Há um mundo a ser reiniciado pelas mãos das pessoas que sorriem e sangram. E, como cotidianas explosões de Supernovas, novos universos são construídos por pessoas comuns, são microcosmos de intenções à equidade. Percebo o novo tempo sendo planejado dentro dos ônibus e metrôs, mesas simples de casas e botecos, no íntimo do povo.
Não sou hipócrita, muito menos inocente, mas o sonho já está mais conectado à realidade. Eu sinto. Mas, também, sei que não há oportunidades iguais nesse mundão. Não ainda. Da ponte pra cá é correr duas vezes mais pra chegar em segundo lugar. Ainda sim, não está em nosso cerne a desistência, até porque nosso respirar já é uma vitória sobre-humana.
Ninguém, que não nós, está a olhar para as dificuldades que a história nos trouxe e pensando, de fato, em como podemos superá-las. Eles, os abonados de berço, dizem em podcasts que se acumulam nas timelines de redes sociais na internet afora: vá em frente, basta lutar mais, trabalhe enquanto eles dormem, seja inovador e tantos outros blá blá blás.
Nós, o povo, escutamos estes discursos e rimos com um pouco de raiva e ranço. Eles parecem um pouco bobos e um tanto cegos, será que acham que não percebemos que eles só querem nos vender fórmulas mágicas de prosperidade rápida por meio de mentorias e cursos de conteúdo óbvio e duvidoso?
Tenho a impressão que esse pessoal nem sai às ruas, nem se dá ao trabalho de olhar para fora de suas janelas, de cima dos prédios de alto padrão nas adjacências da Faria Lima e lugares semelhantes. Não olha, pois não tem coragem. Seus olhos sangrariam ao ver as agruras da vida real.
Sabe, as ruas e os bairros estão cheios de gente como eu e como você, as linhas de produção das fábricas e os comércios idem. Gente que trabalha, estuda e sonha acordado dentro do transporte público. Gente com bom gosto e mentalidade de prosperidade, mas que é engolida pelas demandas infinitas do sobreviver, onde boletos se sobrepõem às ilusões.
Ao redor de suas mesas, cheias de microfones e propagandas, frequentadas por homens brancos ditos bem sucedidos, eles, os podcasters, refletem sobre trabalho duro e autoestima. Falar de autoestima é fácil. Dureza é se apropriar dela quando se habita o cenário das desigualdades históricas de classe, gênero e raça, que pré-programam a existência.
Não estou aqui a tentar ferir ninguém. Lanço estas palavras como míssil teleguiado, se você foi atingido, certamente é alvo. Daí é problema seu, visto que você faz parte do problema.
Enquanto isso, seguimos fortes, de cabeça erguida, lidando com os dias, com a história e o desprivilégio de ter nascido sob à luz do trauma social, lutando por nossos sonhos de mínima melhoria. Acordando e dormindo acreditando no amanhã, fazendo sempre mais pelos nossos, galgando nossa futura vitória na possibilidade de melhoria social, pois não representamos indivíduos, representamos classes e corações.