Nunca antes na história da música sertaneja no Brasil, tantas mulheres fizeram sucesso ao mesmo tempo, como acontece atualmente. Ainda que tenham sagrado-se ícones como As Galvão, Inezita Barroso e Roberta Miranda, nas décadas de 60, 70 e 80, respectivametne, ou Paula Fernandes, nos anos 2000, as mulheres sempre tiveram espaço reduzido em um cenário predominantemente dominado pelas duplas masculinas.
Essa nova safra de cantoras emerge no momento em que o empoderamento feminino e a igualdade entre homens e mulheres ganha força e espaço de discussão na sociedade. O movimento, encabeçado pelo sucesso estrondoso de nomes como Simone & Simaria, Maiara & Maraísa, Marília Mendonça, Paula Mattos e Bruna Viola, começa a disputar espaço com nomes consagrados como Marcos & Bellutti, Jorge & Mateus, Henrique & Juliano, entre outros astros. Em suas letras, elas cantam o amor, a traição, a sofrência, a farra e a bebedeira, temas que, antes, pareciam exclusivos dos homens.
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Na próxima quinta-feira, os fãs de Caxias do Sul terão a chance de conferir de perto um pouco desse sucesso na Balada Loka, nos Pavilhões da Festa da Uva, quando as irmãs baianas Simone e Simaria se apresentam na mesma noite que Anitta. A funkeira, aliás, é outra que sempre atrai multidões por onde passa. Já Maiara & Maraísa são atração na ExpoBento no dia 12 de junho.
– Essas mulheres falam as coisas da mulher e para a mulher. Por isso fazem esse sucesso todo – acredita o coordenador Rádio Mais Nova FM, Eron Voesch.
Ele também chama a atenção ao fato de que algumas das artistas serem compositoras há algum tempo. Hit nas vozes de Henrique & Juliano, Cuida Bem Dela é de autoria das gêmeas Maiara & Maraísa. Também é o caso de Calma, escrita por Marília Mendonça e gravada por Jorge & Mateus, e Doidaça, sucesso de Gusttavo Lima composta por Paula Mattos.
De mulher para mulher
– Elas viraram a bola da vez. E não é uma onda, vieram para ficar. Já estão estourando a segunda, a terceira música – observa o Rogério Portolan, diretor da Rádio Spaço FM, de Farroupilha.
Para Portolan, as mulheres fazem sucesso justamente por tratarem, em suas músicas, de questões que antes eram mais restritas aos homens.
– É a mulher que bebe, a mulher traída. Gostos à parte, são de uma qualidade musical muito boa. O refrão é bom, a melodia é boa, um sertanejo com batida moderna, no qual o Michel Teló também foi buscar inspiração – analisa. – Essas gurias chegaram para ficar. Chegamos a ter blocos inteiros na rádio só com cantoras sertanejas.
DJ da Bulls Brasil, casa noturna especializada no gênero sertanejo em Caxias, Luciano Lancini confirma que as cantoras e duplas femininas têm excelente aceitação entre os frequentadores do empreendimento.
– É um mercado que só cresce. O sertanejo está provando que não é uma moda, e as vozes femininas são um fenômeno – diz Lancini, citando Marília Mendonça e Maiara & Maraísa entre as preferidas do público.
Chora não, coleguinhas!
Consideradas musas dessa geração, as irmãs baianas Simone & Simaria já foram backing vocals do cantor Frank Aguiar e estrearam como dupla em 2012. Antes de migrar para o sertanejo – um sonho do pai, já falecido –, faziam shows de forró, mas já ousavam ao colocar nas apresentações um bloco de 20 minutos com música sertaneja. Rapidamente, caíram no gosto do público.
Em 2015, gravaram o DVD Bar das Coleguinhas (é assim que elas são conhecidas entre os fãs), com um misto de canções românticas e de sofrência, como os hits Meu Violão e Nosso Cachorro, e Não Vou Mais Atrás de Você – com participação de Wesley Safadão. Também são delas os sucessos Duvido Você Não Tomar Uma e Amor Mal Resolvido, com Jorge & Mateus.
De igual para igual
As gêmeas Maiara e Maraísa, de São José dos Quatro Marcos, em Mato Grosso, cantam desde os cinco anos. Porém, foram as suas composições que as fizeram serem notadas por nomes como Jorge & Mateus e Cristiano Araújo (morto em 2015), que gravaram, respectivamente, Prisão Sem Grade e Caso Indefinido. Há poucos meses, antes de estourarem, comemoravam quando a agenda previa seis shows no mês. Hoje, não conseguem mais do que seis dias de folga.
– Sonhamos tanto com isso, só falta reclamar. Nós, lá, somos doidas? – brinca Maiara, em entrevista por e-mail ao Diário Gaúcho.
Com um discurso forte, Maraísa fala sobre a união da mulherada no meio sertanejo:
– Não adianta uma só tentar fazer sucesso. Quanto mais mulheres vierem nesta leva, mais forte ficaremos e mais espaço conquistaremos.
Do coral da igreja para uma multidão fiel
Natural de Goiânia, em Goiás, Marília Mendonça iniciou sua carreira cantando em coral de igreja e começou a ganhar destaque pelo vozeirão afinado. Hoje, é uma das maiores representantes do gênero entre as mulheres. No meio, ficou conhecida como a compositora de hits que estouraram na voz de outros cantores, caso de Cuida Bem Dela, sucesso de Henrique & Juliano, e Ele Não vai Mudar, com João Neto & Frederico.
Mas nada que se compare ao estouro de sua trajetória como cantora, em 2015, com o lançamento do DVD que leva seu nome e traz hits como Infiel, cujo clipe tem 127 milhões de visualizações no YouTube.
– A mulher tem que ser independente, dona das suas vontades, chegar e fazer acontecer – defende Marília, em entrevista por e-mail.
Promessa gaúcha
A gaúcha Gaby Christo, do bairro Ipanema, em Porto Alegre, ainda não está no patamar das estrelas nacionais, mas é uma promessa que tem tudo para chegar lá. Migrou para a música sertaneja no começo de 2015, depois de tentar a sorte no pop.
Toque feminino
Bruna Viola é um nome que começa a despontar com força no sertanejo. A mato-grossense, filha de um gaúcho de Carazinho, canta e toca viola caipira desde os 11 anos. EM 2016, lançou o primeiro DVD, Melodias do Sertão, que traz sua principal canção, Você Não Sabe (Quero Ver). A loirinha comemora a chegada da mulherada ao topo do sertanejo.
Bruna comenta que cada cantor, seja homem ou mulher, tem o seu estilo, mas admite que elas imprimiram delicadeza ao gênero.
– Demos um toque feminino. A mulherada quer ouvir canções sobre o que ela faz no dia a dia. E mulher vai no boteco, faz festa, bebe cerveja – diz a loira.
Crescimento a olhos vistos
Levantamentos realizados em 2015 e 2016 pela Crowley, que monitora a execução das músicas no país, não deixam dúvidas do crescimento da mulherada no meio sertanejo em 2016. Confira!
:: Em 2015, na lista dos 100 hits mais tocados de todos os gêneros no Brasil, apareciam somente duas cantoras sertanejas: Simone & Simaria, com Meu Violão e O Nosso Cachorro, na 79ª posição, e Marília Mendonça, na 100ª posição, com Sentimento Louco.
:: Em 2016, de janeiro a junho, uma mudança radical no quadro. O hit Infiel, de Marília Mendonça, aparece em 9º lugar.
:: 10%, de Maiara & Maraísa, aparece em 15º lugar e Quando o Mel é Bom e Meu Violão e Nosso Cachorro, ambos de Simone & Simaria, em 30º e 31º lugar, respectivamente. O mais curioso é que todas estas canções estão à frente de hits mundiais, como Sorry, de Justin Bieber, que aparece na 56ª posição.
:: Depois, ainda aparecem Rosa Amarela, de Paula Mattos, em 62º lugar e Medo Bobo, de Maiara & Maraísa, em 67º.