Desde setembro, Farroupilha ostenta o título de Capital Nacional da Moda de Inverno, conforme a Lei 14.954, promulgada pelo presidente Lula. A chancela ao setor que produz cerca de 450 mil peças mensais e emprega cerca de três mil pessoas partiu de um pedido formalizado pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico ao deputado federal Bibo Nunes (PL-RS), que apresentou o Projeto de Lei no Congresso, a fim de atender um antigo desejo de reconhecimento do setor malheiro.
- A economia de Farroupilha é bastante diversificada, mas os pólos metal mecânico e têxtil, incluindo malha e confecção, são muito fortes. O objetivo do nosso pedido era o de levar ainda mais longe essa certificação de qualidade que o público da região Sul e Sudeste já conhece, mas que as demais regiões do Brasil ainda não têm como referência - destaca a titular da pasta, Regina Ducati.
De acordo com a secretária, cerca de 1,2 milhão de pessoas vão a Farroupilha anualmente para comprar malhas, principalmente nos dois centros de compras dedicados ao setor. Regina acrescenta que a ideia é iniciar um trabalho mais forte de divulgação do título recém conquistado a partir de janeiro, quando ocorre em Gramado a próxima Fenin, maior encontro da comunidade têxtil e de vestuário da América Latina:
- A cada ano nós temos marcado presença na Fenin com um número maior de empresas locais no nosso estande, chegando a 35 na última edição. A ideia é fazer toda a decoração voltada para divulgar a Capital Nacional da Moda de Inverno, e a partir disso pensar junto com o setor outras ações, que também ajudem a impulsionar o Instagram @farroupilhanamoda. Outra ideia que estamos trabalhando é fazer, em março, mês que concentra a maior parte dos lançamentos pelas malharias, a Semana da Moda de Inverno.
Entre as empresas, o reconhecimento é motivo de orgulho e um combustível extra diante de um cenário cada vez mais desafiador, por razões como a disputa com o mercado chinês e a mudança climática, que tem feito diminuir os meses de frio e a procura por peças de roupa mais grossas. A resiliência, contudo, é uma razões que ajudam a explicar como, mesmo diante das adversidades, uma gigante local como a Biamar investiu pesado para triplicar o espaço em que recebe os clientes. Inaugurada em 2022, a sede de 22 mil metros quadrados comporta tanto a fábrica quanto a loja, que atende 24 horas.
- Somos uma empresa que depende muito do clima, mais ou menos como o agro, como a gente diz. A pandemia nos ensinou muito a trabalhar novos produtos, voltar a explorar a confecção, ampliar a linha conforto, que antes ficava mais restrita aos moletons, ou mesmo o uso de outras fibras que desse um equilíbrio maior ao catálogo. Mas o mais importante é que temos aprendido a lidar com desafios e sair da zona de conforto. Hoje temos eventos de lançamentos todos os meses, de janeiro a outubro, que chegam a reunir mil pessoas aqui na nossa sede - comenta Suélen Biazoli, diretora de criatividade e comunicação e filha da sócia-fundadora da empresa, Devilda Biazoli, a Dona Vite.
Irmão de Devilda e um dos diretores da Biamar, Itacir Marmentini comenta que a virada de chave não apenas para a Biamar, mas para o setor como um todo, foi nos nos 1990, quando a hiperinflação fez com que a maioria dos lojistas passou a preferir a compra a pronta entrega ao invés de fazer pedidos programados, como era mais comum no primeiro boom das malharias, nos anos 1980. Segundo Itacir, a obtenção do selo é uma oportunidade também para que o turismo de compras possa contribuir ainda mais para o desenvolvimento de Farroupilha:
- Nossa região é muito conhecida pelo turismo de lazer e pelo turismo religioso, mas o turismo de compras também tem um apelo muito forte, que pode ser melhor trabalhado junto às agências e ao trade. A obtenção do selo vai ajudar muito, mas tem de ser um ponto de partida para que os setores interessados façam a melhor divulgação possível.
Mais de 70 marcas compõem um setor democrático
Além de empresas de maior porte reconhecidas internacionalmente, como a Biamar e a Anselmi, a força das malharias em Farroupilha também se constrói graças a empreendimentos menores, que são grande parte das mais de 70 marcas constituídas no município. Uma das mais recentes é a Verbella, que, embora já tenha mais de 20 anos no mercado de confecção, há três anos entrou no setor malheiro sob o nome Tricot Nacional. E a escolha se mostrou acertada: do primeiro para o segundo ano, a marca teve crescimento de 70%.
A proprietária, Karen Bellaver, é quem cria os designs para os modelos da marca. Ao contrário de empresas que atendem a pronta entrega, Karen foca em lojistas que preferem a compra programada. Nos meses de outubro, novembro e dezembro recebe os pedidos, que serão produzidos durante o verão para serem entregues aos clientes em março e abril. A empresária avalia que o toque autoral, aliado à qualidade na entrega, são os fatores que permitem ao pequeno empreendedor estar no mesmo mercado que as gigantes:
_ Minha estratégia é ir até o lojista, através dos meus representantes de vendas. A moda produzida na Serra Gaúcha tem um valor agregado muito grande, e isso nos permite ser criativos, inventar, apostar em designs mais autorais. Como uma marca menor, a gente investe em catálogo, em boas produções de fotos com modelos, parcerias com influenciadoras.
Diante da ausência do frio, a estratégia adotada já há alguns anos tem sido a de apostar em peças mais leves, visando desmitificar o tricô e a roupa produzida na Serra Gaúcha, como roupa para o frio.
- Nosso público maior é o lojista, que precisa do frio cedo para não depender apenas dos meses do inverno para começar a vender. E isso não está mais acontecendo já há alguns anos. Por isso nosso trabalho tem sido cada vez mais o de desenvolver peças mais leves e versáteis, como as que levam fios térmicos, e que podem ser usadas até mesmo no verão - destaca a empresária.
Uma das malharias pioneiras soma mais de 60 anos de tradição
De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, cerca de 60% do setor malheiro de Farroupilha é composto por empresas que estão há pelo menos 10 anos no mercado. Uma das pioneiras, a Paniz foi inaugurada em 1962, no mesmo local em que atende ainda hoje, próximo a um dos dois shoppings de atacado da cidade. Adelaide Paniz, proprietária e filha da fundadora da malharia, viu o setor crescer na mesma medida em que a cidade evoluiu para melhor receber os compradores, principalmente os que vêm de longe:
_ Antigamente, as excursões traziam o seu próprio lanche e a gente só tinha um café para servir. Se sobrava um tempo ocioso, a gente levava até em velório para preencher o tempo. Hoje Farroupilha está muito estruturada, com padarias que passaram a abrir durante a madrugada para servir um pão fresquinho, com espaços que a qualquer horário servem buffets melhores até que os de hotéis.
A aposta da Paniz é a clientela diversificada, atendendo tanto a lojistas quanto ao consumidor final, no varejo. A maior parte do faturamento vem da parceria com a rede de lojas Havan, a qual a Paniz atende há 24 anos, desde que a loja tinha uma dezena de unidades apenas, todas em Santa Catarina. Mas Adelaide comenta que o corpo a corpo tem uma importância para além da venda em si:
- É no varejo que a gente escuta o que os clientes estão preferindo, e isso vai nos dar uma ideia para a próxima coleção, ou vai nos dizer se acertamos ou não em determinado modelo. Foi assim que nós vimos que investir na moda plus size seria um caminho interessante, e deu muito certo. Hoje somos referências em roupas de malha para as gordinhas.
Por ser testemunha do crescimento de Farroupilha dentro do setor, Adelaide se diz orgulhosa com o reconhecimento do município como Capital Nacional da Moda de Inverno:
- Acho que Farroupilha merece. E que deve ser um incentivo para que se crie ainda mais a cultura de consumir o produto local, que irá fazer o dinheiro girar aqui na região e ajudar a nossa economia a crescer.