Em 2019, Leandro Santini, da Vinícola Casa Perini, foi escolhido o Enólogo do Ano, pela Associação Brasileira de Enologia. Ao receber o troféu, que está à mostra na loja da vinícola, ele diz que um filme passou na sua cabeça. Nascido em São Valentim da Segunda Légua, interior de Caxias do Sul, e mais tarde morando em Forqueta, sua vida sempre esteve ligada à uva.
– Essa paixão vem lá do meu avô, que fazia vinho engarrafado e também a granel – recorda.
No dia em que recebeu o prêmio, Santini conta que estava tão cansado que havia desistido de ir ao jantar de revelação do Enólogo do Ano.
– Um colega meu insistiu para que eu fosse. Chegamos lá, e quando começaram a contar a história do premiado, eu pensei: “Esse cara sou eu” (risos). Me arrepia só de te contar, porque, quando uma associação como essa, com pessoas que eu conheço, sei bem quem faz parte, e tu acaba sendo um dos mais votados, depois, passa por um comitê e as pessoas reafirmam teu nome, é uma responsabilidade muito grande. Foi um momento bem marcante e feliz.
Antes de estudar enologia, Santini recebeu uma oportunidade de emprego para trabalhar na Perini. Sua primeira atividade na vinícola, em 2001, foi a de motorista para fazer as entregas. A seguir, por entender que havia um universo a ser explorado, decidiu estudar enologia, na época, no então Centro Federal Tecnológico, em Bento Gonçalves, atual Instituto Federal.
– A enologia envolve uma gama muito extensa de atribuições. Na viticultura, tem desde a seleção da melhor parte dos solo, até a plantação e cultivo das mudas. E, na enologia, envolve o recebimento da uva, passando pela elaboração dos vinhos até a sua comercialização – explica.
Dentro desse universo, Santini diz que é preciso ter excelência em cada um dos processos, mas reconhece:
– O enólogo não faz nada sozinho, mas o pescoço a ser cortado é sempre o meu – brinca
– Ouço a opinião de todos, mas a palavra final é minha.
O trabalho do enólogo, apensar de em grande parte ser sensorial, como explica Santini, acaba por ser bastante exaustivo. Porque o enólogo tem de provar cada uma das amostras, muitas vezes às cegas, ou seja, sem identificação nenhuma, e perceber os sabores e os aromas, aguçando sua memória sensorial ao extremo.
– Para as pessoas que acham que o cara bebe o dia todo, vou dar um exemplo. Quando você pega às 9h e começa a degustar 30 a 40 amostras, avaliando e pensando no que vai fazer com cada uma, compartilho do pensamento de muitos dos meus colegas que dizem: “Quando chega às 11h, eu poderia ir para casa e descansar”. É um desgaste muito grande, consome uma energia sem tamanho.
Todas essas etapas do processo precisam estar em conformidade para que o produto final seja realmente expressivo, defende Santini.
– Sabemos que as uvas vêm praticamente da mesma região e usamos técnicas parecidas de elaboração. O que nos diferencia, no entanto, é a tecnologia empregada, as mudanças no processo de fermentação e se colocaremos o vinho na barrica. É isso que vai resultar em vinhos de características diferentes.
Paixão e visão de mercado
Na varanda da Vinícola Luiz Argenta, em Flores da Cunha, com vista para os vinhedos que se perdem no horizonte, o enólogo Edegar Scortegagna, de 39 anos, revela a lição mais preciosa aos jovens profissionais que estão saindo da faculdade.
– O enólogo precisa maturar junto com o vinho. O vinho demora para ficar pronto, nasce no vinhedo, é transformado, e tem de maturar. O enólogo também precisa de tempo para se conhecer e, com humildade, esperar amadurecer – defende Scortegagna, que em 22 anos de profissão, já fez 27 safras.
Scortegagna, assim como boa parte dos enólogos da região, praticamente nasceu debaixo de um parreiral de uva.
– Meu bisavô Rinaldo Scortegagna, veio da Itália, constituiu família no Travessão Alfredo Chaves, interior de Flores da Cunha. Meu avô e meu pai permaneceram ali. A minha família sempre se dedicou ao plantio da uva, fazendo seu vinho.
Scortegagna se encantou com o processo de elaboração de vinhos desde criança e não pensou em outra escolha profissional que não fosse a enologia. Em 1998, foi estudar na Escola Agrotécnica Federal Presidente Juscelino Kubitschek, em Bento Gonçalves, a única no Brasil, naquela época, com ênfase em enologia. Atualmente, se chama Instituto Federal do Rio Grande do Sul. Apesar de morar na colônia, como gosta de frisar, Scortegagna ganhou um computador e por meio da internet passou a pesquisar universidades de enologia na Itália.
Em 2002, foi fazer um estágio de três meses no laboratório da Cantina Sociale di Custoza, em Verona. A experiência, apesar de curta, fez com que ele tivesse o interesse de voltar à Itália, dessa vez para cursar enologia. Em cinco anos, Scortegagna fez 10 safras, sendo cinco em vinícolas italianas e, nas férias de inverno na Europa, voltava para Flores da Cunha, para a safra de verão.
– Aquele tempo na Itália me abriu a cabeça para criarmos produtos que não se pensava fazer no Brasil e para investirmos em variedades diferentes e em tecnologia – explica.
Enquanto estava na Itália, percebeu uma maior preocupação dos produtores da Serra por investir em tecnologia.
– O investimento de 10 a 15 anos atrás fez com que hoje pudéssemos colher bons frutos – acredita.
Foi no mesmo período, ainda na Itália, que Scortegagna recebia um desafio importante que o fez retornar ao Brasil.
– Em 2007, em uma feira muito famosa na Itália, a Simei, de tecnologias e máquinas para a enologia, eu esbarrei com o Deunir Luiz Argenta, ele me disse que estava construindo uma vinícola. Eu voltei para o Brasil, em dezembro de 2008 e, em 11 de janeiro de 2009, assumi a Luiz Argenta na primeira safra – recorda.
Scortegagna defende que o bom enólogo é apaixonado pelo vinho, mas sem desviar o olhar do mercado.
– O enólogo que é muito bom na parte produtiva é ainda melhor quando entende o que o consumidor quer tomar. É importante investir em tecnologia, mas é também muito importante fazer um vinho que o consumidor compre.
Além de enólogo, Scortegagna abriu a Concept Wine, em parceria com o enófilo André Mallmann.
– A escola nasce para mostrar a visão enológica para quem quer estudar o vinho. Não ensinamos a degustar, mas ensinamos como o vinho é elaborado.
Os cursos, que ocorriam de forma presencial, foram realizados online em 2020. Mais informações pelo site.
ONDE ESTUDAR ENOLOGIA
Curso Superior de Tecnologia em Viticultura e Enologia, em Bento Gonçalves, ocorre no Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) e forma profissionais que atuam no planejamento, implantação, gerenciamento e avaliação de todos os processos envolvidos no cultivo da uva e no seu processamento, para obtenção de vinhos, destilados, espumantes e sucos de uva.
Também são atribuições desse profissional a comercialização do vinho, o controle ambiental e de qualidade do produto. O enólogo poderá ainda atuar em laboratórios de análises químicas, indústrias de vinificação, vinhedos, empresas exportadoras e importadoras de vinho, empresas de insumos na área vitivinícola, empresas de derivados da uva e do vinho, instituições de ensino e pesquisa.
Mais informações pelo site do IFRS.