Por décadas, ser DJ era visto como um passatempo, restrito às chamadas festas de garagem, eventos locais e encontros de amigos. No entanto, nos últimos anos, o cenário da música eletrônica e a cultura de discoteca passaram por uma profunda transformação: o que antes era apenas diversão, vem se tornando uma profissão respeitada, com espaço para crescimento, reconhecimento e, claro, retorno financeiro.
Atualmente, os DJs não são apenas animadores de festas, mas verdadeiros artistas, produtores musicais e empreendedores. A profissionalização no setor se intensificou e muitos buscam qualificação em áreas como produção musical, marketing digital, gestão de carreira e técnicas avançadas de mixagem.
A busca pela formação em escolas de música, oficinas e cursos online tornou-se essencial. A Academia Internacional de Música Eletrônica (Aimec), maior rede de escolas de DJs do país, com sete unidades espalhadas pelo Brasil — sendo uma no Rio Grande do Sul —, e uma unidade na Europa, aponta que, nos últimos oito anos, houve um aumento do interesse pela profissionalização na área.
De acordo com o DJ Douglas Delgado, 33 anos, gerente da unidade da Aimec em Porto Alegre, antes da pandemia de covid-19, a instituição, que está no Estado desde 2009, formava cerca de 150 profissionais por ano. Atualmente, ainda no ritmo de voltar à normalidade do período pré-pandemia, em torno de 60 alunos são formados anualmente.
— Muitas pessoas que buscam o curso por hobby acabam vendo uma oportunidade de profissionalização, pois o curso vai do básico ao avançado. Então, mesmo que a pessoa busque por hobby, ela vai saber desempenhar a função de um profissional, por isso acontece essa virada de chave na mentalidade dos alunos, e isso é muito gratificante — conta Delgado, que é DJ desde 2008.
Esse interesse pela profissionalização também se dá por um fator muito importante: os avanços da tecnologia ao longo dos anos, tornando mais fácil o aprendizado. Por serem muito caros e de difícil acesso, Delgado destaca que, no passado, os profissionais tinham acesso aos equipamentos apenas na hora de tocar em uma festa, com uma rápida instrução sobre eles.
— Só tinha como aprender com a festa acontecendo. Com a tecnologia de hoje, existem equipamentos que conectam no notebook e a pessoa já consegue tocar em eventos menores. Assim, ficou muito mais acessível. Isso ajudou a democratizar o trabalho do DJ e, à medida que a pessoa vai crescendo como artista, ela vai buscando melhorar a apresentação e aí busca a profissionalização — sintetiza.
Estudar, aprender e entregar o melhor ao público
Provando que dedicação e profissionalismo podem abrir portas, Natanael Stopassola, o DJ Merkant, transformou sua paixão pela música em uma carreira sólida, mostrando que ser DJ requer dedicação, estudo e entendimento do público.
Fascinado por música desde a infância, ainda criança começou a gravar em fita cassete as canções que ouvia em emissoras de rádio, criando assim suas próprias seleções. Tornar-se DJ foi meio “sem querer”, lembra Merkant.
A primeira festa que ele animou foi a própria formatura do Ensino Fundamental da Escola Galópolis, em 2008, quando tinha 14 anos.
— Pela primeira vez eu vi as pessoas dançando uma música que eu estava colocando e foi uma sensação muito boa. A partir daí começaram a me chamar para fazer festinhas de garagem, e aí eu comecei a sentir gosto pelo negócio e ver que isso poderia talvez um dia ser uma profissão — recorda Merkant.
Nos anos seguintes, ele tentou entrar no mercado da música como DJ profissional. Por vezes, pensou em desistir, mas, a partir de 2016, Merkant começou a ter as primeiras oportunidades para animar festas. Viu, então, que era preciso algo a mais para se destacar. Começou a se especializar por meio de cursos e mentorias, não só sobre música, mas também sobre carreira, marketing e negócios.
— Eu tenho que estar atualizado para me manter competitivo e continuar sendo um bom DJ, entregando um trabalho da melhor maneira que eu puder. É preciso um investimento inicial em equipamentos para treinar. Além disso, é fundamental produzir conteúdo para a internet, pois as redes sociais são uma vitrine para o meu trabalho. Eu busco cada vez aprender mais para entregar o melhor para o público — comenta.
Merkant acredita que, no futuro, os DJs terão que ser cada vez mais profissionais multitarefas e criativos para se tornarem, de fato, artistas completos
— Eu espero que os DJs sejam mais valorizados, principalmente financeiramente. Que a sociedade nos veja como profissionais responsáveis por tornar momentos inesquecíveis — finaliza Merkant.
Quebrando paradigmas na cena musical
Embora o glamour das luzes e das multidões seja atraente, a vida de DJ profissional exige disciplina, atualização constante e, acima de tudo, resiliência. No entanto, com um mercado ainda predominantemente masculino, para as mulheres, o caminho muitas vezes é marcado por desafios, como preconceitos e obstáculos sociais.
A DJ Beta Toledo, 27, descobriu seu amor pela discotecagem na adolescência, também nas festas de garagem, primeiramente com um programa de computador que permitia mixar áudios. Decidida a seguir em frente, ela se dedicou a aprender mais sobre o ramo musical, através da internet e absorvendo o conhecimento de amigos que já lidavam com a discotecagem.
Após investir em equipamentos, a profissionalização veio em 2019, quando tocou em uma festa para cerca de mil pessoas.
Ser mulher e DJ é, muitas vezes, desafiar estereótipos. Diante desse cenário, Beta transformou sua paixão pela música em energia para abrir espaço para outras mulheres e, ao mesmo tempo, superar os desafios dessa jornada.
— É uma pauta que a gente luta até hoje. Muitos contratantes, infelizmente, ainda não valorizam nosso trabalho. Além disso, o machismo e o preconceito ainda existem. Por isso, nós mulheres temos que nos unir para podermos estar no palco apresentando nossa arte. Com o tempo, essa situação vem diminuindo, pois as mulheres estão sempre lutando pelo seu espaço — afirma Beta.
Apesar do talento e dedicação, viver exclusivamente como DJ ainda não é uma realidade para Beta. Mesmo assim, ela sonha em poder, no futuro, se dedicar exclusivamente à música.
— Eu tenho esperança e luto diariamente para isso, com estudo e dedicação, pois a profissão de DJ requer um constante conhecimento até sobre o que as pessoas estão ouvindo na atualidade. O meu nicho, por exemplo, se volta para o funk, mas eu estudo todos os gêneros e ritmos que estão em alta para me manter atualizada, pois, afinal, todos os dias surgem novas músicas. É olhar para o público e sentir o que ele quer ouvir. Cada dia é um novo aprendizado — revela Beta.
Primeiros DJs de Caxias em documentário
O terreno da cena musical para os profissionais da discotecagem em Caxias do Sul começou a ser desbravado entre os anos 1970 e 1980, quando surgiram os primeiros DJs nas festas da cidade. A história desse período foi remontada no documentário Faixa Bônus, lançado em 2015. O filme teve direção de Filipe Mello e produção executiva de Jorge de Jesus, o DJ Mono.
Daquela época para cá, foram muitas as mudanças percebidas no cenário musical, tanto em relação às festas como na atuação e formação dos DJs.
— Naquela época, nós tínhamos toca discos e mixers mais comuns, além de uma tonelada de caixas de som. A tecnologia foi avançando, passamos pela era do CD, do pendrive e hoje conseguimos tocar apenas com controlador e computador. Então, cada profissional se adequa a realidade do seu tempo. A minha escola, por exemplo, veio da pesquisa musical e da leitura. Hoje, são muitas as ferramentas para o DJ se profissionalizar, mas o conhecimento musical é essencial para se diferenciar no mercado — diz Mono.