Em três recipientes sobre a mesa redonda, mãos pequenas e habilidosas despejam um líquido rosa de um para o outro, com o auxílio de uma concha. Na mesa ao lado, dentro de um pote, a água e a massinha são misturadas com concentração. Os olhares dos adultos, que observam de longe, parecem não entender o que está sendo feito, mas para a gurizada da Cataventura Escola Infantil, de Caxias do Sul, aquele é um trabalho importante e que exige total dedicação. A escola aplica o método montessoriano, em que cada um dos 43 alunos têm autonomia para usar o ambiente escolar como forma de explorar o mundo e descobrir como interagir com ele.
Criado por Maria Montessori, em 1937 na Itália, o modelo de educação coloca as crianças no centro do próprio conhecimento (saiba mais abaixo). Na escola de Caxias, o método é usado há seis anos. No local, cada um pode escolher o que fazer dentro das possibilidades de aprendizagem que são oferecidas como culinária, biologia, musicalização, idiomas, arte, yoga e meditação, filosofia e faz de conta.
Como o ensino é centrado nas crianças, os educadores comumente procuram ocupar os ambientes de forma que fiquem na mesma altura dos pequenos, para conversas olho no olho. Além dos brinquedos coloridos, comuns nas mais diversas escolas infantis, o ambiente da Cataventura é decorado com sofás, mesas, cadeiras e até mesmo pias de cozinha na altura dos pequenos.
— As crianças são convidadas a participar ativamente de todas as etapas de modo que essa aprendizagem se torne significativa e estimule habilidades importantes para uma vida de qualidade. Assim, elas aprendem sobre auto cuidado pessoal, como assoar o nariz, vestir as próprias roupas, expressar emoções e os próprios limites, além de cuidados com o ambiente, como guardar o material que utilizam, lavar a louça do almoço, preparar lanches, e cuidados com o outro, como auxiliar as crianças menores, ensinar sobre o que já sabem, respeitar as necessidades das outras crianças, resolver os conflitos com diálogo e proteger a natureza — explica a diretora Laina Brambatti, mestre em Filosofia/Ética pela UCS.
Para que desenvolvam as habilidades mencionadas pela diretora, os pequenos são ensinados a fazer atividades por conta própria, de acordo com a idade e habilidade que possuem. O local ensina estudantes de 18 meses a seis anos. Além disso, lavar quando necessário e guardar os materiais depois de usá-los estão entre os ensinamentos que contribuem para que aprendam lições sobre responsabilidade e independência.
A iniciativa de deixar os pequenos expressarem as próprias emoções está atrelada a um pedido feito aos pais, para que deixem os filhos escolherem as próprias roupas. A ideia, desafiante para os pais e divertida para as crianças, acaba se tornando em um ambiente ainda mais lúdico. Conforme a diretora, a saia de tule usada por uma das meninas e o vestido de Chapeuzinho Vermelho, usado por outra, contribuem para que cada aluno construa, aos poucos, a própria identidade.
Desenvolvimento a partir do ensino guiado
O método de ensino montessoriano é um incentivo direto no futuro das crianças, de acordo com Karen Cristina Rech Braun, psicóloga clínica especializada em Infância e Adolescência, professora do curso de Psicologia da UCS e Coordenadora do curso de Psicologia do Campus da Região das Hortênsias.
Conforme ela explica, nos estágios iniciais da educação de um ser humano o desenvolvimento ocorre de maneira física, cognitiva e psicológica. Por este motivo, métodos de ensino que incentivem a exploração das crianças de maneira autônoma e ativa, contribuem para que elas desenvolvam habilidades por conta própria.
— É importante dizer que esse método de ensino não é aleatório ou completamente livre. É um método guiado, em que as crianças recebem a oportunidade da autonomia e a liberdade de escolha, mas têm educadores prestando orientações e cuidando de cada um. Ou seja, as crianças têm as ferramentas para explorarem e cada escola que trabalha com métodos de ensino neste formato, escolhe com quais materiais trabalhar para contribuir com esse desenvolvimento — explica a psicóloga.
Karen afirma que tudo o que é vivenciado na infância permanece com cada pessoa. Por isso, os sensos de responsabilidade, autonomia, independência, colaboração e segurança ensinados na escola, podem contribuir para que as crianças se tornem pessoas confiantes e com boa autoestima.
— Elas se tornam autoras da própria história, não somente na educação, mas na vida. Elas internalizam os valores, relacionando isso a independência e autonomia. Além disso, são curiosas e buscam os próprios interesses. É uma chance de que, de fato, se tornem mais felizes ao longo da vida e que sejam adolescentes e adultos mais independentes, curiosos e autônomos — afirma a psicóloga.
De acordo com a diretora, a visão montessoriana acredita na criação de crianças felizes. Para que isso ocorra, é necessário o incentivo para que cada uma delas construa o próprio conhecimento a partir de experiências e descobertas de acordo com aquilo que sentem curiosidade em aprender.
— Acreditamos que pessoas felizes, autônomas e conscientes da realidade pessoal e do mundo. Pessoas assim são capazes de contribuir para um mundo de paz — defende Laina.
Dever de casa para os pais
Na escola de Caxias, além dos materiais em salas de aula, os estudantes podem aprender em um espaço equipado ao ar livre. No local, que tem espaço para que corram ou vivam aventuras na casinha de madeira, há uma horta onde aprendem a plantar e também esperar para colher. Segundo explica a diretora da escola, as atividades de culinária são feitas na escola com itens plantados pelos alunos na horta cultivada por eles.
Em diferentes ocasiões, contudo, os pequenos levam o fruto da colheita da horta para preparar os alimentos em casa. Para que ocorra essa interação, é essencial que haja um contato direto entre a escola e os pais de cada aluno. Conforme Laina, a cada dois meses os pais participam de uma reunião para que estejam a par de tudo o que os filhos estão aprendendo e de que forma estão se desenvolvendo.
Esse contato direto, enfatiza a psicóloga Karen, é essencial para dar continuidade dentro do ambiente familiar aquilo que os pequenos aprendem na escola. Entretanto, pode ser desafiador para os pais acompanhar essa rotina dos filhos.
— Muitos desses pais podem não ter tido esse mesmo método de educação, por isso é essencial que absorvam a ideia da proposta pela escola e deixem a criança fazer coisas que ela já consegue fazer sozinha. Claro, é essencial oferecer ajuda, mas até o ponto em que ela precisa. Muitas vezes os pais assumem aquela tarefa para otimizar o tempo, porque a criança faz em um tempo e os adultos em outro. Mas é essencial deixar a criança agir e estar conectada com a proposta do ensino que está sendo aplicado pela escola — conta a psicóloga.
Conforme Laina, os pais precisam estar preparados para respeitar a criança como sujeito que sente e tem voz. Além disso, é essencial que os pequenos convivam em um ambiente onde sintam segurança e pertencimento, estimulados em sua autonomia.
— Dessa forma eles se tornam capazes de investigar, criar hipóteses, buscar o saber, buscar alternativas para a resolução de problemas. Assim, sentem que são capazes e seguros diante dos desafios da vida, além de estabelecerem uma relação prazerosa com o saber. São curiosas, proativas e, consequentemente, tranquilas e capazes de diálogos complexos. Possuem maior senso de responsabilidade e respeito às diferenças — reforça Laina.
Autonomia e independência também em casa
Na casa de Marion Martinato e Felipe Neumann, pais de Lara, quatro anos, e Nina, dois, que estudam na escola, o aprendizado vivenciado pelas pequenas é aplicado no ambiente familiar. Conforme a mãe, o convívio diário com as meninas se tornou um aprendizado constante sobre a infância e sobre as próprias filhas.
— Para nós, ter um filho que estude em uma escola com esse método de ensino é um pouco difícil, porque a gente tem que estar sempre se desconstruindo e se reconstruindo. Ali existe uma filosofia de estudo e pedagogia aplicados. Eles veem as crianças de uma forma diferente, em que elas são o centro delas mesmas. O centro de aprendizagem surge a partir delas e não têm adultos dizendo o que deve ser feito, e, sim, são elas que manifestam o que precisam — conta Marion.
Além disso, a mãe percebe em atividades rotineiras a independência das meninas. Lara está na escola há dois anos, enquanto Nina está há 10 meses. Conforme Marion, entre as percepções que já teve sobre as duas, estão os olhares para si mesmas, sobre as próprias necessidades e sobre o que querem e o que não querem. O respeito sobre elas mesmas, faz com que todos em volta percebam quem elas são e as respeitem a partir da autonomia que manifestam.
Conforme a mãe, o método é uma forma de encontrarem o próprio caminho em sociedade a partir das próprias experiências. A autonomia e independência das meninas é percebida em atividades rotineiras, como calçar o próprio calçado, escolher a própria roupa e, em algumas situações, a mais velha tem vontade de arrumar a própria cama.
— Não é nada extraordinário, às vezes a Lara descasca banana, corta e coloca canela porque ela quer comer aquilo. A gente não espera que elas façam coisas que não são das idades delas, coisas surpreendentes, até porque nós preservamos bastante a infância, assim como a escola. Uma infância em que elas se sentem completas e não a extensão de outra pessoa — reconhece a mãe.
Para Marion, dentro do conceito de autonomia percebido nas filhas, está a segurança das duas. A mãe percebe que elas sabem dos próprios valores e que, quando conquistam algo novo, algo que elas julgam ser importante, ficam orgulhosas delas mesmas, sem esperar que alguém as parabenize.
Conheça Maria Montessori
Filha de Alessandro Montessori, oficial do Ministério das Finanças e Renilde Stoppani, Maria Montessori nasceu na Itália, em agosto de 1870. Tornou-se médica pela Sapienza University of Rome e foi uma das primeiras mulheres a se formar em medicina na Itália. Dedicou a vida a desenvolver maneiras de ajudar crianças confinadas em hospícios, presas em reformatórios ou em nível de extrema pobreza. Para isso, escreveu cerca de 21 livros voltados para o ensino e desenvolvimento de crianças.
Método Montessori
Em 1937 Maria Montessori criou o "Método Montessori", acreditando que crianças de até seis anos têm mentes capazes de absorver tudo o que veem, a partir de ambientes criativos, desenvolvidos de acordo com a altura e a vontade deles e não dos adultos. O método respeita a personalidade, liberdade e individualidade de cada pessoa para estimular independência e autonomia.
Curiosidades
- Autonomia: ensino é aplicado de acordo com as vontades das próprias crianças;
- Estímulo: crianças são ensinadas com diferentes itens de aprendizado e não apenas brinquedos;
- Independência: crianças são ensinadas a fazer coisas básicas por conta própria, como calçar o calçado, limpar o que utilizam e guardar no lugar;
- Habilidades: Atividades são aplicadas para desenvolver habilidades como organização, senso crítico, autoconfiança e coordenação motora;
- Trabalho em equipe: Turmas são divididas em estudantes com idades mistas para estimular o trabalho em equipe e ensinar desde cedo o convívio com as diferenças;
- Troca de aprendizado: Crianças mais velhas aprendem a conviver com as mais novas, respeitar o tempo de aprendizado e ensinar aquilo que já aprenderam;
- O aprendizado é coisa séria: Cada atividade que executam é ensinada utilizando a palavra "trabalho", para que o uso da palavra "brincadeira" não diminua a importância daquilo que fazem.
Saiba mais
A escola Cataventura promove o curso A Criança na Visão Montessoriana. A formação, que inclui certificado e experiências com imersão nos ambientes da escola, vai ocorrer em quatro módulos de três horas, aos sábados.
As últimas aulas serão neste sábado e no dia 21 de outubro, das 8h30min às 12h, na Cataventura (Rua Padre João Schiavo, 880, bairro Petrópolis), em Caxias do Sul. Mais informações pelo WhatsApp para (54) 99242-0732.