Lembro de estarmos na estrada, ele mais uma vez me levava pra casa. Uma longa estrada à nossa frente, infinita no horizonte do Cerrado. As mãos dele firmes no volante, seus olhos fixos na direção, enquanto os meus escaneavam cada centímetro daquela criatura que ali já era dona dos meus melhores sentimentos. Vez ou outra ele se virava pra mim e me entregava um sorriso tímido, eu me derretia todinha.
Ao passo que o observava, se agigantava em mim uma emoção contrária a tudo que eu compreendia até então. Me subia algo potente, mas que, estranhamente, me aconchegava, me embevecia como se houvesse sorvido numa talagada só, forte calmante. Eu amolecia ao vê-lo. E, foi ali que fui apresentada ao bom amor.
Você talvez vá me perguntar: mas, Sandra, existe amor ruim? Te direi que quase todos, pelo menos os que me foram apresentados, ou vi na TV, ou nos livros, ou em casa. Eu queria ter aprendido o amor de outro jeito, sabe?!
Lá na infância eu aprendi o amor-sonho, coisa mágica cheia de príncipes que salvam princesas e princesas que precisam de salvação. Na adolescência descobri o amor-jogo, que brinca com nossas dores e traumas a fim de que no final saia um vencedor (todos perdem no final). Logo mais, pertinho da vida adulta, fui agraciada (há ironia aqui) com o amor-posse, um coquetel molotov de sentimento e prisões. Esse último era intenso e alimentava o meu lado traumatizado que achava justo sofrer sem um porquê, fiz dele meu padrão por anos e ali me mantive acorrentada.
Eis que num dia comum, depois de imensa desistência e eu já nem pensava em amor-futuro, a vida, displicentemente, pôs em meu caminho o bom amor. Que é leve e não se gasta com pequenezas, nomes, egos. Tudo diz, muito escuta e pouco se ofende. Pede desculpas como quem toma água e entende os deslizes humanos que existem sem maldade ou intenção de dor, pois tem empatia. Não há obrigação, só há serenidade, colo e sexo com fartura.
O bom amor chega e assusta a gente. Não fomos criados pra tamanha parceria, aparentemente. Dá medo ser tão bem tratado. O que quer de mim? Nos perguntamos de cara. Temos uma vontade incontrolável de fugir daquela criatura tão tranquila e bem organizada com a própria vida e que deixa bem claro que está ali pois essa é sua vontade legítima e é só isso.
Pode parecer fábula, mas, sim, um dia chega pra cada um de nós alguém que serena nossa caminhada, faz a gente contar lentamente os passos e ansiar pela demora da chegada. Há pra mim, há pra você, há um beijo que tira nossos pés do chão e, no cotidiano, nos incentiva a ser reais e expedicionários.
Delícia é sentir o amor assim, sendo bom pra nós, pro outro. Um amor essencialmente bom e com propósito de só fazer o mútuo bem, onde os corpos se cansam e descansam no leito, lá naquele lugar onde todos têm o mesmo tamanho, a cama.
A gente tem que guerrear na vida, sim, penso. Mas, penso, também, que, no amor, não há trincheira. Tu só se lança à bala e se deixa acertar. Morre sorrindo, figurativamente.
Amor é vida, e das boas.