Mario Sergio Cortella é um notório frasista. E disparou diversas na noite desta quinta-feira, em palestra no UCS Teatro. Frases e apontamentos que certamente devem ser postados e compartilhados pelas redes sociais. Graduado em Filosofia, mestre e doutor em Educação, é reconhecido como professor. Em 2024, completará cinquenta anos em sala de aula. Mas foi por causa da internet que se tornou o que ele mesmo chama de "intelectual público", ao lado dos colegas Leandro Karnal, Luiz Felipe Pondé e Clóvis de Barros Filho.
Durante a palestra, contou um causo que explica o tamanho de sua popularidade e por que não dizer, da visibilidade que tem trazido à Filosofia.
— Assim que meu avião pousou em Porto Alegre, eu saí na área de desembarque para encontrar uma pessoa que me traria até Caxias. Assim que eu desci, dois guris, ou como se diria no Paraná, dois piás, chegaram e falaram assim: "Podemos tirar uma foto com você"? Eu disse: "Tem certeza?". Eles falaram: "Sim". E eu perguntei: "De onde vocês me conhecem?". Eles falaram que era do Tik Tok. Eu tenho 2 milhões de seguidores no Tik Tok. Eu não faço dancinha. Eu falo de filosofia. É ponto de partida. Mas é aí que eles são seduzidos para buscar outras coisas. Eu só chego naqueles piás de 12, 13 anos, porque eu preciso me atualizar — explica Cortella, 69 anos.
Em 50 minutos cravados, como se estivesse em sala de aula, o professor Cortella conduziu a plateia a uma reflexão sobre o que leva as pessoas Da Oportunidade ao Êxito. Alguns dos apontamentos incisivos, outros bem-humoradas, como esse:
— Cuidado com gente que não tem dúvida. Gente que não tem dúvida, não cresce, não inova, não avança, só repete. Porque a dúvida bem colocada e bem estruturada favorece a certeza.
Confira a seguir, os principais pontos da palestra realizada no UCS Teatro:
Mario Quintana
— Estamos vivendo tempos que são mais complexos. E quando me lembro dos anos mais recentes, lembro de um título de um livro do Mario Quintana, de 1986, com o título genial de Baú de Espantos. Quintana, como todos sabem, é gaúcho nascido em Alegrete, que morreu com quase 88 anos e morreu solteiro. Aliás, ele tem a melhor frase para os não casados e sempre que perguntavam a ele por que não havia se casado, ele respondia: "Preferi deixar dezenas de mulheres esperançosas do que uma só desiludida". Quintana foi capaz de fazer aquilo que muitos nos auxiliam: a arte de nos fazer pensar. Mas de fato, os tempos mais recentes trazem essa situação do "baú de espantos".
Antoine de Saint-Exupéry
— No dia 29 de junho, se vivo estivesse, faria hoje 123 anos um dos escritores mais belos e, ao mesmo tempo, uma pessoa de uma importância genial na nossa composição literária que era Antoine de Saint-Exupéry. Ele produziu uma das histórias mais tocantes, O Pequeno Príncipe. Uma das coisas boas é que ele produziu uma obra não só no campo do que é a Literatura "Infantil", porque é um livro para crianças, no sentido de ponto de partida, mas não é infantil, de modo algum. Ele fez também uma obra no campo da aviação, porque era aviador. Mas lá no Pequeno Príncipe, entre tantas coisas que ele nos deixou, está uma frase que li ainda quando morava em Londrina, cidade onde nasci, ele escreveu que a gente tem de suportar duas ou três larvas para poder encontrar as borboletas. Isto é, não tem como os nossos passos na vida serem dados em direção daquilo que é o êxito sem que a gente tropece em circunstâncias que nem sempre desejamos.
Adriana Calcanhotto
— Onde estavam vocês em 31 de dezembro de 2019? Réveillon. Eu estava com Claudia, com quem sou casado, mais os filhos, netos e netas, comemorando a passagem do ano, e foi chegando a meia-noite e nós adultos brindamos com as taças, com espumantes aqui dessa região, e começamos a cantar: "Adeus ano velho, feliz ano novo". Quem diria que três meses depois, estaríamos desejando cantar: "Adeus ano novo, feliz ano velho". Afinal, quem imaginaria que do Réveillon de 2019 para 2020, teríamos o desejo por um ano novo que nos traria tanta turbulência, tanto sofrimento, tanta perturbação, em relação a nossa capacidade de vida coletiva. Aliás, lembra uma canção de uma cantora porto-alegrense cujo título ela tirou de uma das músicas mais bonitas que ela compôs, que começa dizendo: "Nada ficou no lugar". É maravilhoso, mas o título em si traz essa marca e que permite que a gente imagine que no mundo de turbulência, alteração e modificação, é preciso que a gente não deixe passar as oportunidade de mudança. Afinal, mudar é complicado. Mas acomodar é perecer.
Millôr Fernandes
— Há pessoas que passam a vida dizendo: "ah, no meu tempo", "ah, as coisas não são mais assim", "ah, as coisas estão mudando". E...? Interessante. Um dos autores que aprecio dentro da cultura brasileira, um homem genial, nascido no Rio de Janeiro, ele morreu em 2012, aos 88 anos, um homem chamado Millôr Fernandes. Como todos sabem ele era desenhista, ilustrador, escritor, tradutor, que traduziu obras maravilhosas como o Mario Quintana. Uma das coisas boas é que o Millôr morreu aos 88 anos, mas quando ele fez 80 ele disse algo que serve a vocês. Aos 80 anos ele escreveu: "Atenção moçada, quando eu disser no meu tempo eu quero dizer daqui 10 anos". Porque nosso tempo é o futuro, não porque nele estejamos, mas porque nele é que deveremos estar, de uma maneira que seja muito mais fértil, muito mais estruturada, muito mais exitosa. Para isso, claro, a gente precisa fincar nossas raízes, mas recusar o que nos imobiliza.
Anacronismo
— Quem está aqui e dirige já notou que o carro tem para-brisa e retrovisor. Mas você já notou que o retrovisor é menor do que o para-brisa? Porque passado é referência e não direção. Há pessoas que dirigem na vida, na carreira, na família, com um retrovisor imenso e um para-brisa pequeninho. E ficam dizendo: "ah, no meu tempo". Isso significa que você e eu não podemos nos tornar fora do tempo, ou seja, anacrônicos. Eu Cortella, que sou professor de Filosofia. Eu ensino gente que morreu há 2,5 mil anos, tenho de cuidar para não ficar fora do tempo. Como faço isso com um menino que nasceu em 2003, 2004, 2005? Eu tenho de encantá-lo, mas tenho de encantá-lo e chegar até ele a partir das coisas que ele vivencia desde agora. Não posso perder a oportunidade de aprender aquilo que toca aquele menino e aquela menina. E isso vale para várias coisas.
Tradição
— Eu ensino Platão e Aristóteles, são pensadores antigos, não são velhos, se ele fossem velhos a gente estava descartando-os. Museu não é lugar de coisa velha. Lugar de coisa velha é lixo e reciclagem. Museu é lugar de coisa antiga. A tradição, que é uma coisa que importa muito no Rio Grande do Sul, é algo antigo, que você não quer que envelheça. Por isso, em cada lugar que vai um gaúcho ele funda um CTG. Pra quê? Só pra comer carne e dançar vanerão? Não! Porque você quer preservar algumas coisas. Nesse sentido, quando se fala em mudança, não é mudar tudo, é mudar o que perdeu vitalidade. A humildade me obriga isso.
Discordar e respeitar
— Cuidado com gente que concorda com você. Gente que concorda com você o tempo todo ou não gosta de você, ou não te respeita ou está se preparando para te derrubar. Gente que gosta de você e te respeita, discorda de você quando necessário. Claro que você não pode conviver com quem só discorda de você. É insuportável! Mas quando você não está nem aí com a outra pessoa, você nem se dá ao trabalho de discordar. Preste atenção em quem discorda de você. Porque a pessoa que discorda de você pode um dia te ajudar a construir uma oportunidade. Um adversário fraco te enfraquece, um concorrente burro te emburrece, uma oposição frágil, fragiliza o governo.
Oportunidade
— Os romanos, na Antiguidade, gostavam de dar nome aos ventos da navegação. E pra eles, o vento mais importante era "o que levava o navio em direção ao porto". E esse vento era chamado de "ob portus", em latim. É daqui que vem a palavra oportuno, oportunidade, em vários idiomas, inclusive no nosso. O que é o vento que leva o navio ao porto? É um vento favorável. Em latim, "portus", é tanto usado para porto quanto para porta. O que é um porto ou uma porta? É uma saída. A única coisa que impede um isolamento é quando você acha uma saída. Por isso, o vento oportuno, ou seja, a oportunidade, é o que te leva à saída. Como é saída em grego antigo? Saída em grego antigo é até nome de livro bíblico: "éksodos", ou seja, Êxodo, que gerou a palavra em inglês "exit". Isto é, saída. Porque o sucesso é encontrar uma saída. E a saída você acha quando encontra um vento oportuno. O bom navegador não espera o vento, ele vem atrás.
São Beda, o Venerável
— Eu gosto muito e sempre que posso repito as lições trazidas por um homem do século 8º, um britânico chamado Beda, o Venerável. Alguns do mundo ortodoxo anglicano o chamam de São Beda. Ele é o único britânico considerado doutor da Igreja Católica. Ele dizia que há três caminhos para o fracasso: "não ensinar o que se sabe, não praticar o que se ensina e não perguntar o que se ignora". Vamos inverter. Há três caminhos para o êxito: ensinar o que se sabe (isto é, generosidade mental), praticar o que se ensina (ou seja, coerência ética), e perguntar o que se ignora (isto é, humildade intelectual). Essas são três trilhas virtuosas para o êxito: generosidade mental, coerência ética e humildade intelectual.