Ainda não sei bem como se deu, dentro de mim, a decisão de me colocar no centro da minha vida, após toda uma caminhada não entendendo — ou não assumindo — esse meu legítimo lugar. Sempre teve algo, mínimo ou imenso, entre mim e a plenitude da minha própria existência.
Fiz as coisas por mim? Sim, sempre fiz o que tinha que fazer! Estudei, trabalhei, realizei, mas nunca me entreguei profundamente à pessoa que sou, sem medos ou amarras, sem carências. Analogicamente, se viver for um rio profundo, caudaloso e bravio, digo, quase que envergonhada, que, apesar de me arriscar entrando n’água, eu mal molhei os joelhos.
Apesar do dito, não me considero uma covarde, bem pelo contrário. Fui audaciosa, encasquetei, ainda cedo saí do lugar-comum da menina pobre do interior sem grandes possibilidades. Cheguei, de inúmeras formas, a lugares que meninas que vêm de onde eu vim, comumente, não chegam. Reconheço a importância de cada vivência minha para que me tornasse a pessoa que sou e que me orgulho. No entanto, ao olhar para trás, vejo com nitidez que eu poderia ter feito mais por mim.
— bom, deixemos dessa poesia trágica, a vida é crônica. Esse texto não é um epitáfio, estou aqui para falar sobre libertação. —
Então, caríssimos, teve esse dia, onde, num surto de consciência ou espasmo de loucura, uni desespero e racionalidade e mergulhei dentro de mim. Pode ter sido um retorno de Saturno tardio ou só uma vontade desesperada de ser mais feliz, eu não sei bem. O que sei é que naquele dia, figurativamente, saí nua pela rua, eu não levei nada. Corri muito, milhares de quilômetros, levei no colo somente meu coração que saltitava esperante, enquanto cantava músicas bobas infantis. Eu ria nervosa, meu coração achava graça.
Sem bagagens emocionais cheguei ao meu lar, a casa que sempre fora minha, pois dentro de mim ela sempre fora real. Nela, quintal e plantas, gente feliz que fala alto e tem riso fácil e bobo. Nela, meus sonhos não tem preço e, muito menos, são difíceis de se tornarem realidade. Nela, comer orgânico é rotina porque ali, assim o mundo se fez, organicamente. Nela, colo todo dia, por todo lado.
Na enorme casa avarandada dentro de mim, não faltam amigos e noites regadas a vinho, risadas imorais e até uns chororôs. Dia desses, num breve lamento, dentro dessas noites velozes, eu disse que queria alguém para cuidar de mim, argumentando que queria a contrapartida por ter passado a vida cuidando do outro. Falei, emudeci sentindo que havia dito besteira.
Vindo do nada, como um tornado, um amigo me lembrou que eu mesma podia cuidar de mim, já que passei tanto tempo cuidando de tantos teria competência para tal. Engoli aquilo, digeri, tenho começado a entender que autocuidado é urgente: é que sem mim, não sou ninguém.
Impossível é salvar o mundo enquanto se afoga.