A máscara é o símbolo da pandemia. Ela foi vestida para tapar a boca e o nariz e barrar a investida da covid-19. Foi pendurada na orelha, usada como queixeira e, quando esquecida, chegou a provocar discussão, com direito a facada, tiro e morte. Com a máscara na face, álcool gel nas mãos e um certo distanciamento, a economia pulsava, gerando oferta e demanda, impulsionando o consumismo nosso de cada dia, gerando a oscilação dos preços, inclusive do arroz, que parecia nos cobrar "os olhos da cara".
Nas escolas que tiveram aula híbrida, professores pareciam astronautas vestidos dos pés à cabeça contra a covid. Os educadores tiveram de dar conta do conteúdo à distância, minimizando o afeto e amplificando a força do olhar por meio das telas, já que parte dos alunos estavam em sala de aula e, a outra, em casa. O desafio não cessa nesse ano mascarado, porque alfabetizar é mais do que ensinar a juntar letrinhas.
A morte nesses tempos de pandemia doeu mais do que noutros tempos, porque gerou uma dor ainda maior do que a dura despedida. Velórios fugazes, com caixões lacrados, vertendo em lágrimas não só a tristeza da partida, mas a impossibilidade da despedida. Vestidos com máscaras, todos pareciam inertes e cristalizados pelas mortes que se sucediam. À vista, só o olhar, duro, triste, carregado de amor, de compaixão e de sofrimento por conta da remoída ida.
Em 2020, percebemos ainda que a máscara se tornou proteção fundamental, mas também adereço da moda, uma peça do vestuário para se combinar com a bolsa e o sapato. Enquanto jovens em processo de ressocialização fabricavam máscaras para doar em suas comunidades, grifes vendiam esses adereços como peças exclusivas por volta de R$ 150 a unidade.
Aquela conversa banal no caixa do supermercado teve outra dimensão nesse novo tempo. Porque não se tratava mais do "bom dia" ou "boa tarde" protocolares. Era preciso fitar o olhar para interagir. Porque vestidos da máscara social, como as usadas nos tempos da Grécia, em que os atores as empunhavam para incorporar personagens, somos ainda fruto de uma mise-en-scène pandêmica.
Apesar das máscaras, seremos sempre o que o nosso olhar revela. Por todo sempre.
Para ler ouvindo
Longe de você, de Vitor Ramil