Estava assistindo a um vídeo do escritor Rubem Alves, em que ele defende que não devemos voltar a lugares que gostamos muito. Isso porque existe uma grande chance de nos decepcionarmos com a nova visita, já que não se trata apenas do lugar, mas do tempo que não volta. É tipo ir à casa da vó e ela não estar mais lá para fazer grôstolis, esticar a massa e deixá-la bem fininha transformar-se na atração de um domingo de manhã. É saber que nunca mais vai comer o doce da mesma forma. É ir a um show da banda favorita de um amigo e não poder contar para ele que a apresentação foi incrível.
É como viajar: um lugar encantador não é feito só de paisagens, museus e gastronomia exótica — as pessoas pelo caminho tornam tudo inesquecível.
Recentemente, andando de Uber num trajeto de cerca 20 minutos, entre o hotel onde estava hospedada na Cidade do Cabo e a Table Mountain, fui conversando amenidades com o motorista Shaheed, um senhor muçulmano simpaticíssimo. Pouco antes de me deixar no destino, assumiu um tom mais grave e revelou que era o penúltimo dia dele como motorista. Contou que estava com câncer no intestino, que faria cirurgia em breve e precisaria usar uma bolsa de colostomia. Ao final, pediu que eu rezasse por ele e prometeu que também rezaria por mim. Parece meio banal à distância, mas foi um momento tão bonito, de uma espécie de conexão, que só agregou à experiência da descoberta de uma das Sete Maravilhas da Natureza, com seus três quilômetros de extensão no topo e acesso por um bondinho.
São sempre as pessoas e o tempo delas que dão significados às nossas histórias, sejam de profissão, de viagem ou de vida. Lembro de coberturas de alagamentos em Caxias, há muitos anos — felizmente, sem a proporção mortal das últimas enchentes no Estado — e a mais marcante delas ganhou esse status por conta de um senhor tentando liberar da corrente um vira-lata quase submerso no porão de uma casa de madeira invadida pela água. Ele conseguiu com muito esforço, e a imagem foi uma síntese tocante do que, na hora de dificuldade, tem valor. Recordo também a conversa que tive com uma senhora de mais de 80 anos, numa estradinha no interior de Cuba, que trabalhava em um pequeno restaurante e passava parte do dia sentada em uma cadeira ao ar livre descascando alho e colocando os dentes pelados em uma bacia de metal. Aprendi bastante sobre paciência e resignação, sobre a necessidade de seguir em frente, apesar de tudo.
Tenho certeza, também, que são as pessoas que roubam nossa atenção até daquilo que mereceria exclusividade. Eu encontrei Leonardo Di Caprio enquanto ambos visitávamos a Capela Sistina — não juntos de propósito (infelizmente!) e eu pela primeira vez. O teto pintado por Michelangelo é espetacular — mas não são os afrescos minha primeira memória da incursão ao local. Curioso, né? É como ver os pãezinhos em formato de pomba na Osteria della Colombina, em Garibaldi, e lembrar da infância, do cuidado de escolher semente de feijão ou erva-doce para fazer os olhos e tentar deixar o tamanho certo na torção da massa que dá forma ao pássaro. O alimento vira um portal para a casa da vó.
Não é a comida, é o que as receitas evocam na memória. É o que repito para minha mãe: quando ela faz frango a Sevilha, uma das minhas comidas favoritas no mundo, não está cozinhando, está fazendo uma declaração de amor.
O desafio de voltar aos lugares maravilhosos significa, necessariamente, nos revisitarmos, em tempos mais ou menos distantes. E sempre é bom se achar pelos caminhos: mesmo naqueles em que a gente acha que se perdeu.