Um senhor de boina, segurando uma sacola de exames feitos em laboratório por imagens, aguarda pacientemente a sinaleira fechar para atravessar um cruzamento movimentado no Centro de Caxias. Observo o semblante preocupado e o olhar marejado e me perco na cena. Volto a mim quando ele para e dá passagem a uma mulher carregando sacolas do mercado. Eu sigo e as possíveis histórias alheias ficam para trás.
Recebo notícia de mortes de pessoas que mal conheço e ainda assim me comovo, pensando na transformação que só um pequeno núcleo experimentará, enquanto a vida segue exatamente igual para todo o resto. Declino convites com um simples “não, obrigada” e percebo como é libertador poder exercer o direito de escolha de não precisar (se) explicar. Passo alguns dias explicando muitas coisas óbvias, na esperança que um dia elas sejam muito óbvias. Esperança, aquela louca que vive no décimo segundo andar do ano, segundo Quintana, se atira e volta a ser uma meninazinha de olhos verdes. Esperança depositada em atletas jovens, cheias de determinação e com pouco investimento, o que acaba se transformando em pressão. Penso que todo mundo deveria fazer terapia alguma vez na vida, para se entender melhor, aceitar os desafios e descomprimir. Viver sob pressão talvez seja melhor do que ficar de molho por conta de alguma doença — embora ambas só se percebam na ausência. Vi gente falando do figurino do protagonista da série O Urso — camisetas brancas “sexy”, de uma marca alemã e vendidas a 80 euros –, mostrando que sempre é possível desviar-se do que importa e apegar-se ao supérfluo. Dá, inclusive, para transformar o supérfluo em protagonista com uma narrativa convincente. Ela é uma baita série e mostra esse universo efervescente e conciso que se encerra em uma cozinha. O local de trabalho é tratado como microcosmo dos problemas existenciais. Nossos escritórios, consultórios, salas de aula não são justamente isso? Participo de uma reunião em que se discute a necessidade de voltar ao básico, ensinar a escrever e contar histórias, mostrar pessoas, como sempre foi ensinado. Todos concordam, embora todos também concordem que a ideia nem deveria ser uma ideia, muito menos novidade. O óbvio é individual, ouvi certa vez. Assim como eu torcendo para o Rafa Nadal nas Olimpíadas. Talvez por isso precise ser expresso e seja tão difícil entender. Vejo um pai com mochila rosa cheia de penduricos nas costas e deduzo que ele buscou a filha no colégio e foi direto para o jogo do Ju. Em um lampejo, os dois universos coexistem ao mesmo tempo. São sempre muitas camadas para todas as pessoas e todos acontecimentos e fico com pena de quem se atém a apenas uma delas. Metonímias, metáforas e hipérboles nem sempre dão conta da realidade. Gosto da linguagem com um quê de inspiração. Amei Daiane dos Santos na tevê explicando por que é inadequado desejar que uma ginasta rival caia: o jeito correto de torcer é apostar nos acertos de quem a gente quer que vença. Quer lição mais linda? Talvez por isso a meninazinha de olhos verdes esteja sempre a postos.