A madama, que, assim como eu, costuma ir à feira de quando em vez, vai entender direitinho o que tentarei externar aqui nesta já tradicional crônica de segunda (ou "segundariana", como sugerem alguns leitores dispostos a introduzir o sufixo "ana" no termo e, assim, proceder à evolução darwiniana da expressão, o que, a meu ver, é ainda prematuro em se tratando da filologia das segundas).
Mas a madama, que é feirante assim como este esforçado escriba, vai se solidarizar com o dilema frutal que me assola sempre que percorro as tendas dos produtores em busca do abacate perfeito, que irá, assim que aberto em casa, suprir os desejos gastronômicos da família para a produção do saboroso guacamole, ofertando uma polpa tenra, no ponto ideal, madurinha, sem estar dura (quando ainda verde e imprópria para o consumo) e tampouco molenguenta (portanto, passada do ponto, também inapropriada para a devoração abacatal). Tarefa difícil.
Por mais que nos esforcemos em aprender as técnicas que prometem ensinar a detectar o ponto ideal do abacate, sempre poderemos cometer equívocos incorrigíveis e corremos o risco de vermos nosso guacamole naufragar por falta de abacate, deixando os tomates, a cebola, a salsinha e o limão a ver navios, retornando todos frustrados à geladeira à espera de nossa nova investida feiral e torcendo por um melhor desfecho na próxima. Por isso, apalpamos com atenção o abacate, cuidando para não deformar a fruta, sob os olhares reprovadores do feirante, na busca por aquele que revele sua qualidade a partir da textura e da firmeza exata decorrentes de seu ponto de maturação. Mas nem sempre acertamos. Este aqui, mole demais, já deve estar a um
passo de apodrecer. Aquele lá, duro e firme, ainda está verde e não será depois de aberto em casa que atingirá o ponto esperado. Que drama, que loteria!
Daí que, lendo isso, a madama, habituada a detectar sentidos entrelinhados nos subtextos tecidos nestas reflexões de segunda, já se bota a refletir sobre como também é difícil encontrarmos o ponto ideal de nossas atitudes no dia-a-dia, como, por exemplo, a arte de sabermos equilibrar nosso comportamento sendo simpáticos sem sermos chatos; ou de sermos acessíveis sem sermos permissivos; de sermos pessoas afáveis sem que isso seja um sinal para que nos explorem; de distribuirmos sorrisos sem por isso permitirmos que não nos tratem com seriedade e respeito e assim por diante. A senhora está certa, madama: aprendeu a fazer bem as associações literárias. Mas confesso que, hoje, só o que eu queria era saborear um belo guacamole...