Ponto de referência do centro de Caxias do Sul até hoje, o Real Hotel foi inaugurado em 15 de fevereiro de 1954, atrelando sua abertura à programação do maior evento da cidade e a uma visita ilustre. Foi no restaurante do Real que o presidente Getúlio Vargas jantou durante sua breve passagem por Caxias durante a Festa da Uva da Uva de 1954.
O ágape, oferecido pela prefeitura e comissão executiva da festa, ocorreu em 27 de fevereiro daquele ano, mesmo dia da inauguração dos novíssimos pavilhões da Rua Alfredo Chaves. A escolha do espaço para o banquete presidencial deveu-se à modernidade do empreendimento e, lógico, à fama da cozinha comandada por dona Genoefa Ioppi, fundadora do hotel juntamente com os filhos, João Flávio Ioppi e Neusa Ioppi Michelin.
Conforme reportagem do jornal Diário do Nordeste (foto abaixo), cerca de 500 convidados passaram pelo Real naquela noite. Entre tantos, o bispo Dom Benedito Zorzi, o ex-vereador e futuro prefeito de Caxias Rubem Bento Alves, o presidente da Assembleia Legislativa, Milton Rosa, representantes da indústria e do comércio locais e políticos das mais variadas siglas.
Na imagem acima, disponibilizada pelo Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami, vemos Getúlio Vargas juntamente com o arcebispo de Porto Alegre, Dom Vicente Scherer, o governador do Estado, Ernesto Dornelles (de óculos), o prefeito de Caxias, major Euclides Triches (ao microfone), e o general Aguinaldo Caiado de Castro, chefe do Gabinete Militar da Presidência da República. Ao fundo, o jornalista e futuro vereador Guilherme Do Valle Tönniges.
O discurso
Vargas, logicamente, não foi modesto em seu discurso. Após elogiar a pujança do setor vitivinícola e destacar a atuação dos imigrantes no cenário econômico e social, emendou: “É-me grato recordar que foi em 1929, quando ainda governador do Estado, que sancionei e promulguei o primeiro regulamento sanitário para o vinho”.
Durante a entrevista coletiva concedida aos jornalistas, Vargas também “levantou a moral” da cidade. O texto abaixo, reproduzido da edição de 28 de fevereiro de 1954 do Diário do Nordeste, traz parte da conversa:
“Os senhores sabem que em São Paulo está se realizando o Festival de Cinema? Artistas mundialmente conhecidos, americanos, mexicanos, espanhois e franceses lá se encontram. Eu deveria recebê-los amanhã, em Petrópolis, mas mandei dizer que não poderia, em vista de já haver prometido vir a Caxias. Perguntaram-me se eu trocava as “uvas” estrangeiras pelas uvas de Caxias. Respondi-lhes que sim”.
Seis meses depois, em 24 de agosto de 1954, Getúlio suicidou-se com um tiro no peito, no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro.
Hospedagem na chácara
A comissão executiva da Festa da Uva de 1954 era presidida pelo empresário Júlio Ungaretti. Foi na famosa chácara da família Ungaretti, localizada na Rua Os Dezoito do Forte, em Lourdes, que Getúlio Vargas ficou hospedado naquela noite. Na manhã do dia seguinte, 28 de fevereiro de 1954, o presidente inaugurou o Monumento Nacional ao Imigrante.
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– No Real dormiram apenas alguns dos integrantes da comitiva presidencial e convidados – lembra dona Neusa Ioppi Michelin, que em 1954 morava no hotel juntamente com o marido, Nazareno Michelin, e os filhos Nádia e Nestor.
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Açafate de flores
Acima, um registro do dia da inauguração do Real Hotel, quando o jornalista Mário Gardelin (à direita) proferiu um discurso ressaltando a importância do espaço para o turismo local. Na imagem vemos ainda o deputado estadual Luiz Compagnoni, o prefeito Euclides Triches, que desatou a fita simbólica, o padre João Meneguzzi e vários convidados não identificados.
Conforme matéria publicada pelo Pioneiro na edição de 20 de fevereiro de 1954, após o cerimonial “foi servida uma lauta mesa de doces, frios e bebidas. E à dona Genoefa Ioppi, pelas suas netinhas Leila Ioppi e Nadia Michelin, foi oferecido um fino açafate de flores”.
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O início
O Real surgiu em meados de 1946, como um hotel de quatro andares no prédio localizado na Rua Marquês do Herval, bem ao lado. O novo e imponente edifício de seis pavimentos, na esquina com a Pinheiro Machado, começou a ser construído em 1953, após a família Ioppi adquirir o terreno vizinho.
Naqueles primórdios, o logotipo vertical da fachada destacava o símbolo que fazia jus ao nome: uma coroa no topo. Também na década de 1950, o famoso peru recheado e desossado preparado por dona Genoefa Ioppi recebeu por duas vezes o prêmio de “Melhor Prato da Cidade”.
50 anos
Sob o comando da matriarca Genoefa e dos filhos João Flavio Ioppi e Neusa Ioppi Michelin, o Real marcou época no setor hoteleiro da cidade de 1954 a 2005, quando foi transformado em um prédio de apartamentos.
Recebeu o nome Edifício Real em homenagem à sua função genuína.
Um incêndio 60 anos depois
Em 20 de fevereiro de 2014, exatos 60 anos após a publicação da matéria sobre a inauguração do Real Hotel, em 1954, o prédio foi atingido por um incêndio que alterou o cotidiano do Centro.
O Edifício Real permaneceu semanas interditado pelo Corpo de Bombeiros para verificações na estrutura e segurança, até os moradores poderem retornar. Não houve feridos.