Nesses dias de recolhimento tenho sentido tantas faltas, inúmeras ausências e infinitos vazios, mas o que impera em mim é a saudade da criança que eu fui. Tenho esse sentimento a cada vez que olho para minha filha. Pilar saracoteia o dia todo pela casa, ri e chora, dependendo do que lhe é sentido. Ela sabe sentir. Eu já soube um dia. Todos nós já soubemos sentir a realidade interna dos nossos corpos e corações. Creio que esse dia há muito jaz.
Em quarentena, ela aniversariou duas vezes. Por algum momento fiquei chateada por ela não poder estar entre pessoas em um momento tão importante, mas ela nem ligou. Foi integralmente feliz, festejou muito, comeu doces, tomou uma fita de embrulho como presente e ficou contagiante. E, enfim, dormiu plena. Só não cantou parabéns pra si mesma e nem deixou que cantássemos, por algum motivo ela odeia a tal musiquinha.
No outro dia e até agora brinca com os balões coloridos já meio murchos. Se encanta absurdamente com as cores tão vibrantes, ri e comemora quando eles voam e, da mesma forma, quando quicam no chão.
Já faz tempo que o mundo virou, mais de um ano. Pilar sente tudo estranho também, eu sei. Mas, diferente de mim, ela não se abala. Vive sua vidinha intensamente, encontrando alegria em sua própria condição. Seus olhinhos redondos de estrelinha passam os dias de clausura atentos, nada perdem. Toda a casa é redescoberta por ela a cada acordar. Cada objeto é passível de uma arte, brincadeira ou somente observação profunda. Corre pela casa como se estivesse na maior aventura de sua vida. Brinca e deita no chão quando se cansa.
Eu, atordoada, em meio à rotina, fico buscando novas atividades para que ela possa matar o tempo e se desenvolver. No ápice da minha arrogância de gente grande, adulta, eu acredito que mobilizo seu desenvolvimento. Que boba sou: a cada segundo, ela não para de aprender, independe de mim. O tempo das crianças é outro, não há desperdício. A integralidade de ser é toda delas.
Ontem, resolvi que mexer na terra seria uma ótima atividade para nós. E foi! Crianças pequenas ainda são criaturas da natureza, como os animais. Tudo que é natural lhes interessa muito. Controlei meu ímpeto chato de adulto e a deixei à vontade. Se sujou, se molhou, fez lama no chão. Esfregava a terra no corpo como se estivesse em transe. Eu queria estar tão liberta como ela, me esforcei até. É que a gente, que é grande, perdeu a naturalidade ao crescer e, agora, pra conseguir ser puro tem que se esforçar, e muito.
Eu queria ser criança de novo, não gente pequena. Queria, sendo eu, hoje, ter a nobreza de ver o belo instantaneamente nas coisas reais, de sentir o vento e fechar os olhos para ouvi-lo passar. Ficar exultante com os primeiros pingos caindo do céu e gritar: é chuva, é chuva! Queria e quero, anseio e busco por isso.
Sigo tentando e vou evoluindo até ser criança de novo. E enquanto não, aprecio Pilar em sua vida. É tão incrível poder me sentir criança através da alma pura da minha filha.