Uma gritaria na minha porta: vozes que eu não podia discernir. Como estava, fiquei. De repente, entre as vozes, o choro de um bebê, o grito de uma mulher, um soco surdo, a voz de homem que imperava bradando grosserias, desafiando deus e o diabo. Levantei a orelha, entendi. Aos 34 anos, quase 16 de estudos de gênero, estava ali meu maior rival: o machismo.
Corri para a porta e a desgraça se confirmou. Um homem, frente a outros dois, batia em uma mulher com uma criança pequena no colo, chamando os outros pra briga. Os últimos viam a mulher apanhar e tentavam reagir. Para defender ela e a criança? Não! Para defender suas honras pequenas? Com certeza!
Ela conseguiu escapar dele correndo com sua cria nos braços e ele seguia tentando se autoafirmar perante aqueles seus iguais. Eu, ali, com a arapuca armada na frente da minha casa. O portão sem chave e eu só queria atravessar as grades. Minha sede de proteger aquela mulher fazia com que meu corpo quisesse ser líquido para ultrapassar as barreiras do portão. Naturalmente, não era. Fiz o que pude, gritei com ele, xinguei, ameacei. Ele me direcionou uns bons palavrões e saiu fugido.
Entrei em casa, rezando para que aquela mulher estivesse bem. Não estava. Enquanto eu ainda tremia e mal conseguia pensar, mais gritos. Dele! Corri, botei o roupão, peguei a chave e fui em direção à porta. Daí, num sopapo de racionalidade, lembrei que eu era mulher e não havia quem me defendesse daquele monstro se eu me interpusesse entre sua vítima e aquela gana assassina. Voltei num redemoinho para casa, catei a faca mais amolada e, com a lâmina empunhada, ganhei às ruas.
Ao sair, vi chocada a cena. O homem batendo na mulher, umas dez pessoas assistindo, inclusive o que era, aparentemente, a família dela. Esbravejei para o público, enquanto corria. Os chamei de covardes, medíocres e imundos. Eles deram pouca atenção. Fingiram que nem com eles o assunto era.
Cheguei em frente ao descontrole. O maldito já havia soltado a vítima, mas ainda a ameaçava. Com uma coragem que nunca tive o enfrentei, com a faca na mão o ameacei. Ele, com sua macheza, tentava me botar no ‘meu’ lugar e mal sabia ele que eu já estava nele. E, mais uma vez, saiu fugido.
Meu lugar na vida é não é sentada no trono da rainha, somente. Fui criada sabendo que, para ter reino, eu devia conquistá-lo antes. E como se conquista território? Enfrentando batalhas, lutando pelos seus, protegendo seus amores, fazendo justiça.
Ao sair da proteção do meu lar, com faca empunhada, rumo ao perigo do embate com um homem-inimigo, muito mais forte que eu, eu não esperava vitória, só não queria mais uma derrota que seria o corpo daquela mãe estendido no chão, banhado de sangue, sob o olhar da sua criança.
Quando saí de casa em defesa daquela mulher, daquela criança, eu não queria, mas, se precisasse revirar aquela faca no bucho daquele m*, eu revirava trinta vezes, pelo menos.