Meio milhão de pessoas são esperadas para visitar a 34ª Festa Nacional da Uva, em Caxias do Sul, que se inicia na próxima quinta-feira (15) e abre oficialmente para o público na sexta-feira (16). Uma tradição criada há mais de 90 anos que se renova para celebrar a cultura da uva, do vinho, da imigração italiana e também para servir como uma mostra de tudo o que é produzido no maior município da Serra.
A expectativa dos organizadores é que movimente R$ 250 milhões em negócios somente em Caxias. O número, segundo o presidente da Comissão Comunitária, Fernando Bertotto, é uma estimativa baseada no potencial econômico de um das maiores iniciativas comunitárias do Rio Grande do Sul e do país.
Trata-se de uma iniciativa com números expressivos: o orçamento do evento é de R$ 21 milhões, serão contratadas 7 mil pessoas de forma temporária, comprados mais de 150 mil quilos de uva para serem distribuídas gratuitamente ao público e mais de 400 expositores, de diferentes cidades, em busca de novos negócios e reforço da marca.
— É ganho para a rede hoteleira, restaurantes, empreendimentos turísticos, mas também para os agricultores, o motorista de táxi, aplicativo, quem expõe, quem trabalha de forma temporária. São 18 dias de programação, três finais de semana intensos, com shows variados, envolve muita gente — exemplifica.
A economia está ligada aos tempos da criação da Festa da Uva, que surgiu em março de 1931, ano em que o mundo enfrentava a quebra da Bolsa de Valores de Nova York.
À época, a região serrana também sentiu os reflexos das oscilações na economia mundial e, mesmo assim, produtores rurais e empresários apostaram na realização de uma atração para ensinar os colonos a substituir a uva isabel por linhagens mais nobres da fruta. Esse seminário embrionário, realizado na sede do Recreio da Juventude, buscava melhorar a qualidade do vinho produzido na época para que os produtores pudessem aperfeiçoar os negócios.
Em 2024, a taxa de ocupação da rede hoteleira, que antes da festa variava em 35%, agora deve subir para 60%. Na última edição, a rede hoteleira de Caxias fez uma força-tarefa. De acordo com Bertotto, os hotéis criaram promoções e pacotes para as pessoas se hospedarem aos finais de semana, para que aproveitem a festa e outros pontos turísticos.
Segundo levantamento do Sindicato Empresarial de Gastronomia e Hotelaria da Região Uva e Vinho (Segh), nos anos em que ocorre, há um acréscimo significativo na hospedagem local, algo próximo a 20% na taxa de ocupação dos hotéis. Aos finais de semana, as reservas na hotelaria chegam a 100%.
A seguir, conheça alguns exemplo de empreendimentos que comemoram a realização e se preparam para receber o público.
Festa da Uva 2024
- Quando: de 15 de fevereiro a 3 de março de 2024
- Horários: segunda a quinta, das 14h às 22h; sexta, das 14h às 23h; sábado, das 10h às 23h, e domingo, das 10h às 22h.
- Onde: pavilhões da Festa da Uva (Rua Ludovico Cavinato, 1.431, bairro Nossa Sra. da Saúde).
- Ingressos: R$ 20 (meia-entrada: R$ 10). Dias 19 e 26 de fevereiro, o acesso é gratuito.
- Informações: www.festadauva.com.br
Uva de chocolate com ouro e menu especial
Empresários de Caxias do Sul também aproveitam a realização da Festa da Uva para explorar a criatividade e criar novos produtos - todos com base na uva e no vinho. Uma oportunidade de ampliar o cardápio, aumentar a produção e atrair a curiosidade do consumidor, seja de Caxias ou de fora da cidade.
Uma delas é a Amendoeira Chocolaterie, localizada no Pátio Eberle, que desenvolveu, ainda em agosto do ano passado, uma coroa de chocolate com folhas de ouro. O doce foi criado para ser presenteado para a rainha que seria escolhida naquele mês. Agora, dois novos produtos foram desenvolvidos para os consumidores: cacho de uva de chocolate com folhas de ouro, uma marca registrada do estabelecimento, e um bombom com recheio de geleia de uva.
A produção dos doces é concentrada no segundo andar da chocolaterie. O cacho é feito com a ajuda de um molde e é produzido com chocolate belga amargo. O doce ganha cor por meio do uso de corante solúvel em água, e a folha de ouro dá um brilho a mais, principalmente na folha da uva. O bombom é feito com chocolate branco, e o recheio, também produzido no local, acompanha vinho rosé, graspa e, claro, a geleia. Como decoração, uma pequena uva de chocolate, pintada com pó de ouro, também comestível.
Um trabalho artesanal, delicado, que enche os olhos e o paladar. Os doces estarão à disposição dos clientes, inicialmente, somente durante a festa. O bombom custa R$ 16 a unidade.
— A gente queria criar algo que remetesse ao evento. Demoramos de dois a três meses para finalizar. O teste de sabor é algo que varia bastante. Na primeira vez que eu provei ficou muito forte, mas depois fomos acertando a quantidade. Testamos várias vezes até chegar no equilíbrio, que seja suave e agrade ao paladar. Chocolate e uva combinam muito — garante a chef chocolatier Liriane Carvalho Oliveira, que criou a receita junto com outras funcionárias da equipe.
Outro empreendimento que criou pratos especiais é o restaurante Tempo Bar de Vinho e Gastronomia, inaugurado há nove meses na Rua Os Dezoito do Forte.
O menu para esta época é composto por uma burrata com uvas assadas em aceto balsâmico, presunto de Parma e mix de castanhas como entrada. O prato principal é formado por um risoto de queijo brie, acompanhado de uva itália e filé ao molho de vinho. Como sobremesa, uma torta de queijo com calda de vinho. Todos os pratos são acompanhados por diferentes produtos da vinícola Vinho Solo. O menu custa R$ 169. O lançamento dos pratos foi feito no fim de janeiro durante um jantar com a comitiva da Festa da Uva.
A criação do menu é da chef de cozinha Priscila Boff, que trabalha como gerente do restaurante. O menu especial acompanha o objetivo do empreendimento, que é valorizar o vinho e permitir que a bebida seja apreciada por mais pessoas. Inicialmente, o espaço funcionaria como bar com petiscos, mas incorporou pratos à la carte à noite e deve abrir também ao meio-dia a partir deste mês.
— Como circulam muitas pessoas pela cidade e que estão em busca de experiências com base na uva e no vinho, eu achei que seria interessante casar o nosso menu com os vinhos que a gente vende. Fizemos uma parceria com um vinícola local e criamos três pratos que tenham uva e que a gente pudesse harmonizar com o vinho. Não queremos que a cidade perca a tradição de valorizar a uva e o vinho e essa é a nossa contribuição para o evento — afirma a gerente.
O local também quer fazer novas parcerias com vinícolas da região, oferecendo pratos harmonizados para atrair turistas. O objetivo é que a marca seja franquiada e se expanda para outras cidades.
— Entendemos que a cidade é passagem para Gramado e Bento Gonçalves. Vemos essa demanda e queremos que eles fiquem mais tempo aqui, aproveitando o que tem de melhor na nossa região — conta.
Hotel espera crescer 40% no faturamento
Cachos de uva estão por toda parte no Blue Tree Towers, hotel que está completando 20 anos de atividades na cidade. A fruta símbolo da região está no café da manhã, na decoração e também é a estrela de um pacote especial preparado para os hóspedes durante os meses de fevereiro e março.
Estratégias para tornar o clima de festa ainda mais presente entre os clientes.
— Montamos uma cesta com itens da região, que remete à nossa cultura e gastronomia. Tem grissini, cuca de uva, geleia, mousse, suco de uva. É um diferencial, mostrando o nosso engajamento e fomentando o que temos de bom para os hóspedes — explica a gerente-geral Roberta Albuquerque, na função há sete anos.
Segundo ela, a expectativa é que a receita do hotel cresça 40% neste período em relação à última Festa da Uva, em 2022, e 22% na comparação com o início do ano passado. Os dois últimos finais de semana da festa, por exemplo, estão próximos de atingir 100% de ocupação - a rede conta com 132 apartamentos. Para atender à demanda, a rede ampliou em 10% o número de funcionários, em diferentes funções.
Roberta explica também que a festa contribui para diversificar o perfil do hóspede no hotel, que é referência no turismo executivo e consegue atrair um público que vem a Caxias para se divertir e não apenas trabalhar. As diárias partem de R$ 300.
Dispostos a auxiliar os visitantes, os funcionários passaram por treinamentos.
— Vamos ter uma interação com a rainha e princesas, para que elas falem sobre a festa e gere engajamento na equipe. Incentivamos que os nossos funcionários possam ir aos Pavilhões e tenham propriedade para falar aos nossos clientes, que apresentem o olhar deles — conta.
Marca lançada na Festa de 2004 investe R$ 100 mil
A Festa da Uva 2004 foi o momento escolhido pelo empresário Samuel Freire de Oliveira para o lançamento da Yang, empresa caxiense que produz lingeries funcionais. Após a inauguração de lojas físicas em Caxias, Bento Gonçalves e Farroupilha, a marca se apresentou à comunidade durante o evento daquele ano. Desde então, nunca mais deixou de estar vinculada ao acontecimento e leva lançamentos e novidades a cada edição.
— Nascemos pequenos, durante a Festa da Uva, e hoje estamos em oito estados brasileiros, com 25 lojas e distribuição nos Estados Unidos. Não tinha como estar de fora do principal evento da nossa cidade e decidimos que a primeira ação da marca seria na Festa da Uva daquele ano. É onde conseguimos captar o maior número de pessoas em um curto espaço de tempo. Neste ano, vamos comemorar os 20 anos da marca novamente no local. O nosso cliente se sente representado por estarmos presentes — afirma.
Nas últimas edições, por exemplo, Samuel conta que expandiu a marca para a cidade de Porto Velho (RO) por meio de franquias com uma visitante que conheceu a marca na Festa da Uva. Para este ano, foram investidos R$ 100 mil em um estande de 54 metros quadrados. Uma preocupação, por exemplo, é oferecer um ambiente climatizado, que garanta conforto aos clientes e visitantes, principalmente em dias quentes do verão na Serra.
Oliveira conta também que estar com a marca na Festa da Uva busca atingir dois objetivos: ter contato com a comunidade local e mostrar os produtos para quem ainda não conhece.
— Eu acredito que o poder da festa é ser comunitária, ser das pessoas. Apesar das crises e dificuldades que passou, é sempre boa. Não tenho nenhum relato de uma festa que tenha sido ruim. Para nós, sempre foi boa, sempre foi um sucesso. A nossa meta é a conexão com as pessoas — reforçou.
Números dos expositores:
- Terá cerca de 400 expositores, dos mais diferentes segmentos.
- Festa da Uva deve arrecadar R$ 2 milhões com a venda de espaços.
- O custo do metro quadrado de um estande partiu de R$ 650.
Cerca de 500 trabalhadores nos shows nacionais
A programação de shows nacionais funciona quase que como um festejo paralelo. É que atrair artistas que lideram entre os mais ouvidos do país exige uma estrutura de peso, ao mesmo tempo em que é preciso oferecer conforto a um público exigente e que vai pagar para ver as apresentações. Assim como em 2022, o ingresso para o parque não garante acesso aos shows, que depende da compra de um bilhete específico conforme o setor escolhido.
Somente na montagem da estrutura, como palco e camarotes, são 70 trabalhadores que circulam diariamente no Espaço Multicultural, como é chamado o local que concentra as apresentações. Além dessa mão de obra na pré-produção, outras 400 pessoas serão contratadas de forma temporária para atuar durante os três sábados com apresentações musicais, entre equipes de acesso, bilheteria, bares, segurança e produção, entre outras atribuições.
São diferentes empresas, sejam elas locais ou de outras cidades, que prestam serviço sob o guarda-chuva da AM9 Produções, contratada para o planejamento e organização dos shows.
— Trabalhamos com seis diferentes empresas somente na infraestrutura, porque nem todas conseguem atender a demanda que precisamos aqui. Na edição passada, como era retomada após o período mais crítico da pandemia, os fornecedores estavam com menos demanda e conseguiam atender tudo. Desta vez, há muito mais, a agenda está cheia, por isso precisamos ampliar o número de empresas para a montagem. Vamos oferecer a maior infraestrutura de shows da história da festa — projeta o diretor da AM9 Produções, Anderson Morais.
Para se ter uma ideia, a estrutura contará com um sistema inédito de iluminação no meio do público para criar um ambiente de comemoração e de balada. Setores mais caros, que ficam quase em frente ao palco, serão equipados com tablados de madeira - o público desses locais não pisará na areia característica do espaço, por exemplo.
A movimentação financeira nas três noites de shows é de mais de R$ 4 milhões, que inclui o custo com a contratação dos fornecedores, mão de obra, divulgação, cachê dos artistas, entre outros fatores. O contrato com a AM9 prevê que a produtora assuma todos os riscos dos shows, ou seja, em caso de prejuízos, é a empresa que fica como responsável e não o evento.
— Nenhum real dos R$ 6 milhões que a prefeitura destinou vem para a área de shows nacionais. Todos os shows são financiados com a venda de ingressos e, na receita, há um percentual de retorno para a festa, pagamentos e o risco de toda a operação, que é da AM9 — explica.
Shows da Festa da Uva
- Ana Castela - 17/2
- Alok + Filipe Ret - 24/2
- Bruno & Marrone e Raça Negra - 1º/3
Benefícios que se estendem ao interior
Os benefícios da Festa da Uva se estendem também para o turismo no município, principalmente aos que empreendem no interior de Caxias. É que os visitantes querem vivenciar a experiência da colônia, muitas vezes atraídos pela farta e boa gastronomia que se encontra em abundância por aqui.
No café colonial Famiglia Pezzi, em Vila Cristina, a expectativa dos proprietários é aumentar em até 20% o número de clientes durante os meses de fevereiro e março. O empreendimento oferece um café que é praticamente uma refeição: são mais de 110 opções de alimentos e bebidas servidos à vontade.
— Aguardamos a Festa da Uva com muita ansiedade. Muitas pessoas querem estender o passeio para o interior e ganhamos com isso. O volume de pessoas circulando na região aumenta e, como estamos bem localizados, entre Caxias e Gramado, acabamos sendo beneficiados — conta a sócia-fundadora e gerente do empreendimento, Daiane Pezzi.
O café completa cinco anos em 2024, portanto vai para a terceira Festa da Uva. Na edição passada, realizada ainda sob o efeito da pandemia, o movimento foi mais tímido. Para este ano, o empreendimento incorporou, entre as ofertas no bufê, o grostoli e o nhoque, ambos de uva. A receita é da dona Loiva, mãe de Daiane, que comanda o café junto com o pai, Jaime.
— Usamos uma farinha especial e menos ingredientes que o grostoli tradicional, para que não perca o gosto da uva. Cozinhei a uva bordô, deixei o caldo, peneirei e coloquei. O nhoque também leva o suco, a farinha, semente e a casca da uva. E o segredo, claro, é o amor que eu tenho pelo alimento, por cozinhar— explica a dona Loiva.
Daiane é uma liderança no turismo na cidade: ela integra o núcleo setorial Turismo de Experiências, da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC) de Caxias do Sul. Um dos produtos criados pelo grupo é a Rota Sabor e Aventura, que envolve vinícolas, cervejarias e estabelecimentos gastronômicos, culturais e de aventura de Caxias do Sul. Em 2022, ela foi empossada como embaixadora do turismo na cidade.
Uma das atividades do núcleo neste período será operacionalizar o serviço de piquenique oferecido nos Pavilhões, na réplica 15. Cada empreendimento ofereceu um produto e o kit a ser entregue aos visitantes contempla diferentes opções produzidas localmente. A ideia é que a ação também divulgue os empreendimentos localizados no interior da cidade.
— Caxias do Sul tem um turismo de negócios, mas precisamos dar mais oportunidades para que os visitantes estendam a permanência na região. Estamos trabalhando para isso — conta ela, que deixou um emprego na iniciativa privada para voltar ao interior e transformar um camping com movimentação sazonal em um café colonial com público o ano todo.
Daiane também é muito participativa no roteiro Caminhos de Caravaggio, que atrai diariamente pessoas de todo o país para uma peregrinação entre Canela e Farroupilha, de cerca de 200km. O trajeto é feito por etapas de até 10 dias, e no caminho os peregrinos ficam em hospedagens onde há leitos e refeições, sendo que uma destas opções é a própria Famíglia Pezzi, na passagem do trajeto por Vila Cristina.