Resultado de erupções vulcânicas cuja mais recente data de 60 milhões de anos, o basalto foi a pedra que os imigrantes italianos que chegaram à Serra utilizaram para fazer suas primeiras moradias, no final do século 19. E, assim como ocorre desde os primórdios da humanidade, tão logo foi superada a questão de garantir a sobrevivência, passou-se a fazer da pedra não só ferramenta, mas também a arte que eterniza o legado da atividade humana no planeta.
– Quando a humanidade acabar, as esculturas vão poder contar para os próximos que chegaram que estivemos aqui – brinca a coordenadora do 5º Simpósio Internacional de Escultores, Ângela Martins.
Os artistas que até o final de janeiro estarão reunidos no Hotel Dall’ Onder, em Bento Gonçalves, são unânimes ao dizer que transformar em arte blocos de basalto, granito ou mármore é um trabalho que precisa ser feito com paixão. Não é por dinheiro ou fama que passam horas incontáveis, muitas vezes ininterruptas batendo martelo, serrando e lixado incessantemente com a esmerilhadeira, a fim de dar à pedra a forma sonhada ou imaginada, que com menos esforço poderia ser desenhada ou pintada numa tela.
É a paixão pelas pedras que explica a razão de Mauri Menegotto, 57, ter deixado um emprego estável em Farroupilha para viver das artes plásticas. O escultor bento-gonçalvense, que gosta de percorrer prédios em construção atrás de matéria-prima para suas esculturas de menor porte, é o único brasileiro selecionado para o simpósio que ocorre no Hotel Dall’Onder, após quatro edições atuando como auxiliar de escultores estrangeiros.
– O basalto tem a peculiaridade de oferecer uma grande diversidade de cores numa distância bastante curta, e por isso é fascinante. A pedra convida o escultor a resolver a sua escultura conforme a sua cor. Aqui em Bento podemos encontrar a pedra preta, a pedra vermelha, a pedra cinza ou a multicolorida. Para nós que somos da região, é uma pedra bairrista – diverte-se o aprendiz do mago do basalto João Bez Batti, com quem trabalhou por 17 anos em seu atelier nos Caminhos de Pedra, no interior de Bento.
As esculturas que o público pode ver surgir durante o simpósio serão posteriormente transportadas para o Parque Domadores de Pedra, museu a céu aberto instalado num dos lotes dos Caminhos de Pedra. Vindos de 10 países diferentes, os participantes foram escolhidos pelo curador Kemal Tufan, artista turco que tem entre suas principais obras a primeira escultura submarina que se tem notícia no mundo – a figura de um tubarão esculpida em mármore a sete metros de profundidade, no seu país de origem.
Tão disposto quanto bem-humorado, Tufan comenta que o simpósio realizado em Bento tem potencial para estar na primeira prateleira dos eventos deste segmento no mundo. Talvez não pelo tamanho, mas sim pela qualidade dos artistas que atrai a cada nova edição, desde 2012. Uma peculiaridade, explica, é a utilização de pedras que são extraídas da própria região.
– É muito interessante o fato de haver pedreiras de basalto tão próximas. Em 10 minutos o artista vai lá e escolhe a pedra em que vai trabalhar, e se der algum problema pode ir lá e escolher outra. Isso é algo incomum. Normalmente o artista envia o projeto, a pedra é encomendada pela organização do evento, e pode viajar mais de 300 quilômetros até o local onde ele vai trabalhar. E normalmente o escultor ainda precisa adaptar o projeto à pedra que recebe – diz.
Tufan, que esteve na edição passada do simpósio, em 2016, como escultor participante, observa que o basalto é um tipo de pedra mais difícil de trabalhar do que o granito ou o mármore:
– (O basalto) é uma pedra dura, não é fácil trabalhar com ela. Nem todo artista consegue. Muitos escultores são mais acostumados a utilizar o mármore, que é uma pedra mais leve. Uma pedra mais dura exige técnicas diferentes, ferramentas diferentes e também mais experiência.
Um dos representantes da América Latina no simpósio, que também tem artistas do Japão, da Hungria, da Letônia e da Costa Rica, entre outras nacionalidades, o escultor peruano Aldo Shiroma Uza, conhecido por suas representações de animais inspiradas no universo lúdicos dos desenhos animados, comenta que o charme do simpósio está no convívio entre culturas tão diferentes:
– Também faz parte do que é um simpósio a mescla de idiomas e de tentar um entendimento que supere essas barreiras. O que mais importa é que todos fazemos o nosso trabalho com a mesma paixão e a mesma disposição para ajudar o outro, para trocar com o outro. São artistas muito abertos e bons de conviver.
É sobre pensar à frente
Tal qual o escultor precisa ser, o mentor do simpósio e do parque de esculturas é um visionário. O empresário Tarcísio Michelon, gênio criativo por trás do próprio roteiro Caminhos de Pedra e outras iniciativas e empreendimentos que deram a Bento Gonçalves seu atual status no turismo nacional, considera que a escultura em pedra dialoga com a história da região. Não apenas por ser um dos locais de maior ocorrência de basalto no Brasil, mas pelo uso que os imigrantes fizeram desta pedra, especialmente.
– Escultor é uma das 70 profissões que vieram com os nossos antepassados da Europa e com certeza é uma das mais espetaculares. Com eles descobrimos que uma simples pedra pode se tornar uma escultura que vai durar pra sempre – diz.
Para o empresário, o fato do Parque Domadores de Pedra ser um raro caso de parque de esculturas de grande porte privado no mundo faz com que os escultores tenham um apreço ainda maior pelo espaço e pelo simpósio:
– O escultor quer mostrar a sua arte e eles valorizam muito o local onde a escultura vai ficar para a eternidade, porque damos essa garantia. Eles veem que o nosso parque talvez seja um dos poucos parques privados do mundo, e que por isso não depende da gestão política gostar de um lado e não gostar do outro. Isso faz com que eles queiram deixar o melhor deles aqui.
Tão apaixonado pelo turismo quanto pela cultura, Michelon é desses homens que percebem que o ser humano fica melhor quando está em contato com a arte. Foi com isso em mente que criou o Instituto Tarcísio Michelon, que ensina música gratuitamente e mantém uma orquestra para crianças e adolescentes de Bento. Ao fazer surgir o Parque Domadores de Pedra, o empresário garantiu, com documento assinado em cartório, que pelo período de 20 anos todos os recursos gerados pelo parque, através da cobrança de ingressos, será destinado a manutenção das atividades do Instituto.