Aos 28 anos, a jogadora de basquete Damiris Dantas chama a atenção. Não só pelos seus 1m91cm de altura, mas por tudo o que fez em quadra e fora dela, principalmente em 2020. Paulista, de Ferraz de Vasconcelos, a pivô é a única brasileira na WNBA — a principal liga de basquete feminina dos Estados Unidos —, onde viveu uma grande temporada no Minnesota Lynx. Criada em um projeto da ex-jogadora Janeth Arcain, ela teve atuações destacadas, ganhou jogos e vem ganhando cada dia mais voz.
A história de Damiris vai além das quadras. Em um ano tão complicado, a atleta foi marcante também nas causas que defendeu. Personagem atuante na luta contra as desigualdades sociais, especialmente de raça e de gênero, a jogadora é uma bandeira pela valorização e desenvolvimento do basquete feminino. De fato, a pivô, que passou quatro dias em Caxias do Sul visitando amigos e treinando na cidade, tem um papel marcante no esporte nacional.
— Todo mundo se mexe para montar um time masculino, mas ninguém se mexe para montar um time feminino. Tem gente em todos os lugares buscando montar equipes, mas as pessoas fecham a porta quando dizem que é feminino. E isso está muito errado. Se tem grana para montar um masculino, tem que ter uma grana para montar um feminino, que teoricamente custa menos — afirma Damiris, mostrando indignação com a falta de apoio aos times femininos:
— É minha maior revolta e é triste. Até engasgo para falar, porque a gente precisa desse olhar, precisa desse cuidado. Quem trabalha com basquete feminino se encanta, se apaixona. É contagiante. Se tem o masculino, vamos fazer uma forcinha para ter o feminino. Vamos começar na base, tentar jogar um estadual, uma liga, para o basquete feminino voltar a ter aquela visibilidade, voltar a ser grande.
O reconhecimento de Damiris fora do Brasil é enorme. Não só nos Estados Unidos, onde chegou na temporada 2020 nas semifinais da WNBA como titular do Minnesota em sua segunda passagem pela equipe — já atuou também no Atlanta Dream —, mas também em outros países, como Coréia do Sul e Espanha, onde jogou pelo Celta de Vigo, em 2011.
Recentemente, ela foi escolhida umas das personalidades do esporte com menos de 30 anos mais influentes em 2020 pela revista Forbes. Porém, em seu país, o reconhecimento dos feitos da pivô não é condizente com tudo o que ela faz pelo esporte.
— As pessoas não me conhecem. Muita gente nos Estados Unidos ou na Coreia, me falam "Dami, quando você volta para o Brasil, é igual aqui?". E eu falo que não, não é igual. Meu país nem fala muito de mim. Agora, falam um pouco mais, mas as pessoas no Brasil não sabem quem é a Damiris. É triste, porque sou a única brasileira que representa o país nos Estados Unidos, no basquete, e as pessoas falam um pouquinho de mim. Então não me reconhecem. Elas olham para mim e perguntam se eu jogo vôlei, se jogo handebol, mas não perguntam se jogo basquete — lamenta a atleta, explicando que o objetivo não é a sua fama, mas a valorização da modalidade:
— Eu fico chateada. Essa é minha luta, minha causa. Quero que o basquete feminino no Brasil tenha visibilidade. Quero levar o basquete feminino para o mundo inteiro, mas que aqui no Brasil volte a ser valorizado. Não quero a visibilidade para a Damiris, quero para o basquete, para todas as meninas.
Mesmo na principal liga de basquete feminino do mundo, as equiparações entre homens e mulheres ainda são bem distante. Contudo, Damiris viu evoluções nessa temporada:
— Lá (nos Estados Unidos) vem mudando a cada temporada. Esse ano, conseguimos uma mudança de salários, era uma coisa que estávamos buscando. Não é igual ao dos meninos, mas já temos uma evolução. Me considero privilegiada por jogar em uma liga que respeita e cuida das jogadoras.
Seleção e projeto olímpico
Além de seu papel pelos times em que atua, Damiris também é uma das lideranças da seleção feminina. No início de 2020, a equipe nacional não conseguiu a classificação para os Jogos Olímpicos de Tóquio, que seriam realizados no ano passado, mas acabaram transferidos para 2021 por conta da pandemia do coronavírus.
No pré-olímpico, disputado na França, o Brasil encarou as donas da casa, Austrália e Porto Rico. Contra a equipe caribenha, justamente, a derrota que mais doeu para Damiris e que selou o destino brasileiro fora de Tóquio 2020.
—É uma coisa que eu não consegui digerir ainda. Essa não classificação para a Olimpíada. Perder para Porto Rico ainda está engasgado. Mas é a realidade e temos que aceitar. Não estamos nessa, mas já começamos o ciclo para a próxima. O basquete feminino está evoluindo, os jogos que fizemos contra Austrália, França, o que as meninas fizeram no Pan-Americano (o Brasil conquistou o ouro nos Jogos de Lima-PER, em 2019), vemos uma mudança, que está todo mundo evoluindo, jogadoras indo para a Europa. Isso é muito bom, para quando juntar, dar outra liga, outra vivência. Não estamos classificados, isso dói muito. Mas estou feliz porque vejo que o processo está no caminho certo.
Temporada na WNBA
Em sua quarta temporada na WNBA, Damiris assumiu um papel de destaque no Minnesota Lynx em 2020. Com o time de Minneapolis, chegou na semifinal e caiu para o Seatlle Storm, que após se sagraria campeão do torneio. Ela teve médias de 12,9 pontos, seis rebotes, um toco e 26,6 minutos por partida.
— Foi um ano muito bom para o meu desenvolvimento como jogadora, tanto pessoal quanto fora de quadra. Estou feliz com tudo que vem acontecendo na minha carreira. Foi um ano de muitas vitórias e muitos aprendizados. Considero que foi meu melhor ano na WNBA, uma liga em que estou me adaptando ainda — comemora a pivô, que retornou a Minnesota para ser uma das peças principais da equipe:
— Na minha volta, a técnica falou que eu seria titular do time. Estava voltando de uma cirurgia no tornozelo e pensei que ela estava confiando muito em mim, mais do que eu. O primeiro ano que voltei foi muito bom, mas esse foi melhor ainda. O time estava muito bem, poucas pessoas acreditavam a não ser a treinadora (Cheryl Reeve). Chegamos até a semifinal jogando com sete meninas. O time estava bem cansado. Foi sensacional, quase chegamos na decisão. Mas estou muito feliz com meu desempenho e o do time.
De diferente, a bolha sanitária realizada para a realização da reta final da temporada, na Flórida. Diferente do mesmo modelo realizado para o masculino, na Disney, em Orlando, as equipes femininas tiveram mais dificuldades de estrutura em sua sede. Ainda assim, Damiris vê como outro grande aprendizado que 2020 trouxe para ela:
— Foi complicado não ter torcida, estar longe da família. Mesmo que esteja nos Estados Unidos, minha família vai visitar, temos contatos com os amigos e dessa vez não tivemos. Era só a galera do time e do hotel onde morávamos. A alimentação, quando queríamos comer alguma coisa diferente, levava três dias para ter contato com a comida, porque tinha que higienizar. Essa coisa pegou muito. Senti muita saudade de casa. Mas, por outro lado, o time se fechou muito. Fazíamos tudo junto, o tempo inteiro. Foi bom, porque só no olhar a gente estava se entendendo.
Torcedora do Caxias Basquete
Recentemente, Damiris declarou sua torcida para o KTO/Caxias do Sul Basquete no Novo Basquete Brasil (NBB). A relação dela com pessoas que moram na cidade fez com que a jogadora passasse quatro dias na Serra. Mesmo em férias, ela não descansou e realizou alguns treinamentos no Ginásio do Vascão para a manutenção da forma e na preparação para o retorno aos Estados Unidos.
- — Eu vim visitar o Eddy, que joga aqui no Caxias, e a Jenni (Jennifer Sirtoli, ala/pivô caxiense que atua no LSB, do Rio de Janeiro). Jogamos a seleção de base toda juntas, desde a sub-17 até a sub-19, passamos um período muito bom. E agora torço para Caxias. Vim para cá, treinei com o Léo (Gomes, auxiliar do KTO/Caxias Basquete), mas foram só quatro dias — diz Damiris, que além do apoio ao time masculino, espera algo a mais:
— É uma relação de carinho. A cidade me recebeu muito bem e estou torcendo para Caxias no NBB. E torcendo para Caxias montar um feminino também.
Muitas pessoas nem imaginam que Damiris Dantas passou por Caxias do Sul. Outras tantas, a encontraram e nem sabiam da importância dela para o mundo do basquete. O reconhecimento do esporte feminino ainda é uma luta constante de Damiris, mas, além das quadras, a atleta marca seu nome em busca de um mundo mais igual.