Duas importantes manifestações do cenário literário caxiense têm encontro marcado na segunda-feira. Para comemorar suas 200 edições, o bate-papo Órbita Literária – programação semanal iniciada em 2012 e que já se tornou tradicional nas noites de segunda – receberá os poetas remanescentes do grupo Reunião, que, há meio século, lançaram o livro de poemas Matrícula, publicação emblemática nas letras regionais e que lançou nomes como o hoje consagrado escritor José Clemente Pozenato.
– O Matrícula foi um divisor de águas na literatura de Caxias – avalia o jornalista e escritor Marcos Fernando Kirst, um dos organizadores da programação.
Kirst lembra que a própria trajetória posterior dos cinco poetas integrantes da coletânea – além de Pozenato, a obra trazia textos de Jayme Paviani, Delmino Gritti, Ary Trentin e o padre Oscar Bertholdo, os dois últimos já falecidos – mostra a força desses nomes, considerados ícones da literatura da Serra. Por isso, a ideia de homenageá-los nesse encontro. O Órbita especial contará com as presenças de Pozenato e Paviani. Gritti, que mora em outra cidade, será representado por Cristiano Bartz Gomes; Trentin, pela sobrinha Cristina Mioranza; e Bertholdo, por Ulysses e Tânia Bertholdo. Além das explanações sobre cada poeta, atores convidados farão intervenções, declamando poemas do livro.
Leia mais
Tríssia Ordovás Sartori: Nunca usei coroa
Nivaldo Pereira: a bênção, Caymmi!
Paredes novas: novo espaço de arte, Cubo Galeria de Arte Contemporânea inaugura sábado, no bairro São Pelegrino, em Caxias
Outra convidada da noite será a pesquisadora Cleodes Piazza Julio Ribeiro, que viu nascer o Matrícula e, há 10 anos, foi uma das coordenadoras de uma edição fac-símile (que reproduz o original) da obra. Ela destaca o mérito da edição dos então jovens poetas, cujas reuniões semanais ela acompanhou enquanto amadureciam talento até chegarem à publicação:
– O Matrícula foi uma célula que disseminou o que é hoje a nossa literatura, e levou-a além das fronteiras da região.
O próprio Pozenato, consagrado posteriormente com obras como O Caso do Martelo e O Quatrilho, salienta a importância do livro na sua trajetória:
– Foi a minha estreia na carreira literária e demarcou o caminho que eu seguiria. Um passo importante, porque essa era a maneira de mostrar o meu trabalho – lembra, acrescentando que o cenário era bem diferente do atual, em que as estreias de novos escritores se dão nas redes sociais.
Excepcionalmente, o Órbita 200 será realizado no Café Do Arco da Velha, na Casa da Cultura (Rua Dr. Montaury, 1.333). A programação começa às 20h e tem entrada franca.
Obra consolidou cenário
A antologia Matrícula e o grupo de poetas que a produziu – auto intitulado Reunião, mas que acabou conhecido pelo nome da obra – foram essenciais para a consolidação do cenário literário da região. A conclusão é de um estudo desenvolvido em 2014 pela pesquisadora Aline Brustulin Cecchin, quando de seu mestrado em Letras, Cultura e Regionalidade pela UCS. A hoje doutoranda em Letras destaca que a obra teve boa repercussão não apenas por aqui, mas também em Porto Alegre:
– Por ser considerada uma poesia inovadora, longe dos parâmetros parnasianos e simbolistas que ainda norteavam alguns autores da época, o grupo atrai o olhar dos críticos literários do Estado e de fora dele,de modo que a produção literária na Serra gaúcha ganhou novos horizontes, além dos regionais.
Aline, que agora pesquisa o cenário atual das letras caxienses e dos arredores, acredita que a evolução e a consolidação do sistema literário da Serra se deve muito à publicação dos cinco poetas e a dois outros fatos do mesmo ano de 1967: o lançamento do Concurso Anual Literário, que continua até hoje revelando talentos (e que tem entre seus vencedores, nos primeiros anos,os mesmos Pozenato, Paviani, Gritti e Trentin) e a criação da UCS.
Outro fator que ela destaca foi que, além de o livro dar origem a uma fortuna crítica (acervo de críticas sobre obra publicada) sobre os escritores da Serra, os próprios autores congregados na antologia começaram a escrever sobre os livros uns dos outros, e de outros autores, numa articulação que ampliou ainda mais a visibilidade da produção literária local. A repercussão, por sua vez, impulsionou que seguissem publicando, tanto em poesia quanto em outros gêneros.
Dose dupla
Em 1998, após 31 do lançamento do ‘Matrícula’ original,editou-se o 'Matrícula 2', dentro do projeto Fábrica de Escrita, capitaneado pela Secretaria da Cultura, então a cargo de Tadiane Tronca. Participaram quatro dos poetas do antigo grupo (Bertholdo, Paviani, Pozenato e Trentin) e outros seis outros nomes: Ana Araldi, Dhynarte de Borba e Albuquerque, Eduardo Dall'Alba, Flavio Ferrarini, Marco de Menezes e Valdir dos Santos. Exceto Dall'Alba e Ferrarini, já falecidos, os outros devem participar da programação de segunda-feira, mostrando um pouco do seu trabalho.
O ÓRBITA
– O primeiro bate-papo Órbita Literária ocorreu em 3 de março de 2012, no Aristos, sob coordenação de Jaqueline Pivoto, Juliana Wexel e da hoje secretária da Cultura, Adriana Antunes
– A ideia era movimentar culturalmente as noites de segunda-feira, com encontros semanais, de março a novembro
– Posteriormente, os encontros migraram para a Do Arco da Velha Livraria e Café, mas seguiram no mesmo formato
– Atualmente, os encontros são organizados por uma equipe formada por Adriano Richardi, Claudio Troian, Erni Sabedot, Juliana Santos, Marcos Fernando Kirst e Tiago Sozo Marcon
– A média de público é de 25 pessoas por encontro, e o recorde aconteceu ano passado, numa edição em homenagem a Mário Quintana, quando reuniu 73 participantes