Sou a favor do sentir. Seja lá o quê, se o sentimento vier, creio ser válido dar vazão e deixar desaguar em nós tudo o que ele traz. Se àquela emoção está ali é porque algo a trouxe e vejo nessa chegada um propósito para que algo mude em nós. Não classifico sentimentos como bons ou ruins, vejo em cada um deles uma função específica. Por exemplo, a raiva também é um combustível que pode nos alavancar longe.
Aceitar nossas frustrações legitima nossa existência, creio. É uma farsa para nós mesmos só aceitar as boas sensações, isso nos estanca num lugar de superficialidade. Somos seres profundos e nessa profundeza há espaço para amor, afeto, dedicação e, sim, mágoa, raiva e tudo o mais que há nos sentires.
Digo sempre que só me vi minimamente livre, enquanto criatura, quando passei a dar ouvidos aos meus incômodos. Acredito ferozmente que o incômodo é um limite que nosso espírito nos impõe, cabe a nós ouví-lo ou não. Alguns chamam isso de intuição, outros sexto sentido, mas não importa como ele é nomeado, o importante é que ele te avisa e te prepara para grandes guerras ou somente duros dias.
Caminho, praticamente, todos os dias pela mesma rua antes de chegar em casa. Por opção, escolho dar uns bons passos até em casa no pós-dia de trabalho. Essa caminhada me ajuda a separar a Sandra-profissional da Sandra-pessoal, desprender as dores e alegrias de cada uma delas. Geralmente, ao chavear o portão, abrindo-o, muito do que foi meu dia fica lá fora.
Na semana presente, passei por essa rua três vezes: em uma, estava feliz; na outra, aliviada; e na terceira, possuída por uma raiva descomunal. Em todas as vezes, a mulher que passava era eu, mas somente em uma delas, essa caminhada me trouxe mudanças e foi na última. Sentir raiva ou ódio é humano e justo.
Na minha situação, era justíssimo, passei dias caminhando com um punhal simbólico fincado nas costas, sem ao menos ter tempo de sentir a dor da traição que me consumia. Em breves minutos, parava, e era devorada ora pela decepção, ora pelo ódio. Àquela rua me salvou. Foi ali, num breve caminhar, que pude digerir o ocorrido e pensar no que eu faria a partir da situação posta.
E a decisão foi: não faria nada. O que eu poderia fazer além de sentir? Nada! Eu fui passiva no ato do outro e assim seguiria. Me permiti sentir tudo e fiz da minha mágoa, raiva. E da raiva, vetor para ser a melhor versão de mim, considerando o âmago de quem sou e das minhas pequenas vitórias, que são visíveis ao mundo.
Sabe, o mal que nos atinge tem a ver com quem provoca esse mal e não com a gente. Sosseguei, descansei em paz, mas, antes, senti a dor profunda de ter sido traída, pois isso me botou num lugar de maturidade que é válido e me entregou evolução real.
Reitero, qualquer sentimento é válido, mas trago uma reflexão: o quanto nos entregamos ao que sentimos? Se o incômodo é o limite, passar a vida a se preocupar com o que o outro fez é limite passado.
Agora, ao fim, deixo um conselho, que é: em qualquer situação sinta a dor, aprenda a lição, siga a sua vida, o fim do mundo não é hoje.