— Ser autista é apenas ter uma perspectiva diferente do mundo. No caso, uma perspectiva que não dá para explicar e nem escolher, apenas nascendo com ela e sentindo para compreender.
É assim que Maicol da Costa Santos Júnior, 17 anos, define a condição com a qual vive. E é por meio de desenhos como o que ilustra a capa desta edição do Almanaque que ele tenta explicar ao mundo o Transtorno do Espectro Autista ou Autismo (TEA). Os desenhos estarão em kits que serão entregues no almoço de comemoração de dois anos do Instituto UniTE Unidos pelo Autismo de Caxias do Sul, neste domingo (25), das 11h às 13h, na modalidade Drive Thru, no Restaurante Tulipa. A iniciativa visa arrecadar fundos para manter os serviços oferecidos pela instituição, que é sem fins lucrativos. Interessados podem adquirir ingressos, exclusivamente de forma antecipada, na plataforma Sympla, no link: https://www.sympla.com.br/1-almoco-azul-drive-thru---unitea__1160410 ou se preferirem, podem ligar, em horário comercial, para (54) 3538.0171 e (54) 992691651 (WhatsApp). Não haverá venda de ingressos no dia e local do evento. O instituto foi fundado pelo casal Raquel e Daniel Ely, pais do Gabriel, do Samuel e da Sophia Carolina Ely, diagnosticada aos 14 meses.
Ao contrário do que muitos pensam, o autismo não é uma doença, e sim um transtorno, que traz uma série de desafios com habilidades sociais, comportamentos repetitivos, fala e comunicação não-verbal, assim como por forças e diferenças únicas. De acordo com cada grau, o TEA é definido como autismo leve (Síndrome de Asperger, como era chamado), moderado ou severo. É incurável, mesmo se identificado na infância, mas o diagnóstico precoce, prioritariamente antes dos três anos, facilita a aplicação de tratamentos que podem minimizar os impactos na vida social de quem tem o transtorno. Não foi o que aconteceu com Maicol, que só foi diagnosticado com autismo leve há dois anos, já na adolescência.
O adolescente aproveita o mês dedicado à conscientização sobre o tema — abril — para destacar a importância do respeito aos autistas. Uma a cada 160 crianças no mundo convive com essa condição, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). E a cor azul, escolhida para a campanha de conscientização, que ocorre nos quatro cantos do planeta, foi escolhida porque o transtorno atinge mais meninos: uma proporção de quatro para um em relação às meninas. Esse, inclusive, é um aspecto do autismo que a ciência ainda não consegue explicar. A campanha da OMS quer mostrar as características dessa condição especial. Afinal, é preciso entender para incluir e ajudar.
— Apenas o gesto de aceitar os autistas é o mais importante, principalmente, no caso dos mais leves, que constantemente geram dúvidas sobre a dificuldade de interação_ diz ele.
Maicol, que também tem um irmão mais novo que é autista, o Lorenzo, de seis anos, se refere às dificuldades de aceitação, já que o convívio social para quem tem TEA é um desafio:
— Desconhecimento até existe, mas o mais difícil é realmente nos aceitarem. As pessoas duvidam muito sobre o diagnóstico ou sobre nossas capacidades, além de em muitos casos ter preconceito. Há exclusão, particularmente, isso não faz diferença nenhuma para o emocional, mas o gesto de excluir ainda é visto como algo ofensivo. É aquele clássico estereótipo de não participar de grupinhos. No caso, é uma exclusão social mesmo, não ter amigos, namorada ou qualquer nível de convívio social.
Apesar da dificuldade de conviver socialmente dentro dos parâmetros considerados normais, o jovem pontua que, para os autistas, essa interação também é necessária.
— O ser humano evoluiu e depende de ser social. Excluir ele disso é como se matasse todo um propósito de vida. Hoje, eu já não sei mais se é minha vontade estar isolado, mas ainda existe essa exclusão. Dá pra contar meu ciclo social nos dedos.
Há exemplos de que até as características que definem o autismo podem, em alguns contextos ou momentos, se amenizar. O menino Pietro Reis de Oliveira, sete anos, é um exemplo. Ele foi diagnosticado com autismo aos três anos. É um menino sorridente, tagarela e que demonstra empatia com os animais ao garantir que é vegetariano:
— Eu comecei a não gostar da carne mais. Não como bichinchos — afirma o menino, que tem os mascotes Cloe e Pingo, seus cães de estimação.
Com frequência, autistas apresentam interesse intenso por alguma área ou assunto específico. O caso mais famoso é da ativista de meio ambiente Greta Thunberg, diagnosticada com grau leve do transtorno aos 11 anos.
Sem rótulos
Ouvir o diagnóstico de autismo é um momento difícil para a família. A notícia carrega sentimentos como o medo, expectativas frustradas e a percepção de que a criança idealizada não existe. É nessa hora que os pais passam pela fase do luto, precisam focar em cada qualidade apaixonante do filho, e se voltar a cada progresso. Hellen Dal Magro, 35, é mãe do adolescente Maicol, do Johnny Derick, 15, e do Lorenzo, de seis anos. O primogênito, que abre essa reportagem, é autista de grau leve e o mais novo, Lorenzo, é autista moderado. Já o do meio é considerado é uma pessoa típica.
— O autismo traz um diferencial porque cada um tem uma forma singular de ser. Por isso, é tão complexo para as pessoas, para a Medicina, para eles mesmo. Acredito que por isso que se torna difícil a inclusão e o respeito das pessoas com eles, por justamente eles não seguirem um padrão, e nesse momento eles são rotulados.
Ela só soube que Maicol é autista depois do diagnóstico de Lorenzo. Lutando contra o transtorno de borderline, que é caracterizado por humor e comportamento instáveis, Helen considera o aprendizado com os filhos como um renascimento:
— Muitos pais só vão perceber que também são autistas depois do diagnóstico dos filhos. Ser mãe de dois meninos autistas é renascer, porque eu tive que nascer de novo. Aprender tudo e mudar muitos conceitos. Passei por uma depressão muito profunda, e senti muita tristeza antes do mais novo nascer. E quando ele nasceu, pensei será que foi castigo ou uma bênção, e hoje sei que é uma bênção. Sei que é um presente, porque eu renasci como pessoa, como mãe, e tento ser melhor e mais empática a cada dia.
Para Hellen, é preciso que a sociedade se informe sobre o assunto, mas que a família também compreenda:
— Nem todos os autistas são minigênios, e isso frustra até mesmo os pais. As pessoas confundem muito, nem todos são inteligentes como se espera, e há o romantismo sobre o autismo. É preciso parar de romantizar, e de rotular, porque quando se fala em autismo ou se espera uma criança superdotada, com habilidades em matemática, ou se imagina aquela criança que passa o dia todo sentadinha, que bate a cabeça na parede e até mesmo os pais precisam passar por essa desconstrução para aceitar o autista como ele é e poder ajudar da melhor maneira no seu desenvolvimento.
Transformar o luto em luta
Josiane Reis dos Santos, 39, e o esposo Airton de Oliveira, 55, também passaram pelo luto ao saber que Pietro é autista. O diagnóstico veio aos três anos, mas para a mãe os sinais eram visíveis desde que ele era pequeno. O menino não fazia contato visual e brincava, geralmente, com brinquedos de girar. Aos quatro meses, foi levado a um neurologista pediátrico porque apresentava atraso motor. Com um ano e meio, passou a fazer fisioterapia porque ainda não caminhava e, depois, os primeiros passos eram apenas na pontinha do pé. Após os três anos, ele começou a falar.
— Mãe sempre sente. O contato visual era diferente, a fala não vinha, teve o atraso para caminhar, e tentávamos montar o quebra-cabeça com as médicas. Eu tive a fase do luto e aquela preocupação de como vai ser quando ele crescer, porque o autismo não é uma doença, não tem cura. Vem muitas dúvidas, incertezas e medo do que ia encontrar pela frente. No dia do diagnóstico, fiquei desorientada, mas acho que o amor incondicional é tudo para tu seguir em frente e não desanimar. Apostar no teu filho é a chave para tudo dar certo — emociona-se a mãe.
Aos poucos, o luto foi se transformando em luta, pelo desenvolvimento, pelas conquistas, e principalmente, pela inclusão social e educação do menino.
— Eu já ouvi muito até de educadoras: "eu acredito que houve um engano, que teu filho não tem nada". Isso que eu tenho laudos de uma junta médica e que ele tem acesso aos tratamentos para se desenvolver e nosso estímulo sempre... e eu tenho que ouvir questionarem o diagnóstico do meu filho? Tem dias bons e outros nem tantos — admite.
A procura pelas escolas para matricular o menino foi difícil. Ela optou por um colégio particular, mas com a pandemia ele tem dificuldades em assistir as aulas online. Por isso, agora conta uma professora particular:
— A demanda de conteúdo é desgastante e ele não consegue ficar preso à tela do computador. Esse vínculo com a escola é importante para todos, principalmente, para uma criança autista. Eles já têm dificuldade de interação social e aí vem a pandemia que dificulta ainda mais. Por isso, a profe ajuda ele a manter o contato com os coleguinhas.
Sobre o que espera da sociedade, a mãe faz um apelo em tom emocionado:
— Só peço mais amor. Ensina teu filho a respeitar as diferenças. Não ache que é birra, se coloque no lugar do outro, não fale sem saber a história daquela criança. O autismo não tem marcas, a criança está dentro dele. Ser mãe do Pietro é o presente mais maravilhoso que Deus e a vida me deram, porque ele me ensina tanto e mostra o lado simples, o lado puro da vida.
Olhar diferenciado é preciso
A fonoaudióloga e especialista em Neurociências aplicada à Linguagem e à Aprendizagem Franciele Michelon, que atua como diretora de projetos do Instituto UniTEA — Movimento Unidos pelo Autismo, criado em 2018, em Caxias do Sul, acredita que a aceitação acontece quando a família compreende que o autista não é um ser humano "normal", mas sim único, com muitas potencialidades.
— No caso do grau leve, o autismo é imperceptível, o que faz com que os autistas sejam rotulados pela sociedade: eles passam por pessoas esquisitas e passam mais dificuldades na sociedade de uma forma geral, porque não são compreendidos. Há muitos adolescentes e adultos, geralmente, tímidos, introspectivos, excelentes em determinados assuntos, com hiper foco ou grau de inteligência elevado, e que nunca tiveram um diagnóstico de autismo.
Ela aponta ainda que há despreparo, inclusive de profissionais e da área da educação, para acolher alunos autistas.
— Há desconhecimento, sendo que a maioria das escolas apenas cumprem uma lei, mas nem todas têm essa vontade de ser inclusiva. Se os professores entenderem o autismo, a inclusão será natural e, por isso, no instituto, trabalhamos cursos para tirar as equipes da zona de conforto e se percebe que se ela tiver conhecimento, ela vai perceber que aquela atividade que o autista faz, que é sensorial, é um método que beneficia todos os outros.
A pedagoga Ana Cristina Fadanelli trabalha há 15 anos na educação especial. Para ela, apesar da inclusão ser tratada a um bom tempo e amparada legalmente, ainda há um longo caminho a ser percorrido. Ana lembra que na questão comportamental, normalmente, os autistas tendem a apresentar movimentos repetitivos, utilizados para se autorregular ou para expressar algum sentimento.
— Por serem muito sensíveis a estímulos, existem inúmeros fatores que podem desorganiza-los, desde sons, odores, toques entre outros. A mudança de rotina também pode ser um fator que leva a esta desorganização. Dentre todas as pessoas com deficiência que já passaram por mim ao longo da minha jornada como educadora, atendendo desde crianças bem pequenas até adultos, com certeza, o autismo é o mais fascinante e desafiador. Cada indivíduo é único e requer um olhar diferenciado para suas habilidades e dificuldades.
Sinais
A falta de interesse de se comunicar e interagir com os outros, com tendência ao isolamento, é uma característica básica do autismo. O diagnóstico ocorre geralmente por volta dos três anos. A Organização das Nações Unidas (ONU) escolheu o dia 2 de abril como Dia Mundial de Conscientização do Autismo, sendo que a campanha Abril Azul incentiva a inclusão e busca políticas públicas voltadas aos autistas.
A neurologista pediátrica Melina Rech ressalta que os casos têm aumentado, porque os diagnósticos são feitos mais cedo, e as famílias estão mais atentas aos sinais, até mesmo, em função da internet, onde pesquisam sobre o assunto, e percebem traços de autismo nos filhos. O diagnóstico é clínico, com base no relato da família e do comportamento da criança, visto que não há um exame que comprove o transtorno.
— Os sinais são aquelas crianças que não têm contato visual, ou têm pouco, mas não sustenta esse olhar, que não compartilha momentos, apontando o dedinho e mostrando aos pais algo que gosta para ver a reação deles, raramente dão tchauzinho ou mandam beijo. São crianças que não brincam de faz de conta, elas pegam o brinquedo e costumam enfileirar objetos, separar por cores, mas elas não usam o brinquedo para brincar. Elas não conseguem criar uma brincadeira sozinha. É comum a busca por experiências sensoriais, bater em um objeto, jogar um carrinho por cima da mesa para ouvir o som, passar objetos no rosto, cheirar brinquedos e colocar na boca. Nesses casos é importante não esperar para procurar especialistas no assunto — alerta ela.