Primavera é a estação marcada pelas flores, pelas safras de muitos frutos - como o pêssego - e também é quando se inicia o carregamento das videiras na Serra gaúcha, embelezando ainda mais o cenário da propriedades. Grande responsável por dar vida e colorir a paisagem são as abelhas, que têm papel ecológico fundamental como polinizadoras. Entretanto, milhões têm morrido em municípios como Veranópolis, Cotiporã e Fagundes Varela, em função do uso irregular do fipronil, um inseticida que ataca o sistema nervoso das abelhas.
Os primeiros casos surgiram em agosto deste ano e seguem ocorrendo. A situação impacta não somente apicultores, que se utilizam da produção de mel, própolis ou geleia real, como também todos os outros produtores, que têm as abelhas como aliadas na polinização de culturas. Ao andar pelo interior destes municípios e conversar com a população local, não tem quem não esteja preocupado com prejuízos futuros e que não conheça alguém que tenha perdido colmeias.
É o caso do agricultor familiar Volmir Menegon, de Veranópolis, que planta pêssego, bergamota e uva, culturas que necessitam das abelhas para a melhor polinização. Menegon não trabalha com apiários, mas, quando um enxame apareceu perto da sua casa, fez questão de contribuir para que pudesse ter as aliadas na mão de obra.
— Eu tenho um enxame na casa, está instalado lá na aba da casa, eu nem matei, porque tenho todas essas frutas, elas são muito úteis para nós. Quando tem abelhas, que tu vê no inverno, que está com aqueles dias bonitos, é sinal que vai ter uma boa polinização. Claro, depois tem os outros agravantes, como o clima, geadas, mas a abelha é fundamental, pelo menos dizem que, se a gente não tiver mais abelha, não terá mais fruta —diz o agricultor.
Menegon não sabe se o uso irregular do fipronil por alguns agricultores é por falta de informação ou se eles têm conhecimento do prejuízo ambiental.
— Hoje em dia, quando tu vai comprar o produto, tu já sabe para o que tu usa, porque tem que ter muito cuidado. Muitos não têm esse cuidado, acham que não vai dar nada, que a abelha também não representa muita coisa — lamenta o produtor.
É na propriedade ao lado que o irmão de Volmir, Vilmar Menegon, trabalha com a apicultura há mais de 10 anos. Esta é a primeira vez que ele tem caso de mortandade de abelhas, já comprovado, através de exame, que foi por causa do fipronil.
— Quando eu percebi, elas estavam mortas. A gente sempre vai ver como é que está o enxame. Eu cheguei na caixa e vi que não tinha mais abelha trabalhando, olhei e elas estavam mortas. Daí a gente fica surpreso, né? Não sabia o que era — relatar o apicultor, que perdeu nove colmeias há três meses, todas de uma só vez.
Em seu apiário ainda tem enxames, que estão morrendo aos poucos. Ele destaca que não usa o fipronil em nenhuma produção, assim como seu irmão.
— De primeira, a gente não percebe (o prejuízo), porque tem outras caixas. Mas são nove caixas, claro que vai ter. Mas com o tempo, com certeza, a gente vai ter, se não tenho mel, é prejuízo.
Um outro apicultor, que conversou com a reportagem mas não quis ser identificado, diz que os números oficiais - que apontam que 12 milhões de abelhas morreram pela contaminação - não chegam perto da realidade. Isso porque, com base em outros apicultores que conhece, muitos não registram na inspetoria veterinária, pois acham que precisam pagar para isso. Este apicultor comenta que, em Cotiporã, por exemplo, enquanto o número que a Secretaria Municipal de Agricultura tem é de 200 colmeias, o apicultor estima que sejam pelo menos 500. A denúncia na inspetoria só pode ser feita caso haja o cadastramento do apiário.
Também de Cotiporã e apicultor há 15 anos, Adair Zardo perdeu 170 das 280 colmeias que possuía. Cada colmeia tinha um faturamento anual de R$ 1 mil. Zardo avalia que seu prejuízo deve passar de R$ 800 mil, tendo em vista os anos de produção do apiário - neste caso, 10 anos.
— Aqui é no mínimo cinco anos para recuperar. Dá raiva, dá vontade de desistir. Isso já tinha acontecido ano passado, mas não com tantas mortes. Bati na casa de todos os vizinhos para falar sobre os impactos do fipronil, conversei, pedi numa boa. Agora deixo para a Polícia Civil investigar quem fez isso — lamenta Zardo.
De acordo com a engenheira agrônoma da Emater de Fagundes Varela, Taciana Marchesini, inseticidas com fipronil não possuem autorização do Ministério da Agricultura para uso em parreirais, macieiras e em culturas de frutas cítricas, podendo ser usados em culturas como pinus, eucalipto, batata e cana de açúcar, por exemplo, mas com aplicação no sulco - depressão da terra - ou nas mudas.
— Jamais deve ser usado para pulverizar qualquer cultura, justamente pelo dano que causa às abelhas e outros insetos — destaca Taciana.
Em nota, o setor de agricultura de Fagundes Varela, onde estima-se que mais de 90 colmeias foram atingidas, afirma que orientou aos apicultores o registro de boletins de ocorrência, assim como notificou os órgãos estaduais responsáveis pela fiscalização do uso de agrotóxicos, para que tomem as providências cabíveis. A delegacia de Polícia Civil responsável por este caso é a de Veranópolis, que também investiga casos no próprio município. A Civil de Cotiporã e de Flores da Cunha também investigam casos de morte de abelha por fipronil nos últimos meses.
Sobre o fipronil
Segundo o diretor do Departamento de Defesa Vegetal da Secretaria Estadual da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural, Ricardo Felicetti, o fipronil é usado por produtores em lavouras para controles de formigas, entretanto, se usado quando as lavouras estão em floração, ocorre o contato das abelhas.
— O fipronil tem diversos produtos comerciais, cada um com um registro para ser utilizado em cada cultura. Ele tem três modalidades de aplicação: direto na lavoura, em sulcos e a aplicação em sementes. Hoje está em discussão, através de inquérito civil, quanto à aplicação em sulcos, que seria mais nocivo às abelhas — explica Felicetti.