São as faíscas que nos pedem perdão, e nunca o fogo por inteiro.
Fiquei paralisada na frase da poeta Rafaela Fischer, em um trecho do novo livro que está em processo de escrita. E não foi porque Rafa é uma amiga querida e talentosa, mas pela potência que a sentença evoca.
Talvez por ser dezembro, o mês oficial para fazer um balanço do ano. Talvez por sermos exagerados e tomarmos qualquer fagulha por fogo. Talvez por não termos a medida certa. Faço algum tipo de associação com a canção Carta para Amy, do Black Alien: Que se eu não mudar, nada muda (...) / O ano voa, cochilo em maio / Sonho com o ensaio e já tem o panetone.
Uma coisa é certa: não dá para ficar só no ensaio, temos que ir para o palco sem medo da plateia. Com frio na barriga e tudo. Revisar metas, fazer uma retrospectiva, programar os próximos meses viram imperativos... E nem parece que já chegou o fim do ano, que tudo passou tão rápido, que estamos decorando a casa para as festas e já já brindando o ano que se foi. Fizemos tanto, mas sempre fica faltando muito, não é?
Olhar para trás é, também, mais uma comprovação de que vamos deixando pedaços pelo caminho, à medida em que envelhecemos.
Gosto de pensar que somos a soma das experiências e pessoas que passam por nós, mas, volta e meia, acesso a realidade para perceber que somos, também, o que perdemos. Talvez isso ajude a nos definir bastante também. O que nos foi tirado sem que tivéssemos escolha. O que deixamos ir. O que ficou para trás. O que não nos cabe mais. A vida anterior que parou de fazer sentido. Vamos acumulando vazios e buscando vivências capazes de preenchê-los. É ficar sem quem a gente ama e não poder fazer nada a respeito. Aceitar que finais nem sempre são felizes — e fica tudo bem. Entre uma brecha e outra, nutrir-se de afeto e energia.
Por ser dezembro, talvez haja o simbolismo do novo ano carregado de renascimento. A virada de chave para acendermos a fagulha da esperança, da soma e do acolhimento. Saber que podemos pedir perdão — e apenas por uma ou outra coisa. Perdoar a nós mesmos, por nos cobrarmos tanto por tão pouco. Por mais controverso que possa parecer, o que sobra é ganho (mesmo que arda).