Anna Rocchetti Zobele é um nome bastante conhecido para boa parte da população caxiense com mais de 50 anos. E, mesmo sem saber, muitos vieram ao mundo graças ao trabalho dela. Uma das primeiras parteiras da cidade, dona Anna – ou simplesmente parteira Anna – como era conhecida, auxiliou no nascimento de centenas de crianças entre as décadas de 1930 e 1980.
Augusto Caetano Sartori.
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Além de realizar os partos, cuidava das grávidas durante todo o período da gestação – inclusive, deslocava-se até a casa de suas "pacientes'' para realizar exames e acompanhar o crescimento dos bebês. Após o nascimento, a assistência continuava, com a troca dos curativos das mamães.
– Ela ''trouxe'' muitos caxienses, inclusive meus três filhos – conta dona Noemia Michelin, 75 anos, amiga da falecida Anna e que auxiliou a recontar parte dessa trajetória.
Nascida em Folgaria, na Itália, em 1912, Anna teve passagens por diversos países antes de estabelecer-se em Caxias. Morou em Nice, na França, e em Montevidéu, no Uruguai. Enfermeira formada, ela atuava no Hospital Pompéia auxiliando médicos como José Brugger, Carlos Spinato e
– Lembro que ela tinha um fone de madeira para ouvir os batimentos das crianças – conta Anuncio Michelin, esposo de Noemia.
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Aquecer a água
Em um tempo em que cesarianas e partos ''planejados'' ainda eram um realidade distante, não havia horário fixo de trabalho. Quando as grávidas começavam a sentir as dores do parto, de manhã, à tarde ou à noite, os familiares já sabiam.
– Era só ligar para a dona Anna e ela já mandava aquecer a água – recorda João Carlos Leonardelli, o Neco, 62 anos, um dos caxienses "trazidos" por ela em 1954, durante a Festa da Uva.
Conforme Noemia, a parteira estava sempre disposta a auxiliar.
– Sempre tinha um médico de plantão, mas eu fazia questão de ser atendida por ela. Era a dona Anna pra tudo! – recorda.
Conforme as lembranças da artista plástica Mara De Carli, que também veio ao mundo com a ajuda de Anna, a parteira era uma mulher muito alta e de fala doce.
– Eu a via assim, nas muitas vezes que a visitei acompanhando minha mãe ou quando ela vinha até a casa da minha avó. Era uma tarde em que a mesa era posta com extremo carinho e flores – conta Mara.
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Dedicatórias
A dedicação e sensibilidade de Anna com as gestantes contribui para ela estreitar laços de amizade com muitas famílias. Exemplo disso são as dedicatórias de crianças e pais deixadas no verso das fotografias destinadas à ela.
Nascida em 24 de fevereiro de 1952, Solange Chiesa Pinheiro Feltes "mandou" um recado a Anna em sua foto de lembrança à parteira:
"À cegonha, para que não se esqueça de mim e, em breve, me traga um irmãozinho".
A moradia
A primeira moradia da parteira foi em frente ao Hospital Pompéia, onde trabalhava. Anna residiu em um pequeno quarto no porão da residência que pertenceu ao médico Romulo Carbone e, posteriormente, à família do empresário Ary De Carli. Anos depois, ela mudou-se para o Edifício Ettore Lazzarotto, a poucos metros dali.
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Amizade de uma vida
Ao realizar os partos dos filhos de Noemia e Anuncio Michelin – Carlos, Ricardo e Carla – dona Anna tornou-se uma grande amiga do casal.
– Nós sempre a convidávamos para tudo – lembra Anuncio, que costumava levar a parteira de Fusca para Montevidéu, onde ela retirava a aposentadoria do pai uma vez ao mês.
Noemia recorda que dona Anna sempre atendia a todos, independente das condições financeiras. Ela também prestava serviços na antiga Casa da Mãe Solteira, que auxiliava gestantes em situação de vulnerabilidade. Devido à sua dedicação ao trabalho, a parteira recebeu o troféu de Cidadão Caxiense.
"Mãe" de boa parte de Caxias, dona Anna não teve filhos. Ela faleceu aos 80 anos em uma casa de repouso em Salvador do Sul, em 1992.
Colaboração
A história da parteira chegou até a reportagem devido a uma doação de fotos feita por Liliana Zambon, nora do casal Noemia e Anuncio Michelin.