A Festa da Uva carrega em quase cem anos de história uma bagagem que a torna única. Ao longo desse percurso, Caxias do Sul se desenvolveu e se tornou uma das principais economias do Rio Grande do Sul, sempre tendo o maior evento comunitário do município como um dos propulsores para tal crescimento. Até por isso, aproximadamente R$ 250 milhões devem entrar na economia local com o evento de 2024, o que faz da Festa uma verdadeira vitrine de negócios para as empresas locais e também para aqueles que vêm de fora com perspectivas de fecharem novos negócios ao longo dos próximos meses e anos.
Assim, a cada dois anos a Festa da Uva é uma oportunidade para que caxienses e visitantes dos mais variados lugares do Rio Grande do Sul, do Brasil e outros países entrem em contato com empresas locais e de outras cidades. A vitrine que a Festa entrega às marcas expositoras é uma forma de encurtar as distâncias entre vendedores e possíveis compradores.
Nesta 34ª edição, que segue até o dia 3 de março, são cerca de 400 expositores dos mais variados setores da economia. Quem circula pelos pavilhões da Festa da Uva encontra desde as gigantes e multinacionais Marcopolo e Randoncorp, nascidas em Caxias, até as novas empresas que buscam se espelhar nessas trajetórias. No Pavilhão 1 há o espaço Tendenza, local destinado à indústria da moda local, o setor de inovação, as agroindústrias, as vinícolas e também a área de gastronomia. Já o Pavilhão 2 abriga a feira multissetorial e a Vila dos Distritos, por exemplo.
Conforme o presidente da comissão comunitária da Festa da Uva, Fernando Bertotto, há perfis diferentes de expositores. Vão dos patrocinadores e empresas que há anos possuem uma ligação com o evento a aquelas que participam de diversas feiras Brasil afora, além de quem aposta no evento como uma forma de divulgação e crescimento de mercado.
Bertotto acredita que cerca de R$ 10 milhões em negócios devam ser fechados apenas nos 18 dias de Festa da Uva. Esse número é baseado na edição de 2022, quando, ainda com diversas restrições provocadas pela pandemia da covid-19, foram gerados R$ 5 milhões em negócios. Mas a Festa da Uva vai além dos valores financeiros:
— É uma vitrine. Se tu pegar as grandes empresas de Caxias, elas não vão fechar negócios aqui, salvo alguma exceção. Agora os expositores do multissetorial fecham negócios direto, porque é o objetivo deles, e isso é tradicional — destacou Bertotto, sobre a visibilidade dada aos expositores.
Já o vice-presidente de Indústria da Câmara da Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul (CIC), Rubem Antônio Bisi, destaca que o evento é uma boa oportunidade para os pequenos e médios empreendimentos. Esta também é uma chance para que empresas desse perfil lancem produtos e consigam prospectar novos clientes, complementa Bisi.
— Quando elas (pequenas e médias empresas) expõem em uma Festa da Uva, onde vêm milhares de pessoas ver esses produtos, elas se divulgam na própria feira. A demonstração dos produtos para esses visitantes que chegam faz com que fiquem conhecidas. Para as pequenas e médias empresas é importante — pontou Bisi.
Bisi ressalta que as empresas de grande porte contam com feiras específicas e que são mais propícias para as vendas, como a Mercopar, que também acontece em Caxias e neste ano será de 15 a 18 de outubro.
— Antigamente na Festa se faziam muitos negócios, vinham todos os nossos grandes clientes do Chile, Peru, Argentina, e nós marcávamos para eles virem na Festa da Uva. Era um evento para eles conhecerem a cidade como um todo e fazer negócios. Mas ela deixou de ser uma exposição de produtos e lançamentos (para as grandes empresas), antigamente lançávamos na Festa da Uva, só que o nosso cliente não vem para cá, então estamos lançando em outros eventos— explicou Bisi, sobre a mudança de postura das companhias expostas no evento.
Bons negócios em 2022 e expectativa para 2024
Fundada em 2008 na cidade de Santa Maria, na região central do Rio Grande do Sul, a Realdrive é uma empresa especializada no desenvolvimento de simuladores no mundo digital. Cinco anos após o início das atividades, a companhia de tecnologia se mudou para Caxias do Sul atraída pela força industrial da cidade e pela possibilidade de fechar novos negócios, como explica Cristian Stein, um dos sócios da companhia.
— Caxias é um dos maiores polos metalmecânicos do Brasil, e nos atraiu esta diversidade de empresas e esta cadeia de serviços e produtos que existem na Serra gaúcha. Nosso foco principal na Festa da Uva é mostrar que somos de Caxias e que a cidade produz tecnologia. O objetivo secundário, obviamente, é gerar negócios, tanto para o produtor como para as concessionárias. Temos procura de outras prefeituras querendo levar para expor os simuladores para suas feiras — destacou Stein.
Inicialmente, quando a empresa foi criada, o objetivo era atender a demanda de simuladores para os Centros de Formação de Condutores (CFCs), que auxiliam os alunos a obterem a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Com o passar dos anos foram ingressando em outros nichos de mercado, como o ramo de automobilismo. Outro segmento importante para eles é o de implementos agrícolas. A empresa tem a expertise de mapear uma área de plantação, por exemplo, e elaborar o software e hardware desse simulador, com o objetivo de treinar os colaboradores.
— O software é um grande game, chamamos de serial game, um jogo sério, e acabamos fazendo também alguns games para entretenimento. Fomos para outras áreas e achamos esses outros nichos que tinham dificuldades de treinar os operadores finais, e vimos que poderíamos contribuir com isso em máquinas específicas — descreveu Stein, sobre o crescimento da Realdrive ao longo dos 15 anos.
Muitas vezes a base para a produção é semelhante, o que auxilia a empresa a desenvolver os produtos. Em média, um simulador demora cerca de um ano e meio para ser feito. O investimento em um produto desse porte no setor agrícola, de acordo com Stein, é de mais ou menos 20% do valor final da máquina fim, como uma colheitadeira, por exemplo.
No ano de 2022, a Realdrive estreou com o pé direito na Festa da Uva. Segundo o diretor-executivo Eduardo Letti, durante a feira foram diversas as prospecções geradas, com mais de 10 negociações concretizadas posteriormente ao evento. E as perspectivas são boas para este ano, em que já receberam solicitações para expor em outros municípios.
— A Festa da Uva pode não gerar um negócio imediato para nós, mas ela impulsiona outros negócios, tanto em feiras como em vendas. Porque a necessidade do agro em ter mão de obra qualificada é muito grande, como é também a dos simuladores de caminhões, por exemplo — descreveu Letti, sobre como o evento tem auxiliado no crescimento da Realdrive.
E em 2024 a história está se repetindo. Com um estande localizado no espaço de inovação da Festa da Uva, são inúmeros visitantes que passam todos os dias. Muitos deles são atraídos pela possibilidade de se aventurar nos produtos da Realdrive que estão expostos, como simuladores de kart, de CNH, rali, corrida, agrícola, entre outros. E essa foi uma das justificativas que fez o casal Gilberto Melo e Michele Ludcke saírem de Gramado para levar os filhos Sebastian Melo, 6 anos, e Murilo Melo, 13, aos Pavilhões na última semana.
— Trouxemos os meninos para prestigiar esta parte de simuladores. Esse entretenimento aqui é bem bacana, eles estão gostando muito, o meu mais novo foi num simulador de kart e o mais velho em um mais avançado, e estamos gostando muito. Eu particularmente não conhecia a Festa. Quem já tinha vindo era a minha esposa, mas isso há muitos anos. Estamos vindo pela primeira vez em família — disse Gilberto.
Os valores para que os visitantes possam usufruir dos simuladores da Realdrive na Festa da Uva variam de R$ 30 a R$ 50, e a experiência dura aproximadamente 10 minutos.
Valorização das agroindústrias
Uma das maiores valências da Festa da Uva é o poder de divulgação das produções rurais. E um grande exemplo disso é o espaço destinado às agroindústrias, localizado no Pavilhão 1. Por lá estão 62 empreendimentos, a grande maioria familiares, que vendem salames, queijos, cucas, pães, bebidas alcoólicas, chimias e muito mais.
Entre essas seis dezenas de expositores está a Kubi Tiras, criada em 2011 pelo casal Remeo Lipreri e Geni Zanardi em São Gotardo de Vila Seca, no interior de Caxias. Segundo a filha deles, Luana Lipreri, que é fisioterapeuta e produtora rural, a criação surgiu após o pai participar de uma feira em São Paulo e ter percebido que nos mercados os produtos eram vendidos picados. Assim, surgiu a ideia de comercializar nesse formato moranga e couve, entre outros cultivos da família. Biscoitos, cucas e doces entraram no catálogo da agroindústria em 2015 e, posteriormente, as conservas com as geleias.
A agroindústria familiar começou a participar da Festa da Uva em 2012, inicialmente a convite da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag-RS). Após isso, eles gostaram do que viram na feira e do retorno que tiveram, assim resolveram seguir como expositores nos anos seguintes.
— Acabamos gostando porque era um jeito de mostrar os nossos produtos para as pessoas, e não somente de Caxias, mas de outros municípios que também vêm visitar. Eu acho que a Festa da Uva é um dos marcos, é uma feira que sempre fazemos, é uma feira em que nossos clientes do Centro sabem que viemos. Para nós virou uma rotina vir aqui e mostrar para o pessoal. Eles gostam do produto e procuram a gente depois — lembrou Luana Lipreri, que auxilia os pais na agroindústria ao lado dos avós e de mais dois irmãos.
Nestes 12 anos, a família viu a agroindústria crescer e prosperar muito em virtude da divulgação na Festa da Uva. Na última edição, em 2022, fizeram vendas para outros Estados. De acordo com Luana, esses visitantes de fora inicialmente ficam em dúvida por não conhecerem alguns produtos, como o crem, mas logo na sequência se apaixonam e querem levar para casa. O crem é uma espécie de raiz com sabor forte, moída e condimentada com vinagre tinto de uva.
— O ponto principal (de participar da Festa) é a divulgação. A questão de vendas às vezes não é tão grande aqui, mas o pessoal acaba procurando para comprar. Na última feira eu enviei produtos para o Pará e para o Recife, coisas que tu nunca imaginaria se a pessoa não viesse aqui e conhecesse — comentou sobre curiosidades acerca da participação no evento.
Além da Festa da Uva, a família participa de feiras de Ponto de Safra em Caxias. Para os próximos anos espera ingressar em algumas redes de supermercados. Um visitante de Gramado que passou pela Festa da Uva está interessado em levar as geleias da agroindústria para o seu empreendimento na Região das Hortênsias.
E tem quem venha de outras cidades com a expectativa de colher bons frutos na Festa da Uva, como a agroindústria Rei do Melado, de Estrela, fundada em 2018. De acordo com a produtora da agroindústria Lisane Bruismann, essa é a primeira vez da empresa no evento. Ela revela que a perspectiva de que cerca de 200 mil pessoas devam circular pelos Pavilhões nos 18 dias de evento atraiu a agroindústria para a Festa.
O foco deles, como o próprio nome diz, é a produção do melado, feito à base da cana-de-açúcar. Conforme Lisane, sempre participam de feiras na região de Estrela, no Vale do Taquari, além de já terem participado da Expointer, em Esteio, na Região Metropolitana.
— Nós viemos com a expectativa de boas vendas, e um retorno financeiro bem bom, porque aqui tem muitas pessoas. Nos primeiros dias o movimento foi bom, superou as expectativas — comemora.
Lisane acredita que somente nos quatro primeiros dias tenha vendido aproximadamente 3 mil potes de melado. Ainda foram levantados alguns contatos para a possibilidade de vender os doces em estabelecimentos comerciais de Caxias do Sul.
Vinícola e o legado da imigração italiana
Caminhos e Lugares é o tema da 34ª edição da Festa da Uva, sendo o ponto de partida para as comemorações dos 150 anos da chegada dos primeiros imigrantes italianos na Serra, que serão completados em 2025. Assim, é impossível falar do principal evento de Caxias do Sul sem abordar as vinícolas da região, que há mais de um século ajudam a formar o segundo maior município do Rio Grande do Sul.
A família Tonet, que chegou ao Brasil ainda no século 19, em 1897, trazendo da Itália a tradição e o carinho no cultivo de videiras e na elaboração de vinhos, é uma das que carregam esse legado. Passados 127 anos, os descendentes seguem conduzindo essa importante herança.
Com a Vinícola Tonet, a família participa da Festa da Uva desde a década de 1990. Na visão de Mozar Tonet, um dos atuais sócios do empreendimento, a questão financeira e os negócios fechados durante os 18 dias do evento não são o foco principal para expor. Para ele, divulgar o empreendimento para os próprios moradores de Caxias do Sul e aos visitantes de outras cidades é fundamental e atrai público para o empreendimento familiar.
— Além de tu estar expondo o teu produto, está mostrando a tua cara sempre. Representa tu criar novos mercados, porque tu acaba criando clientes novos do Brasil inteiro e até mesmo de fora com isso — disse Tonet.
Neste ano, a vinícola está com dois estandes para receber o público. Além dos vinhos, espumantes, sucos de uva e degustação dos produtos, a Tonet trabalha com o enoturismo local, divulgando a propriedade da família, localizada na Estrada Municipal Vicente Menezes, na Linha 40, no interior de Caxias. Por lá, os visitantes têm a oportunidade de ter um contato com o passado da família, por meio da história deles, que é contada junto às parreiras centenárias da propriedade.
— Nós somos uma das primeiras (vinícolas) a abrir para o turismo em Caxias do Sul, e isso foi um grande boom para divulgar a cidade. Antigamente, Caxias do Sul era muito conhecida pela parte antiga, e depois se tornou um turismo de negócios. E aí vimos este nicho de mercado e começamos a trabalhar com isso. O próprio pessoal que está na Festa da Uva vem conhecer a vinícola, e isso ajuda bastante também — exemplifica.
Estreantes apostam na grande visibilidade
Com inúmeros relatos de empresas que conseguem ter boas vendas durante a Festa da Uva, não faltam empresários que apostam no evento como uma forma de dar visibilidade para as respectivas empresas. Esse é o caso de Mariana De Martini Bonesi, diretora criativa e idealizadora da Lahum, empresa de moda e vestuário.
As primeiras peças de roupas foram confeccionadas por ela e pela mãe em 2019. Mas as vestimentas buscam algo a mais. As roupas são feitas com base em seis tonalidades que carregam significados específicos e uma ligação especial com a natureza. Para Mariana, a edição de 2024 da Festa da Uva está sendo especial. Esta é a primeira vez que ela participa com a Lahum e logo em um espaço novo. O estande está localizado no setor Tendenza, que reúne 23 marcas e artistas locais da indústria têxtil do maior município da Serra.
— (É) Para trazer visibilidade e também por ser um meio de expansão para a marca. Acredito que aqui é um espaço onde muitas pessoas passam, em que conseguimos ter trocas, networking e também vendas. O Tendenza é realmente um espaço para comunicarmos a moda da Serra gaúcha, mostrar esta força e importância que temos — descreveu Mariana, sobre a presença no evento.
Mariana avalia como positivo os primeiros dias de Festa. Já foi possível fechar algumas vendas ainda nos Pavilhões e a diretora criativa da Lahum acredita que isso também pode melhorar no pós-evento. Com isso, ela já pretende retornar à próxima edição.
— Se o espaço Tendenza tiver continuidade, eu acredito que ele é muito importante para todas as marcas. Para nós que estamos começando no mercado é uma visibilidade incrível — justifica.
Quem também está acreditando na visibilidade que a Festa da Uva pode entregar é a empresa Stul, localizada no bairro Universitário, e criada em 2010. Inicialmente, quando a empresa foi criada, o foco era a prestação de serviços para metalúrgicas. Mas, com a experiência de mercado, começaram a trabalhar em produtos próprios.
Além de prestar serviços como usinagem, furação, retifica, serralheria, entre outros, no catálogo da Stul há a produção de churrasqueiras, lareiras ecológicas e até mesmo de um fogão à lenha de vidro, em que as pessoas tem maior praticidade principalmente na hora de fazer a limpeza. Atualmente são 13 funcionários empregados.
Para esta edição da Festa da Uva foi feito um lançamento especial, uma lareira ecológica de porte menor. A small fire, como foi denominada, possui uma parte externa feita com concreto, e a parte interna é de inox, o que, de acordo Cristiane Fernandes da Roza, que na empresa é sócia do marido, Valcir José Joaquim, entrega uma maior segurança aos clientes.
— Os nossos queimadores são produzidos em inox, diferentemente da maioria dos itens que vemos, eles têm um material de qualidade e são feitos para isso. É todo soldado em chapa de inox, é um produto para ser utilizado como lareira ecológica — detalhou a sócia da Stul.
Trazer o novo produto para a Festa da Uva, de acordo com os sócios, é também uma forma de conseguir uma maior visibilidade à marca, uma vez que os visitantes que se interessam pelo produto podem fazer a compra enquanto circulam pelo evento.
— Surgiu a oportunidade, já tínhamos a vontade trabalhar em feiras, cogitamos em outras cidades. Como associados do Simecs e da Microempa surgiu essa oportunidade. Estamos achando muito bacana, o fluxo de pessoas é muito grande. E o legal é que as pessoas estão se surpreendendo que aqui em Caxias tem uma indústria que produz esses itens — celebrou Cristiane.
A empresa já conseguiu fechar vendas com as lareiras ecológicas e também conseguiu boas prospecções dos fogões à lenha de vidro. Além disso, os sócios viram um crescimento de 600% de visibilidade nas redes sociais durante os primeiros dias de Festa da Uva.