Antes das redes sociais permitirem medir a popularidade pelo seu número de seguidores ou pelo engajamento em suas postagens, na primeira década do século passado eram as participações em programas de auditório na televisão aberta que davam aos artistas uma ideia do seu sucesso. E foi em rede nacional que alguns artistas da Serra despontaram, cada um à sua maneira, construindo uma fama nacional passageira, mas que ainda rende frutos.
Antes de se falar em viralização de conteúdos na internet, o cantor Hélio dos Passos, nascido em Lagoa Vermelha, mas radicado na época em Nova Prata, foi um fenômeno que atingiu milhões de visualizações no ainda incipiente YouTube, com os clipes de 'Fica Comigo", "Flor Singela" e "Morena do Rio Turvo". Bem como ocorre nos dias atuais, é difícil achar um motivo para explicar tamanho sucesso, que levou Hélio a participar de programas como o caldeirão do Huck (em dois finais de semana seguidos), Domingão do Faustão, Programa do Ratinho e até o Programa do Jô, entrevistador que mais o impressionou.
- Naquela época a Globo me ligava dia sim, dia não, para participar de algum programa. Porque dava muita audiência. Só no Huck fui três vezes. Mas o que eu mais gostei de conhecer foi o Jô Soares. Ele tinha uma inteligência fora do comum. Era uma cara que podia estar fazendo uma piada em cima de ti, mas tu ria junto, porque era muito engraçado e não era ofensivo - recorda Hélio dos Passos, que recebeu a reportagem no apartamento onde vive atualmente em Bento Gonçalves.
O que ajuda a explicar como o serrano foi além das fronteiras do Estado, segundo ele mesmo recorda, é que seu primeiro CD foi descoberto por músicos de São Paulo que estavam visitando a Serra, em 2007. De volta ao centro do país, foram estes músicos que deram o "verniz pop" ao trabalho de Hélio dos Passos, coroado com uma participação do cantor Latino em uma regravação.
Embora tenha aproveitado por vários anos o auge da sua popularidade, chegando a fazer turnês pelo Sul do Brasil com dançarinas contratadas em casas sempre lotadas, aos poucos Hélio foi perdendo espaço na mídia, na mesma medida em que os shows foram minguando. O artista não entra em detalhes, mas conta que problemas de saúde, como um AVC que sofreu em 2017, e outros percalços, contribuíram para que ele não tenha feito o "pé de meia" que poderia ter feito nos anos gloriosos. Mas a música continua sendo o seu ganha-pão.
- Nada do que aconteceu na minha vida eu esperava quando decidi parar de trabalhar na lavoura para me dedicar à música. Mesmo com altos e baixos, desde 2007 este é o meu trabalho. Por onde vou eu recebo muito carinho de fãs. Onde me chamam eu atendo, tiro fotos, bato um papo. Me sinto valorizado - diz.
Além de se apresentar em festas de formatura, aniversário e confraternizações de empresas, Hélio dos Passos gosta de apresentar lives para os seus pouco mais de 18 mil seguidores no Instagram (@dospassosh), nas quais canta músicas do seus repertório autoral e sucesso de bandas de baile e sertanejas, além de ler recados que chegam de diversos locais do Brasil. Eventualmente cai em alguma pegadinha com um nome e sobrenome de duplo sentido, mas nada que o faça perder o sorriso por trás dos inconfundíveis óculos escuros.
Paulo Roberto foi do romântico ao italo dance
Da sacada do apartamento que mantém em Caxias do Sul, embora tenha nascido e resida em Flores da Cunha, o cantor e comunicador Paulo Roberto enxerga os Pavilhões da Festa da Uva, onde chegou a se apresentar para mais de 20 mil pessoas.
- Eram outros tempos. As pessoas gostavam mais de sair de casa pra se divertir. Parece que depois da pandemia isso se perdeu, não voltou a ser o que era - avalia, nostálgico.
É no mesmo apartamento que Paulo Roberto guarda a maior parte da memorabilia que ajuda a contar sua trajetória que começou com o sertanejo romântico, nos anos 1980 e 1990, com composições que ainda rendem bons depósitos de direitos autorais, como "Tomara Que Caia", "Amor Proibido" e "Vai, Saudade", mas que teve seu auge na fase do italo dance, que importou da Itália e foi um precursor no Brasil, unindo temas clássicos italianos a batidas eletrônicas, que tomavam conta das pistas de dança pelo mundo na virada do milênio. Foi quando "Torneró", "Il Cielo è Testimonio" e "Emozione", entre outras, ganharam as paradas de sucesso em rádios brasileiras e italianas.
- Acho que esse estilo musical tão empolgante, que era o italo dance, casou muito bem com a minha personalidade. Porque eu sempre me conectei muito com o público, podia cantar por várias horas sem perder o pique. Chegavam a dizer que eu só podia usar algum aditivo, mas nem de beber eu gostava. Sempre foi só uma troca de energia muito forte com as pessoas.
Além de shows em finais de semana consecutivos, que lotavam casas noturnas como a Incitatus, em Caxias do Sul, Paulo Roberto viajava pelo Brasil com seus shows, impulsionado pela participação em programas de auditório como os apresentados por Raul Gil e Adriane Galisteu (antes disso, nos anos 1980 e 1990, Paulo Roberto já havia sido habitué do Programa do Bolinha, do qual participou dezenas de vezes como convidado, na fase romântica).
Após ter lançado 17 álbuns e somar 186 músicas gravadas, o florense conta que a carreira desacelerou aos poucos, conforme optou por ter mais tempo para cuidar dos três filhos. Em Flores da Cunha, Paulo Roberto apresenta um programa na rádio Amizade FM às sextas-feiras, além de administrar uma pastelaria, que atende padarias e mercados locais. Sente falta dos tempos mais midiáticos de sua carreira, mas sabe que aproveitou ao máximo:
- Tenho saudade daquele grande público de antigamente. Eu rejuvenesço quando estou no palco. É muito gratificante ver o público te responder com a mesma energia que tu entregas. Não tem explicação tu entrar na cabeça das pessoas que durante a semana tiveram os seus momentos de estresse, mas que naquele momento elas estão ali recebendo a tua energia e tendo um momento de alegria.
Com suas músicas espalhadas pelo YouTube e pelo Spotify, Paulo Roberto continua fazendo shows e se comunicando com os fãs pelo Instagram, onde soma mais de 50 mil seguidores, mesmo tendo criado a conta há apenas dois anos. O perfil é paulo_robertocantor.
Luigi Mangini volta a cantar por uma causa
Também um fenômeno de popularidade na primeira década deste século, surfando na onda da música Dance com hits como Noite de Festa e Cinco da Manhã, o cantor caxiense Luigi Mangini teve a carreira musical interrompida por problemas de saúde. Foi uma década parado até ressurgir a motivação a voltar aos palcos e aos estúdios para uma nova fase artística e também de vida, como ativista em prol da população PcD.
Pai de Bella, uma menina com síndrome de down, Mangini conta que a filha teve uma evolução no tratamento com a fonoaudióloga quando passou a escutar e tentar cantar junto algumas das músicas do pai. Além do impulso para voltar a cantar, ser um batalhador pelos direitos das pessoas com deficiência se tornou a grande causa para a atual fase madura da vida de Mangini, cuja presença nas redes sociais é expressiva: são mais de 900 mil seguidores no perfil @luigimanginifenomeno, pelo qual se comunica com os fãs.
Por estar bastante envolvido na campanha política do candidato que apoia em São Paulo, onde está radicado atualmente, Mangini preferiu não conceder entrevista para essa reportagem, mas deixou um aviso aos fãs caxienses. Em janeiro, ele virá a Caxias do Sul para cantar em um evento promovido pelo Frei Jaime Bettega, em prol da comunidade PcD.