O grupo caxiense Miseri Coloni, com mais de 40 anos de experiência nos palcos, vai abordar em cena os conflitos regionais e internacionais que resultaram em inúmeras proibições e censuras aos imigrantes italianos na Serra gaúcha, entre os anos de 1920 e 1930. A peça Miseri Coloni dá Voz ao Silêncio estreia nesta quarta-feira (11), às 20h, no UCS Teatro, em Caxias do Sul.
A apresentação é o pontapé inicial das celebrações dos 150 anos da Imigração Italiana, a ser comemorada em 2025. Todos os ingressos da estreia estão esgotados. O grupo revela que em janeiro do ano que vem abrirá novas sessões.
O regresso temporal da peça Miseri Coloni dá Voz ao Silêncio se sustenta por pesquisa histórica e recriações de personagens importantes para a cultura italiana na região no período em foi celebrado o cinquentenário da imigração. Um dos personagens é Nanetto Pipetta, idealizado pelo frei capuchinho Aquiles Bernardi.
A estreia da saga do Nanetto, que personificou o desejo dos imigrantes pela mítica cocanha, a terra da fartura infinita, ocorreu em 23 de janeiro de 1924, no jornal Staffetta Riograndense, editado originalmente na região de Garibaldi. Suas histórias foram publicadas até 18 de fevereiro de 1925, quando também passou pelo que hoje se chama de silenciamento.
— O resgate do personagem e o trabalho que ele pode fazer em prol dessa cultura é muito grande. Por isso que nesse espetáculo se retoma essa história do Nanetto, porque ele surgiu nos anos 1920, que foi uma década de conflitos — destaca João Wianey Tonus, responsável pela pesquisa histórica da peça Miseri Coloni dá Voz ao Silêncio, e um dos fundadores do grupo.
Pano de fundo histórico
Entres os conflitos que resultam nesse pano de fundo histórico, repletos de tensões e com impactos diretos à vida dos moradores da Serra, estão as disputas entre Maragatos e Ximangos, no Rio Grande do Sul, e a ascensão do fascismo na Itália, que resultou no início da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945). Segundo Tonus, a pretensão do espetáculo é ressignificar esse período.
— O foco do espetáculo é lembrar o que aconteceu nos anos 1920, quando se quis comemorar os 50 anos (de imigração italiana). E foram comemorados com muita festa, exposições agroindustriais em Porto Alegre, comemorações nos municípios do interior durante o ano todo. Mas, um pouco distante da vontade e do que realmente os agricultores (imigrantes) sentiam, porque, principalmente nos primeiros 20, 30 anos (de imigração) eles sofreram muito — explica Tonus.
O espetáculo se utiliza da poética do teatro documentário. É uma narrativa contada por meio do canto, sombras, máscaras, depoimentos reais e projeções de documentos e imagens. Além disso, a língua utilizada para essa narrativa é o Talian, reconhecida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em 2014, passando a fazer parte do Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL).
— A identidade se sustenta em cima da língua dessa cultura, seja italiana, alemã, polonesa, japonesa. Então, o traço forte cultural é transmitido pela língua do grupo, da comunidade — diz Tonus, um dos defensores da preservação do Talian, no Brasil.
Costura entre ficção e realidade
Além do icônico personagem do Staffetta Riograndense, o texto da peça do Miseri dá voz a que foi silenciado naquele período. Inclusive, em 1937, foi decretada a proibição de se falar italiano, também um elemento simbólico para o apagamento cultural.
Uma das histórias retratadas no espetáculo e, que traz à luz da cena as cicatrizes daquela época, é o pranto de uma mãe que perde os filhos. Nesse trecho será relatada a história de Maria Novello (rebatizada de Marieta, no espetáculo). A triste canção sobre a dor dela, na verdade, é uma adaptação de uma composição popular da Europa a favor do antimilitarismo, o que remontaria ao genocídio da guerra.
A versão caxiense traz o lamento da mãe dos irmãos Pedro, 16 anos, e José Biondo, 18, dois agricultores que moravam em Fazenda Souza e foram mortos a tiros pela Brigada Militar (BM) na saída de uma missa, em 1923, um período de instabilidade provocada pela revolta armada liderada por Joaquim Francisco de Assis Brasil, que pretendia derrubar o presidente do Estado, Borges de Medeiros.
Segundo o diretor cênico da peça, Fábio Cuelli, há também outros depoimentos colhidos com o próprio elenco que acabaram sendo incorporados ao texto.
— O espetáculo tem essa dinâmica entre cenas cômicas, profundas, emocionantes e os depoimentos. Eu acredito que está bem diversificado nas emoções. Em uma 1h20min o pessoal não vai ter um tédio de emoção, vai poder passear por várias sensações — promete Cuelli.
Programa da peça em formato de jornal
Quem for assistir ao espetáculo receberá uma cópia da edição do dia 23 de janeiro de 1924 do jornal Staffetta Riograndense, publicado em Caxias do Sul. A capa do periódico foi mantida graças a digitalização e mescla textos em Talian e Língua Portuguesa. Na segunda página há algumas das histórias que estarão presentes em Miseri Coloni dá Voz ao Silêncio. Na terceira, a primeira aventura de Nanetto Pipetta é republicada na íntegra, além das letras de todas as canções do espetáculo. Na contracapa é possível conferir a ficha técnica da peça.
Ficha técnica
- Direção Cênica: Fábio Cuelli.
- Direção Musical: Cibele Tedesco.
- Direção de Produção: Clerí Ana Pelizza.
- Pesquisa Histórica: Jorge Rein e João Wianey Tonus.
- Elenco: Cibele Tedesco, Clerí Ana Pelizza, Edu Seggabi, Elda Restelatto, Helenita Fontana, João Wianey Tonus, Juliana Soprano, Luana Marasca, Magali Quadros, Marco Antonio da Silva, Marcos Antonio Pilatti, Nádia Maria De Carli Vieira, Nêmora Hoff, Nícolas Fenner, Paulo Lazzaretti, Rodrigo Vezzaro.
- Iluminação e operação de luz: Luiz Acosta.
- Figurinos: Magali Quadros.
- Cenografia e elementos cênicos: Magali Quadros, Luiz Acosta e Miseri Coloni.
- Máscaras: Fábio Cuelli.
- Vídeos: TranseLab – Andre Costantin, Daniel Herrera e Nicolas Mabília.
Programe-se
- O quê: "Miseri Coloni Dá Voz ao Silêncio", espetáculo do grupo caxiense Miseri Coloni.
- Quando: Quarta-feira (11), às 20h.
- Onde: UCS Teatro (Campus Sede).
- Quanto: A entrada é gratuita. Não há mais ingressos disponíveis para a sessão de estreia.