Essa bem que poderia ser uma crônica cheia de clichês. Começo pensando se a vida imita a arte ou a arte imita a vida e sei que essa questão passa longe da originalidade. Lembro, então, de uma fotografia que enviei a um amigo de uma amiga por Whatsapp, para que visse o desfecho de uma história que estávamos participando. Ele achou a imagem (tristíssima e tensíssima) poética e ainda quis ensinar que poesia podia ser triste. Me fez rir em meio ao caos, só por ser pretensioso. Fiquei pensando como deve ser ruim viver desconectado da realidade, precisar maquiar sentimentos, fingir empatia e não sair do lugar.
Fui parada por um desconhecido em uma rua da cidade para que ele confirmasse se eu sabia aonde estava indo. Não só sabia muito bem, como estava sendo esperada e recepcionada com carinho, conversas divertidas de bastidores e café. Café com açúcar, obviamente, porque de amargo basta o dia a dia. Eu avisei que seria assim.
Bem que a vida como vemos — ao menos, como eu a vejo — poderia ser uma invenção. E, se vivêssemos numa ficção, gostaria que ela fosse daquelas analisadas pelo pensador francês Michel Foucault, que a definiu como consistindo “não em fazer ver o invisível, mas em fazer ver até que ponto é invisível a invisibilidade do visível”. Eis um ponto complexo.
Volta e meia, nos deparamos com reflexões sobre a invisibilidade, sobre aquela parte do cotidiano que não vemos. Sobre as pessoas que estão à margem. Sobre os locais escondidos. Costumamos pensar menos sobre a parte que vemos, conhecemos e fazemos de conta que não vimos e não fazemos ideia do que se trata. Os segredos obscuros nos lares. Os silêncios sem cumplicidade. As lágrimas no travesseiro. As famílias felizes nas fotografias. Mas, como não existe o botão “desver”, as dificuldades ficam latentes. Uma hora elas aparecem.
Se a vida fosse uma ficção, aliás, caberia bem no filme norueguês A Pior Pessoa do Mundo, de Joachim Trier. Quem o recomendou para mim, disse que a história assemelhava-se à vida dele. Disse que encontrava semelhanças suficientes entre a estudante de Medicina que passou no vestibular porque tirava notas altas, mas detestava a possibilidade de ser médica, e que sempre trocava de ideia (chegou a se perguntar se estava se sabotando) com a trajetória em crise que vivia — eventualmente. Com as dificuldades de assumir a própria vida. Já ouvi essa história mil vezes e já sofri outras mil vezes por pessoas que têm medo de serem quem são — apesar de estarem no topo da lista de privilégios. Ou por causa disso?
A protagonista do longa, Julie (Renate Reinsve), vai dizendo não ao que a faz feliz, porque não consegue lidar com aquilo — e, aos poucos, vai se perdendo. A narrativa é sistematizada em 12 capítulos, mais prólogo e epílogo, cuja intensidade dramática cresce à medida que a história se (des)enrola. Sem dar spoiler, uma das cenas mais bonitas é quando ela percebe, com arrependimento, que o amor que ela teve e renunciou, de um homem que a enxergava como era e com quem podia conversar sobre tudo, foi importante. Percebeu quase tarde demais.
Julie é tão humana que é impossível não ficar atenta a qualquer movimento dela. O título do longa também se aproxima do real: não porque os outros consideravam a protagonista a pior pessoa do mundo, mas porque ela era a pior pessoa para si. E, sendo ruim para si, precisa se esforçar muito para não magoar quem está, voluntariamente, a seu redor.