A vida é feita de escolhas. Boas e más escolhas estão separadas por uma tênue linha, e diferem-se pelas consequências que provocam. Nem sempre jovens e adolescentes conseguem manter sua conduta, seja por causa de uma vida conturbada em casa, ou por não conseguirem enxergar luz no final do túnel. Quando o crime entra em cena, para desfazer a má escolha, a justiça intervém e pune. Mas mudar o comportamento do jovem e fazê-lo enxergar outras opções em sua vida é papel da Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (Fase), vinculada a Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, do Governo do Estado.
Durante a pandemia, um desses adolescentes, que é acompanhando pelo Centro de Atendimento em Semiliberdade (Casemi), de Caxias do Sul, órgão vinculado à Fase, teve a oportunidade de exercer empatia e cidadania. Para preservar sua identidade, vamos chamá-lo de Marcelo. Antes das restrições por conta da prevenção à covid-19, Marcelo e os outros cinco adolescentes que estão sob a tutela do Casemi, permaneciam na entidade durante a semana, frequentando aulas, cursos profissionalizantes ou trabalhando, e só podiam ir para casa nos finais de semana.
No entanto, com os riscos de contágio, foi determinado que a partir do dia 18 de março, diante da autorização judicial para realizar o acompanhamento domiciliar diário por contato telefônico e visitas in loco, os seis teriam de voltar para casa. Desde então, toda a equipe do Casemi, sob direção de Alexandra Bittencourt, precisou se reorganizar para atender aos jovens, alternando atendimentos por telefone e presencialmente. Eles só devem voltar ao regime de semiliberdade no dia 5 de maio.
– Nesses atendimentos que fizemos, percebemos que eles e as famílias não tinham, muitas vezes, uma comida em casa, ou kit de higiene, e muito menos máscaras para se protegerem – revela Alexandra.
Através do contato com a família de Marcelo, Alexandra soube que a irmã dele, Ana Lúcia Moraes queria ajudar a fazer máscaras.
– Como todo mundo tava procurando máscaras, mas estavam com dificuldade de comprar, tive a ideia de fazer pra eles – revela Ana, 40 anos, costureira, que durante a pandemia ficou sem trabalho, porque é autônoma.
Ana já perdeu as contas de quantas máscaras costurou, mas para se ter uma ideia, só para o Casemi, ela conseguiu atender a cerca de 50 pessoas, que é o número de familiares desses seis jovens.
SOLIDARIEDADE E RESPONSABILIDADE
Marcelo não quis conceder entrevista. Mas Ana falou com carinho e alegria sobre o envolvimento do irmão nessa iniciativa.
– Ele tem me ajudado aqui em casa. E vejo que é um crescimento pra ele e uma oportunidade dele mudar. E, com certeza, depois disso vão aparecer novas oportunidades – espera.
Ana mora com dois filhos, uma adolescente de 17 anos, e um menino de 10.
– Todos estão me ajudando. Meu irmão e a minha filha também estão fazendo as vendas, até pelo whatsapp, e estão entregando nas casas, e o menor está me ajudando embalando as máscaras.
Essa produção tem aumentando todos os dias. Ana aproveitou a falta de trabalho nesse momento de pandemia, primeiro para ajudar o Casemi, e depois, para gerar uma fonte de renda em casa.
– Hoje todos têm de cuidar e se proteger, para não pegar coronavírus. Às vezes, tenho virado a noite para dar conta das encomendas. Numa madrugada, da 1h às 5h, eu consegui fazer 100 máscaras – conta.
DEPOIS DA COVID-19
O que será do Marcelo depois que tudo isso passar? Conseguirá um trabalho formal ou um estágio? Ainda é cedo para saber, o certo é que lições ele vai tirar desse tempo de pandemia.
– Avalio que é um ganho muito grande para esse adolescente, porque ele está motivado em ajudar a irmã. De uma forma geral, todos eles têm aprendido muito, porque toda a rotina deles também mudou e faz com que eles tenham de ser mais responsáveis – observa Alexandra, diretora do Casemi, de Caxias do Sul.
Com ou sem coronavírus, a vida seguirá oferecendo caminhos para o Marcelo. Mas depois que a covid-19 passar, ele terá no coração as marcas da solidariedade, que foram geradas pela empatia, em olhar para a necessidade do outro. E sobretudo, marcas de quem fez a sua parte para que mais pessoas pudessem se proteger da pandemia. Quase nada disso estará no currículo deles, mas o legado, sim. Nem todos puderam pagar pelas máscaras, mesmo assim, Ana e seu irmão as doaram, demonstrando que a vida, não tem preço.