Desconstrução pode ser uma das palavras-chave para entender o projeto Em Possíveis [des] rotas, da psicóloga pradense Mônica Restelatto. Ao mesmo tempo em que o trabalho, lançado em livro na última semana de setembro, busca desconstruir mitos formadores da rota turística de Antônio Prado, baseado no que a autora defende ser uma visão excludente da sociedade local e da própria imigração italiana – onde o que não é contado e mostrado como parte da rota é tornado invisível – o percurso da pesquisa também é uma desconstrução do modo de fazer acadêmico, que merece ser contada.
Em 2015, um mês após se formar em Psicologia pela UCS, Mônica sofreu um acidente que a deixou tetraplégica. Para poder dar continuidade à sua formação, no mestrado ela contou com a ajuda do grupo de pesquisa da qual participa, o Adesloucar-se!, coordenado pela professora Luciene Jung Campos. A dissertação, ao invés de dezenas de páginas de texto, consistiu em uma caixa com colagens, montagens, recortes, fotografias e outros objetos que sintetizaram sua pesquisa no campo do turismo, sob o olhar da psicanálise.
– Foi um trabalho lindo, de muita parceria com o Programa de Pós-Graduação em Turismo e Hospitalidade, no qual foram pensadas novas possibilidades de se apresentar uma pesquisa acadêmica, a partir da dificuldade que passei a ter de construir um texto digitado. O livro, além de trazer em imagens o conteúdo da caixa, conta com textos de pessoas que participaram do projeto, misturando teoria e arte. É uma forma de trazer essa reflexão também para fora do ambiente acadêmico, onde muitos trabalhos não têm a visibilidade que merecem – conta Mônica, que é psicóloga clínica e trabalha com atendimento online.
A pesquisa de Mônica parte de uma análise das tradicionais bonecas feitas de palha de milho, a fim de compreender – e então fazer a crítica artística – os símbolos que constroem a rota turística da “cidade mais italiana do Brasil”. Trata-se de uma escuta de discursos silenciados para sugerir, por fim, uma autoanálise não apenas a Antônio Prado, mas a qualquer município que pegue apenas um lado da história para se mostrar ao mundo:
– A boneca de palha de milho é a principal materialidade que eu analiso. Ao visualizá-la, começo a pensar: que mulher é essa? E a mulher que não é essa, onde está? E faço então essa pergunta ao analisar todo o discurso da rota italiana e o que fica de fora dela: desde os locais que não são mostrados até as personagens que não são o homem branco, velho, rico e descendente de italianos. Onde está o negro, o deficiente, o LGBT+?
O projeto foi viabilizado pelo edital Criação e Formação Diversidades das Culturas, da Fundação Marcopolo, com recursos da Lei Aldir Blanc. O livro pode ser adquirido no site da editora Pontes, a R$ 80. A autora também está em contato com bibliotecas municipais do Estado para doação da obra.