Luiz Felipe Pondé, doutor em filosofia pela USP, é escritor e ensaísta, autor de Dez Mandamentos e Marketing Existencial. Seus textos na Folha de S. Paulo são observações ácidas e provocadoras do cenário político brasileiro.
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Nesta entrevista, concedida ao Pioneiro, por telefone, Pondé arrisca dizer que Bolsonaro é tão provocador quanto o ator e diretor José Celso Martinez Corrêa, um dos fundadores do Teatro Oficina. Naturalmente, é uma provocação para ambos os lados, mas principalmente ao que chama de esquerda festiva, que enxerga em Zé Celso um dos ícones da contracultura no país, sobretudo a partir do período da Ditadura Militar.
Quando perguntado se as declarações de Bolsonaro são parte da cena, para seguir no âmbito teatral, abordado por Pondé, ele é taxativo:
— Isso não é mise-en-scène (encenação), o Bolsonaro crê em tudo que fala. Não estamos na Guerra Fria, nem temos pauta militarista, mas ele gosta de falar de torturador. É claro que é um horror. Mas quanto mais a esquerda responder à isso, mais o Bolsonaro vai falar.
Leia a seguir, a entrevista com Luiz Felipe Pondé.
Almanaque: Como definir o conservadorismo?
Luiz Felipe Pondé: Primeiro, gostaria de esclarecer que o debate conservador versus progressista é empobrecido e não me interessa. O termo surge para se referir às pessoas que se diziam contra a Revolução Francesa e que queriam a volta da Monarquia. Mas o pensamento conservador, no sentido filosófico, nasce na Inglaterra e tem origem em um ceticismo pela política. O conservador, em geral, entende que só pode mudar coisas a partir de situações concretas e não a partir de uma visão de mundo.
Por que este debate tem sido empobrecido?
A palavra atrapalha a compreensão, porque as pessoas naturalmente são conservadoras com aquilo que valorizam. E todo mundo tem algo que valoriza e quer conservar. Algumas pessoas ouvem a palavra conservador e parece falar de algum louco, tarado, fanático que quer colocar a mulher na cozinha. É esse tipo de assunto que não me interessa. Bem como a ideia de que a tradição filosófica conservadora é de pessoas contra as mudanças e a favor do pobre continuar pobre e de quem é racista. Essa discussão empobrecida só serve ao debate das redes sociais.
O presidente Bolsonaro seria que tipo de conservador?
Bolsonaro pra mim é um Zé Celso (José Celso Martinez Corrêa, um dos fundadores do Teatro Oficina) com sinal trocado. Quanto mais as pessoas se revelam politicamente corretas e chatas, mais forte ele fica. O Bolsonaro retira sua força da chatice da discussão entre os conservadores e a chatice do politicamente correto dessa esquerda que soa como conversinha de aluno de Humanas. É uma metáfora falar do Zé Celso, porque ele escandalizou a burguesia e mostrava a bunda em cena, enquanto que o Bolsonaro escandaliza a esquerda politicamente correta, e seu debate chatinho de gente da Vila Madalena (bairro de São Paulo). O Bolsonaro, como o Zé Celso, chuta o balde.
Quem é o inimigo oculto da direita?
Essa direita bolsonarista pensa que seus inimigos são os gays, os trans, os comunistas, os professores comunistas, os sindicalistas.
A esquerda diz que o discurso do Bolsonaro assusta. Em que medida isso é real?
Assusta primeiro as pessoas que têm sensibilidade pelo politicamente correto. Assusta menos a elite liberal, mas essa direita limpinha (de Higienópolis, zona oeste de São Paulo) não gosta de ser confundida com gente grossa como o Bolsonaro. Até agora, o Bolsonaro fez muito barulho. E assim ele vai indo, aprovando uma reforminha aqui e outra ali, mas a agenda de costumes dele é bem tacanha e enche o saco. Particularmente, não acho que o Bolsonaro vai instaurar uma perseguição aos gays e aos negros, mas ele poderá ter problema com os indígenas e com os defensores do meio ambiente.
Bolsonaro diz que luta contra o comunismo no Brasil. Ainda existe o comunista raiz?
Tem partido comunista no Brasil, não tem? A Manuela D'Ávila foi candidata pelo PCdoB. E tem o PSTU que também se diz comunista. É uma piada. Mas é nesse sentido que o Bolsonaro responde e fala da esquerdalha e de que os comunistas querem tomar o país. Se o Bolsonaro é ridículo, o Partido Comunista do Brasil é tão ridículo como ele.
E o PT?
Não acho que o PT seja comunista, é um partido de centro esquerda que se corrompeu. Muitos acharam que o PT ia salvar o Brasil, mas o partido colocou o país no buraco.
E o PSDB?
O PSDB no poder era centro esquerda, mas agora virou direita limpinha com Doria (João Doria, Governador de São Paulo). Mas o PSDB é mais simpático com o Lula do que com o Bolsonaro. O PSDB é o PT com diploma da Sorbonne (mais tradicional universidade francesa). A única coisa que presta nesse país, e ninguém mais lembra, foi o Plano Real. Os jovens hoje só falam besteira, eles não têm ideia, mas o Plano Real salvou o país.
E como explicar a diferença sutil entre os nomes do partidos que têm se apresentado de forma antagônica, PSL (Partido Social Liberal) e PSOL (Partido Socialismo e Liberdade)?
No dia a dia, as pessoas estão preocupadas em nascer, em morrer, em casar e se separar, em fazer inventário. Ninguém está pensando em política no cotidiano. Quando o jornalista sai na rua para entrevistar as pessoas, elas fazem críticas, se posicionam, porque é bonito dizer que está interessado. Quem se interessa por esse assunto é cientista político, filósofo, jornalista e político profissional. Quanto aos nomes desses partidos citados, o que importa para as pessoas é quem vai ganhar a eleição.
É coerente pensar que os movimentos da esquerda observam e denunciam as mazelas da sociedades, os da direita minimizam os problemas e consequências e depositam o ônus dessas mazelas na esquerda? E que é o pessoal do centro que toma a responsabilidade pra si e atua para resolver?
Parece meio esquemático. Se o centro for o Maia (Rodrigo Maia, deputado federal pelo Democratas e presidente da Câmara), e se pensar que enquanto o Bolsonaro fala merda e a esquerda fica com mimimi, o Maia vai lá e aprova a Reforma da Previdência, nesse esquema pode funcionar, às vezes. Agora, não há dúvida de que a esquerda se especializou em apontar o dedo e sempre foi boa pra gastar o dinheiro dos outros.
A esquerda perdeu o rumo?
A esquerda no Brasil perdeu o foco. Quem inventou a polarização foi o PT, inventou essa arrogância de que eram especiais como uma virgem. Mas os sindicatos deixam qualquer profissional do sexo vermelha de vergonha. O PT achou que iria governar 500 anos, mas tomou um susto na segunda eleição da Dilma, e quase perdeu para o Aécio Neves (PSDB), tomou outro susto no impeachment. Mas eu acho que essa briga não está terminada, porque o PT é muito orgânico e organizado, o problema é que está sem dinheiro. A esquerda gosta de se mostrar, é tudo frufru discutindo sociedade. Na frente do Lenin (Vladimir Ilyich Ulyanov, mais conhecido por Lenin, revolucionário comunista), essa gente toda da esquerda faria xixi na calça. Lenin colocaria metade dessa esquerda no Gulag (campos de trabalhos forçados para opositores do regime soviético) para aprender a ser revolucionário.
Qual o perfil ideal de presidente para o Brasil?
O Brasil ficaria melhor com o Alckmin (Geraldo Alckmin, Governador de São Paulo por dois mandatos), não porque ele é o Salvador da Pátria, mas ele é um cara que conhece a máquina pública e passou bem pelos governos de São Paulo. O Alckmin é um sujeito meio chuchu, sem muito carisma, e isso é até bom, eu acho. Porque o cara tem de trabalhar, não precisa ter carisma.
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