“Marrocos é como operação de apendicite. É ruim, dói, mas só precisa fazer uma vez na vida!”.
Ri muito com a definição de um senhor porto-alegrense que encontrei no aeroporto de Lisboa, ao contar que estava voltando da viagem ao país africano. Eu também não estava exatamente deslumbrada pelo lugar — e olha que eu tinha expectativa altíssima antes de chegar lá.
Apesar de figurar na parte de baixo na minha avaliação de destinos visitados, tenho lembrado com frequência essa viagem. Tudo por conta de uma associação bem peculiar, que talvez só faça sentido na minha cabeça.
Já faz alguns dias que, ao cruzar o portão de entrada do prédio onde moro, sinto o cheirinho de jasmim. Isso graças a uma pequena árvore no pátio que se enche de flores nessa época do ano e perfuma todo o jardim. E sempre penso como o cheiro é bom e como ele transcende a aparência da flor, que é bonitinha, mas não extraordinária.
É o tipo de fotografia que, se fosse tirada, não teria a menor graça e fugiria muito da sensação causada na vida real. E é justamente nesse ponto que me lembro do Marrocos. Uma das minhas imagens favoritas antes de ir para lá era aquela que parece colmeia gigante, com compartimentos cheios de cores terrosas.
Eu sequer sabia que a foto famosa mostrava o curtume Chouara — instalado desde o Século 11 dentro da Medina de Fez, segunda maior cidade marroquina. A Medina, por sua vez, é um emaranhado de milhares de ruelas dentro de um centro histórico abraçado por muralhas — essa, enorme, é considerada patrimônio da Unesco. Lá é possível ver todos os tipos de lojas, padarias a céu aberto, açougues com pedaços de carne pendurados em bastões de madeira sem refrigeração nem higiene e dezenas de gatos passeando por todos os lados. É um universo caótico e de orientação bem desafiadora, para não dizer impossível.
Esse foi o pano de fundo para eu chegar à imagem que cobiçava do Marrocos desde sempre — talvez por causa da novela O Clone. Antes de visitar Fez, fui a Casablanca e Rabat, conheci mesquitas, palácios e riads, mas queria mesmo era ver ao vivo o cenário de um dos principais cartões postais do país. E a experiência não pôde ser mais horrível: por ser um curtume a céu aberto, os couros de vaca, bode, ovelha e camelo são tratados com cocô de pombos. Então, uma quadra antes de chegar ao local já é possível sentir um cheiro nojento.
Para avistar o lugar é preciso subir num terraço sobre uma loja e, para tirar algumas fotos, são distribuídos ramos de hortelã para ajudar a amenizar o desconforto olfativo. Mesmo com as folhas grudadas nas narinas, mal dá vontade de olhar ao redor. Poucos segundos bastam para querer fugir do local. Fiquei com a sensação de que aquele cheiro nunca mais sairia do meu corpo.
As fotos que tirei são lindíssimas, como as das flores de jasmim nunca seriam. Ambas estão longe de mostrar a realidade — revelam só um pedacinho do que são, mas que muita gente costuma tomar como verdade. Curioso como, às vezes, as coisas e, por que não, as pessoas conseguem ser imagens irreais de si mesmas.
* Desejo a todos um Natal cheio de afeto e um 2024 lindo e leve!