um processo de renovação e já está de olho na Bruna por ser jovem e mulher, pois há uma carência na bocha feminina. Ela está classificada para a etapa nacional da Paralimpíada Escolar, em novembro. Na etapa regional ficou em primeiro lugar — contou o treinador.
Bruna ainda não participou de um evento internacional. Nos ciclos da vida tudo tem seu tempo. Ela não tem pressa, prefere desfrutar cada jogada. No radar da seleção, o Parapan 2023, em Santiago, no Chile, seria o primeiro passo para começar a carreira internacional.
TORCEDORA NÚMERO 1
Além dos treinos na UCS, Bruna também faz academia, aula de reforço e estuda todas as manhãs na Escola Maria Aracy Trindade Rojas. A agenda cheia é acompanhada por uma grande incentivadora de Bruna. Marilete Menegat Dondé, 53 anos, é mãe, amiga, companheira de treino e torcedora número 1 da filha. Ela descreve como seria a vida da jovem sem o esporte.
— Se a Bruna não saísse para treinar, ficaria só em casa, teria uma vida parada. Com o esporte, evoluiu um monte, começou a viajar, conheceu pessoas, ajudou na parte motora dela e no cognitivo. Agora tem a Paralimpíada escolar, onde se classificam só os dois primeiros de cada categoria — conta Marilete, que destaca o apoio de toda família:
— Acompanho em tudo, o meu marido trabalha, pois não é fácil (risos). Meu esposo treina com ela em casa. O pai só não acompanha no dia a dia porque tem que trabalhar, mas ele vem quando pode, apoia em tudo. Um dos desafios é ter patrocínios, pois a gente tem que tirar dinheiro do bolso para viajar. A gente se vira, até o Tiago (treinador) ajuda. A família ajuda com Pix. É o sonho de toda mãe ver ela evoluindo, e quem sabe chegar em uma seleção — conta a mãe.
"RECLAMAR NÃO ADIANTA"
O espelho de água emoldurado pelo verde da represa do Complexo Dal Bó é o paraíso para Jair Cabral Aguiar, 59 anos. Ele já teve que passar por uma grande provação. Do mar revolto da vida, Aguiar renasceu. Em 2008, ficou 32 dias internado em um hospital. Ele foi picado por uma aranha, teve uma infecção alimentar e contraiu uma bactéria. O cenário era o pior possível. Desenganado, os médicos já tinham sugerido à família dar o prosseguimento aos primeiros procedimentos fúnebres.
— Baixei o hospital e os médicos me desenganaram. Pediram para a família comprar o caixão. Deus me curou, sou um milagre de Deus. Os médicos dizem que foi um milagre. Fiquei muito feliz. Não queria morrer, tinha uma filha na época com 11 anos. Não gostaria de partir sem dar uma estrutura para ela, como pai. Eu sou grato à vida. Tudo para mim é bonito e lindo. O esporte me ajudou bastante, pois tenho uma atividade — disse.
Antes de sair do hospital, Aguiar teve parte da perna direita amputada. Um ano depois de toda tempestade enfrentada, durante um culto da igreja, uma pessoa lhe viu de cadeira de rodas e perguntou se não queria conhecer a canoagem. Desde então, as muletas dividem o tempo com o remo.
— Cheguei muito debilitado, os próprios treinadores tinham que me colocar no colo e levar na água. O esporte para mim é maravilhoso. Além de fazer bem para o corpo físico, a mente, me dá mais expectativa de sonhar. Todo ano tem um campeonato nacional e você encontra pessoas maravilhosas, como campeões mundiais.
Com duas medalhas de ouro no Campeonato Gaúcho deste ano, o paratleta também participou do Brasileiro, em Salvador, na Bahia. Para o canoísta, o esporte é uma luta diária. Há gastos com viagens e hospedagens nos campeonatos fora da cidade. Contudo, reclamar não está no dicionário de Jair.
— Temos que tomar uma atitude e batalhar, isso que me move, o sonho de ganhar medalhas de ouro no Nacional, que ainda não tenho. Ninguém quer sofrer uma enfermidade de perder um braço, a perna ou a visão. Se olharmos para os problemas, vamos parar. O medo impede a pessoa de se levantar e não olhar para a deficiência. Temos que ir para frente. Fé e esperança também devem andar juntos — finalizou.
Ao longo dos quatro capítulos da série especial do Pioneiro sobre o paradesporto caxiense, você leu mais de 3,8 mil palavras, mas uma você não encontrou nas reportagens: 'limitação', pois quem se limita é o próprio ser humano.
PARADESPORTO CAXIENSE
:: 2º CAPÍTULO
Conheça os jovens talentos que podem colocar Caxias do Sul nas Paralimpíadas de Paris
:: 3º CAPÍTULO
Pedido feito há 10 anos e o trabalho para superar as barreiras do paradesporto caxiense
:: 4º CAPÍTULO
Juventude e experiência: o paradesporto sem idade