O Carnaval chegou e tudo está mais ou menos como antes, nada em nossas vidas de fato mudou da virada do ano até aqui. Acho que a vida estaciona entre uma possibilidade de futuro e outra, à medida que se espera que o feriado da alegria chegue, passe, e nos deixe prontos para o iniciar plenamente o novo ciclo.
Entre as cinzas da quarta-feira e toda a purpurina que nos acompanhará por pelo menos um mês, daremos start nos planos que sonhamos lá por novembro do tempo passado. Lá atrás os sonhos eram vivos, flutuantes e cintilavam, mirando o futuro-alvo distante e o acerto era apenas um almejar. Agora, depois de caminhar a trajetória do sonho, perneando incansavelmente por tantos feriados e festas, temos a sensação de tudo estar mais nítido, palpável.
Assim, os sonhos se transmutaram e deram lugar às possibilidades da vida real, dos boletos a vencer, das novas chances às velhas coisas, da ousadia de se livrar das roupas usadas e se lançar ao mundo em vestes inéditas. Eis que o futuro começa daqui a pouco, bem pouco, basta curar a ressaca.
À medida que o Carnaval vai passando, a realidade vai chegando. Em cacofônicos gerúndios, seguimos acreditando. Esperamos a segunda-feira para enterrar os ossos e ressuscitar o que em nós é vontade de vida e mudança. Tanto a ser feito até o próximo festejo da carne.
Há que se viver o Carnaval, na avenida ou em casa. É o momento para respirar, cantar e comemorar o que foi vivido e lançar-se às tranças do destino e, também, preparar-se para o livramento do que não é mais alimento para nosso espírito. É hora de deixar ir sem a dor do perder, hora de aceitar o sepultamento do que aqui jaz.
Em suma, nos pós feriado, sepultaremos em nós o que não fará parte de nós no ano que se inicia tardiamente. Em simbologia, esse momento que é marcado por festas e festas, risos e risos, danças e danças, nos impulsiona como um ultimato frente aos desafios que teremos que assumir em alguns dias.
Superada a ressaca da alegria e do álcool, é hora de fazer tudo acontecer: resgatar os planos, restabelecer as metas, criar os fluxos, olhar para frente e disparar rumo ao que se crê ser justo e merecido.
O Carnaval vai passar, a segunda-feira vai chegar. Você está pronto para viver o novo? Comece entendendo a necessidade de seguir sem as antigas bagagens, deixe o passado lá atrás sem a mínima possibilidade de retorno. Enterre os ossos, ou mais, seja enérgico e resolutivo. Dê chance a opção drástica ao enterro.
Queime esses ossos, cada um deles. Bote fogo neles para que seus fantasmas ardam em chamas e não voltem para azucrinar. É isso, prepare o querosene da existência, tasque fogo nesse seu eu que não te leva onde você quer e precisa chegar. Faça uma grande fogueira com suas velhas dores e frustrações e deixe queimar ao infinito. Contemple as labaredas enquanto isso e quando tudo for brasa, agradeça, dê costas e siga.
O ano começou, agora é sem fantasia.