Convido os leitores a construírem na mente, comigo, uma situação hipotética. Digamos que você tem um filhinho de cerca de um ano e meio de idade e, por alguma razão qualquer, fica claro que não irá vê-lo nunca mais na vida. É um momento doloroso de despedida, pungente, você sabe disso, a atmosfera está impregnada de emoção. A criança está no colo da mãe (ou do pai), que verte lágrimas, e você percebe que terá de antecipar ao filho os conselhos que guardaria para ir presenteando a ele ao longo de seu processo de crescimento, mesmo que, naquele momento, ele não compreenda o sentido das palavras. Mesmo assim, frente ao Universo, você precisa falar. O que você diria? Qual o legado você pretende transmitir para as gerações que lhe sucedem? Quais os conceitos e valores o definem e você imagina serem dignos de repasse?
Leia mais
Tríssia Ordovás Sartori: ah, o amor
Nivaldo Pereira: as guerras de marte
Gilmar Marcílio: Tudo o que é raro
Uma cena assim pontua um dos capítulos da temporada final de uma minissérie televisiva norte-americana que venho acompanhando. Trata-se de "Hell on Wheels" ("Inferno Sobre Rodas"), cujo pano de fundo são as relações dos personagens que povoam o acampamento móvel que acompanha a construção da primeira ferrovia transcontinental a ligar os Estados Unidos de ponta a ponta, na década de 1860. O personagem principal é Cullen Bohannon (vivido pelo ator Anson Mount), um ex-soldado confederado que lutou na recém-terminada Guerra da Secessão e acaba se transformando no manda-chuva do canteiro de obras da ferrovia. A cena acontece no capítulo 9 da quinta (e última) temporada da série.
Bohannon se despede do filho que deixa nos braços da mãe e, entre lágrimas, elenca conselhos: "Espero que se esforce a vida toda para ser humilde. Respeite as mulheres. Tire o chapéu à mesa. Nunca comece uma briga nem fuja de um ou de outro. Perdoe. Esqueça. Fale a verdade. Respeite sua mãe e seu pai". Poucas palavras, sábias, profundas, banhadas na sabedoria adquirida pelo personagem ao longo do embate duro e cru frente às pedras e tropeços encontrados no caminho da vida. "Tire o chapéu à mesa" confere credibilidade ao discurso do personagem, imerso nos costumes da época retratada no seriado.
Aos dias de hoje, soa como metáfora para o cultivo da gentileza e da consideração para com os outros ao redor (conselho mais que vital nesses modernos dias de individualismo). Os demais pontos falam por si, são universais e atemporais e concordo com todos.E você? Que outros conselhos reuniria para repassar aos que nos sucedem na representação, sobre o palco da vida, daquilo que de melhor podemos oferecer ao mundo enquanto seres civilizados?